Imagem ilustrativa da imagem Um encanto atrás do outro
| Foto: Marco Jacobsen

"Só amamos o que conhecemos". A frase de Santo Agostinho nos faz refletir sobre o respeito ao outro, a seus hábitos, escolhas e sina. A profissão de repórter, entre tantas experiências, permite que conheçamos pessoas - seus sonhos, realizações e também suas angústias e desilusões. Para o fotógrafo francês Henry Cartier-Bresson, o repórter é mero observador, deve passar despercebido, e não como um ator da cena. O repórter sabe o seu lugar Cartier , mas somos de "Humanas". Fazemos escuta ativa, sentimos e muitas vezes a dor do outro é nossa - a empatia é uma prática. Calçamos o sapato do outro.

Com ética, nos identificamos com as tantas personagens que confiam a nossos ouvidos, suas histórias. Como não ceder à delicadeza do toque dos pincéis da artista plástica que reserva um horário para mostrar o que ama, em instantes transforma a tela branca, em paisagem - e nos conduz a passeios particulares. A quituteira prepara a receita, faço o clique e me despeço. "Como assim, você não vai provar? Ela fez pra você", questionou a filha da especialista em torta de frango. De pauta em pauta, colecionamos experiências e lições. Do rolo de filme à foto cedida pelo próprio entrevistado, as imagens valem, sim,1000 palavras e muitos leitores emolduram a reportagem e a tratam como documento. "Você fez minha biografia", disse dona Neusa, que conheci no Centro de Convivência do Idoso da região leste de Londrina.

A adoção concretizada, o transplante bem sucedido, o médico que mantém o anonimato e adota o aluno hipossuficiente que passou no Vestibular de Medicina da UEL. O altruísmo é lição. Crescemos e nos inspiramos. Na idosa que dedica-se a ajudar crianças especiais na hidroterapia, aos que se revezam para servir café aos familiares de pacientes do Hospital do Câncer e mais voluntários de tantas entidades que sobrevivem do amor ao próximo. E a vida de um circense, que em um ano passa por oito ou mais escolas? Merece respeito.

Ao cobrir uma corrida de rua, fui laçada prática. Democrática, acolhedora e sem competição, a corrida dá a grata sensação de a "máquina" estar funcionando. Respirar, enxergar, movimentar as pernas, atos simples que permitem romper a linha de chegada e até nos levar ao pódio. Mas são sagrados. E como não se encantar com os sonhos e conquistas do atleta que monta touros e mesmo afastado das arenas devido à pandemia, não perde o foco. De volta ao Brasil, no sítio da família, o atleta Flávio Viana faz da rotina, uma sucessão de emoções. "O meu amanhecer tem o cantar do galo/ O cheiro do mato com gota de orvalho/ E é tão gostoso beber um café/Olhando o sol nascer", divide em seu instagram @flavioviana25 a moda "Vivendo Aqui no mato", do Trio Parada Dura .

Sem a pressa da cidade, a noite lá demora a chegar. Aqui já é noite e enquanto falamos, lá o sol ainda alumia os montes. Desde miúdo, Flávio ia para escola no galope com o irmão Fernando, agarrado à cabeça do arreio. Treinava escondido do pai, mas ganhou a benção família pra fazer o que ama. O menino do sítio talvez nem saiba o tamanho de sua riqueza. Fala manso, tem pai e mãe como esteios e sua humildade é de tirar o chapéu. Com uma das mãos se equilibra sobre o touro, parece um balé, mas também impressiona o face a face com o bicho. Do brete ao cair no solo, FV, as inciais de seu cinto, respeita o animal e o ama.

Foi no meio de outra pauta, bem adversa, que conheci o competidor da PBR e eu o respeito. Não há mal trato, há desafio. Por isso, Santo Agostinho está certo: só amamos o que conhecemos. Conhecer FV é um presente do jornalismo. Com a força que se prende ao touro, FV nos segura na prosa sem vontade que ela acabe. Ele vive a lida do campo com profundidade. "Passamos na vida por tudo o que temos que passar: momentos bons e também os ruins. Nos bons, temos tudo e todos ao nosso lado. Nos ruins, só os verdadeiros, famílias e poucos bons amigos. Mas alguns tem algo a mais: um bom cavalo e um bom cachorro entendem mais a situação - apenas te olhando, dando carinho e atenção. Estão ali de prontidão a te ajudar, sem nada exigir em troca", reflete.

Walkiria Vieira, repórter da FOLHA