Um pé lá, outro cá

Pé de vassoura? Sim. Vassoura vem de um pé. Mas vassoura não tem pé. Pronto. Estava eu ali, bem criança, diante de uma novidade, uma lição nem de casa, nem na sala de aula, dada ali, de graça, pela natureza.

Minha família se mudou do interior para a capital São Paulo, mas nunca nos desligamos de alguns costumes e das origens. A simplicidade das brincadeiras, como desenhar com gravetos na terra e deixar marcas, eram um exercício de criatividade - ainda que o vento ou a água logo, logo, tornassem o novo, velho. É verdade, temos um pezinho na roça até hoje. Gostamos do meio do mato, de olhar as estrelas no breu rural e nos divertimos com o encanto dos urbanos, diante da farra dos vaga-lumes.

Temos mesmo um pezinho na terra e no dia em que o dermatologista elogiou a aspereza do pé da minha caçula, foi um incentivo e tanto. Disse o doutor, todo de branco, que era muito bom ver uma criança assim, corada de sol e com os pezinhos ásperos - de tanto brincar sem sapatos. Ainda que o bico fino, o scarpin ou a botina nos dias de inverno e chuva exijam, quando podemos ficamos todos descalços, andando pelo apartamento e, entre o porcelanato e o piso de madeira laminada, o pisante ainda flerta com o chão queimado vermelhão, a terra batida e até o cimento cru, onde dava para desenhar amarelinhas, saltar do céu ao inferno em segundos e quando batia o cansaço e a mãe mandava ir pra dentro, era hora de dormir e também sonhar em pisar na lua feito astronauta ou dar passos e ficar na ponta dos pés, feito bailarino.

Nos dias de hoje, é um pé lá, outro cá: ora na cidade, ora no meio do mato. Onde não tem wi-fi, colho capim cidreira fresquinho para o refresco ou chá, vejo na hora do por do sol uma bola laranja tocar a represa e se não tem limão na geladeira, as meninas correm no vizinho e tiram alguns frutos pra salada ficar ainda mais gostosa e de sabor equilibrado, como permite a rotina entre a cidade e o campo ficar tão leve.

Walkiria Vieira, repórter da FOLHA.