Um seguro agrícola chamado irrigação
Tecnologia possibilita aumento da produtividade em até 30% e permite colheita de até três safras ao ano
PUBLICAÇÃO
sábado, 28 de junho de 2025
Tecnologia possibilita aumento da produtividade em até 30% e permite colheita de até três safras ao ano
Aline Machado Parodi - Especial para a FOLHA

As mudanças climáticas vêm alterando o regime de chuvas e colocando em risco a produtividade agrícola no Paraná. Na safra de 2023-2024, o Estado registrou perdas de mais de R$10 bilhões, com prejuízos, em especial, na soja, milho e trigo. Para mitigar os efeitos, o governo estadual está se mobilizando para ampliar a área irrigada, com liberação de crédito e capacitação de técnicos agrícolas para melhorar a assistência ao produtor.
O Brasil tem apenas 9% das áreas agrícolas irrigadas, bem abaixo da média mundial de 30%. Segundo o Atlas Irrigação da ANA (Agência Nacional de Águas), até 22% da área agropecuária brasileira poderia ser irrigada, o que corresponde a cerca de 55 milhões de hectares.
O Paraná é o estado que menos utiliza a irrigação: apenas 3% de sua área agricultável. O objetivo do programa é ampliar as áreas irrigadas em 20%. “O índice é relativamente baixo porque o Paraná sempre teve uma boa distribuição de chuva. Mas com as mudanças climáticas, as precipitações estão mais concentradas e intensas. O nosso solo não está preparado para receber essa carga grande”, explica Tiago Luan Hachmann, responsável técnico pela área de Recursos Hídricos do IDR-Paraná (Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná).
No ano passado, o governo estadual lançou o programa Irriga Paraná, que prevê investimento de R$ 200 milhões, sendo R$150 milhões em linhas de crédito subsidiadas. “O Banco de Agricultor Paranaense subsidia a taxa de juro para investimentos de irrigação. Os produtores da agricultura familiar têm juro zero”, ressalta o técnico do IDR.
A diretora da Abid (Associação Brasileira de Irrigação e Drenagem), engenheira agrônoma Priscila Silvério Sleutjes, afirmou que para ampliar a irrigação no Brasil é preciso avançar em relação a entraves de governança e gestão, como as concessões de licenças ambientais e outorgas de água, disponibilidade de energia de qualidade na área rural e estudos de disponibilidade hídrica. “É tudo muito moroso”, diz a diretora. De acordo com o IAT (Instituto de Água e Terra do Paraná), em 2024, foram emitidas 16.489 outorgas, um crescimento de 42% em comparação ao ano anterior.
A irrigação é uma ferramenta que, além de produtividade, segundo Sleutjes, garante segurança ao produtor. “Traz sustentabilidade no campo, mais produtividade em uma mesma área, mitiga a seca e também gera emprego e renda. É um seguro para o agricultor”, destaca.
Para Cristiano Trevizam, diretor de marketing e vendas da Lindsay, empresa norte-americana especializada em tecnologia para irrigação no agronegócio, além das questões climáticas, o que tem feito os produtores rurais apostarem em projetos de irrigação é a alta do preço da terra.
“Com a irrigação o produtor tem mais safra e mais produtividade. Ele cresce de forma vertical. Na cana-de-açúcar, por exemplo, o hectare irrigado é mais barato do que comprar mais área”, explica Trevizam.
Com um bom sistema de irrigação é possível aumentar a produtividade em até 30%, o que permite a colheita de até três safras ao ano. “No pós-pandemia, o produtor passou a olhar a irrigação com mais carinho. A tecnologia está mais barata e acessível comparado com o valor da soja e da terra”, exemplifica.
Segundo Trevizam, com três anos consecutivos de La Ninã, cooperativas paranaenses, como a Cocamar e a Coamo, buscaram parcerias para irrigar as áreas dos cooperados e assim, terem vantagens nas safras em caso de estiagem. E a tecnologia por telemetria, por exemplo, permite que o produtor faça a gestão mais eficaz da irrigação, levando em consideração a necessidade de cada planta.
TÉCNICOS CAPACITADOS
Para Priscila Sleutjes, ainda falta assistência técnica especializada em irrigação para orientar o produtor rural. “O manejo da tecnologia está na palma da mão, mas os técnicos não têm conhecimento de irrigação para garantir a produtividade”, adverte.
Os produtores de gado leiteiro e de corte a pasto e de culturas como soja, milho e trigo, das regiões Norte e Noroeste, vêm ampliando as áreas irrigadas e para atender esses produtores, o IDR-Paraná está capacitando seu corpo técnico. “Temos gargalos na assistência técnica”, admite Hachmann. Segundo ele, 15 técnicos já foram capacitados em uma parceria com a UEM (Universidade Estadual de Maringá) e outro grupo concluirá a formação no ano que vem.
POLO DE IRRIGAÇÃO NO NOROESTE
Com o regime de chuvas irregulares e perdas na citricultura e nos cultivos de arroz e mandioca, o Noroeste do Paraná vem se articulando para a expansão da tecnologia. A iniciativa ganhou impulso com o reconhecimento, em maio, do Polo de Agricultura Irrigada da região, o 18º do país e primeiro do Paraná. Fazem parte, inicialmente, 45 produtores rurais, entidades e organismos de extensão rural da região.
“O polo é reconhecido como uma região do Brasil que traz desenvolvimento socioeconômico através da implantação dos sistemas irrigados e que ajuda a desenvolver toda a cadeia do agronegócio local. Essa articulação colabora com temas de interesse dos produtores como a infraestrutura, a logística e a regulamentação, considerando o tripé da sustentabilidade econômica, social e ambiental de maneira organizada e estruturada”, afirma Priscila Sleutjes, diretora da Abid (Associação Brasileira de Irrigação e Drenagem) e uma das responsáveis pela articulação do polo.
Sleutjes pondera que um polo de irrigação permite que agricultores, empresas e associações possam acessar os governos estadual e federal e ampliar a viabilidade de projetos de irrigação. Para isso, o comitê gestor facilita a obtenção de linhas de crédito e a regulamentação de licença ambiental e outorga para o uso da água e o fornecimento de energia em áreas remotas.
De acordo com o coordenador do Polo, Demerval Silvestre, presidente da Associação dos Produtores Irrigantes do Paraná, estão sendo realizadas reuniões com órgãos governamentais para discutir as necessidades dos produtores, como o abastecimento de energia elétrica de qualidade, agilidade na liberação das licenças ambientais e outorgas de uso da água.
A região Noroeste tem um solo arenoso, com veranicos, que influenciam na produtividade. “Precisamos de planejamento e trabalho técnico para que os fatores climáticos não interfiram na produção”, afirmou Silvestre. Um dos projetos do Polo é introduzir a cultura do amendoim na entressafra da mandioca. “A irrigação vai ajudar neste processo. Também podemos ter novas atividades como o algodão. É um trabalho em construção”, ressalta.
LARANJAS COM MAIS SUCO
O produtor de laranjas em Paranavaí, Marco Valério Ribeiro, iniciou a irrigação da lavoura de forma fracionada. Ele começou a plantar laranja em 2003. Em 2009, durante uma seca muito forte na região, ele instalou um sistema de irrigação em uma área de cerca de 140 hectares. “Comprei no desespero”, recorda. A fazenda é fornecedora de laranjas para supermercados e para a produção de suco do Grupo Prat’s.
Três anos depois, ele adotou a irrigação de gotejamento em mais 180 hectares. “Cerca de 85 mil plantas estavam sendo irrigadas por esse sistema”, contou. Com as mudanças climáticas ficando mais intensas, entre 2019 e 2020, ele decidiu fazer um financiamento para irrigar mais 600 hectares, que tem em sociedade com o Grupo Prates. “Hoje temos 100% da propriedade irrigada”, conta.
Uma das vantagens que Ribeiro percebeu com a irrigação foi a qualidade da laranja produzida. Segundo ele, a fazenda produz a mesma quantidade de fruta, mas a proporção de suco por laranja é maior. “A nossa região não é ruim de produtividade, mas a irrigação é uma ‘arma’ com vantagens técnicas. Os frutos são maiores e mais pesados. Ano passado com a seca, tive produtividade equivalente. A irrigação dá mais qualidade e constância. Você dorme melhor”, comemora o produtor.

