Técnica melhora conservação do leite
PUBLICAÇÃO
sexta-feira, 27 de outubro de 2000
Cláudia Barberato De Londrina
O estudo sobre a lactoperoxidase começou em 1993. Testado e comprovado como eficaz, ainda não chegou ao conhecimento dos produtores brasileiros. É uma frustação para o pesquisador que o resultado da pesquisa não chegue a quem ela realmente interessa. O desabafo é do coordenador do estudo, Elizeu Antônio Rossi, professor do Departamento de Alimentos e Nutrição da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unesp, de Araraquara (SP).
O professor acredita que o estudo deveria ser melhor analisado talvez pelo Ministério da Agricultura, para ser implantado no País. Hoje, segundo Rossi, o sistema é proibido. Esperamos que após a divulgação desta pesquisa o Governo avalie sua decisão de proibir o método no Brasil, uma vez que nosso estudo prova que não há motivos concretos para temer uma piora dos padrões de higiene, afirma Rossi, acrescentando que a adoção desta técnica no Brasil só iria contribuir para melhorar a qualidade do leite que chega à mesa do consumidor.
Como funcionaDe acordo com Rossi, todo o sistema é feito através da adição de água oxigenada e do produto químico tiocianato ao leite recém-ordenhado, que permite conservar a temperatura do leite por mais tempo. O prazo de conservação é de até 8 horas para o leite C e até 12 horas para o leite B, sob temperatura de 25 graus centígrados. Rossi garante também que o sistema pode ser adotado com a garantia de que a saúde do consumidor não corre risco.
Os elementos químicos usados, de acordo com Rossi, fazem parte da composição do leite e, na sua dosagem original, produzem uma reação química natural que consegue deter a proliferação dos microorganismos por um tempo curto. A técnica mostra que, quando se aumenta a quantidade desses elementos, é possível prolongar o prazo de conservação por várias horas.
De acordo com Eliseu Rossi outros países já usam esse recurso para conservar o leite. Na Unesp, além de usar o exemplo de outros países, os testes com o sistema foram feitos para a realidade brasileira.
Em pequena quantidadeA pesquisa da Unesp, testada nas condições em que o leite é produzido no Brasil, mostra que é preciso adicionar apenas 12 mg de tiocianato e 8 mg de água oxigenada por litro de leite, para garantir um prazo de conservação de até 8 horas para o leite C e de até 12 horas para o leite B, numa temperatura de 25 graus centígrados, média do verão nas primeiras horas da manhã e do final da tarde, quando geralmente o leite é ordenhado.
Recomendado pela FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação), segundo o professor Rossi, o método é indicado aos países que não têm recursos para investir em sistemas de refrigeração em larga escala, como o Brasil. No entanto, Rossi acredita que o processo ainda não tenha sido analisado pelo Governo com o temor de que os produtores possam tornar-se negligentes com a higiene na hora da ordenha.
Não há risco de que isso aconteça. Nossa pesquisa mostra que o risco de o produtor negligenciar a higiene não será maior com a adoção do método de lactoperoxidase, afirma o professor que, para chegar a esta conclusão, testou a técnica durante dois anos em lotes de leite com índices variados de contaminação de microrganismos.
Segundo Rossi, tanto a refrigeração quanto o método de lactoperoxidase tem o poder de conservar o leite, porque impedem a proliferação dos microoganismos. A diferença é que a lactoperoxidase também é bactericida, o que poderia levar o produtor a ser negligente com a higiene na hora da ordenha, uma vez que a técnica mata as bactérias, admite.
No entanto, continua o professor, a pesquisa da Unesp mostra que a ação bactericida é pequena. Além disso, os casos de negligência poderiam ser facilmente detectados. Atualmente, os laticínios determinam o grau de contaminação do leite, fazendo testes de contagem de microorganismos vivos. Se a técnica de latoperoxidase fosse adotada, bastaria fazer uma contagem total de microrganismos, que incluísse as células mortas, para saber se houve ou não negligência, afirma.
Benefício aos pequenosNo Brasil, segundo Rossi, 70% dos pecuaristas leiteiros são considerados pequenos produtores (com produção de até 100 litros/leite/dia) que não dispõem de recursos para compra de equipamentos de refrigeração do leite até que o produto seja entregue na indústria. O método então, garante o professor, seria uma boa alternativa a esses produtores.
Hoje, só os fazendeiros que têm sistema de refrigeração conseguem fazer duas ordenhas diárias, uma vez que o leite tirado no final da tarde pode ser conservado até a manhã seguinte. O pequeno sitiante, que não dispõe deste recurso, acaba restringindo sua produção. Retira o leite de manhã e entrega o produto no laticínio antes de estragar. Se pudesse aplicar esta técnica, ele também teria condições de fazer a ordenha da tarde, sem risco de ter seu produto deteriorado, afirma Rossi.
Qualidade comprometidaDos 20 bilhões de litros de leite que o Brasil produz anualmente, estima-se que a maior parte tenha sua qualidade comprometida por falta de um sistema de refrigeração que conserve o produto até sua entrega no laticínio.
Na maioria dos casos, o leite ordenhado acaba ficando armazenado na fazenda, sem nenhum controle de temperatura, por até 6 horas, tempo suficiente para que a ação dos microorganismos inicie o processo de deterioração do alimento. Quando o produto chega ao laticínio, geralmente, a contaminação é tão alta que nem o processo de pasteurização pode ser capaz de reduzir o índice de microrganismos a níveis aceitáveis.
Consumo garantidoO risco desses elementos químicos usados na lactoperoxidase fazerem mal à saúde do consumidor também é pequeno. Para que esses elementos causassem algum mal ao organismo humano, seria necessário adicionar uma quantidade 100 vezes superior de água oxigenada e 20 vezes maior de tiocianato, explica o professor.
E mesmo que o produtor aumentasse a dose dos produtos, para tentar esticar o prazo de conservação, chegaria à conclusão de que não vale a pena. Na medida em que se aumenta a dose acima do que é recomendado, a técnica começa a perder sua eficiência, ou seja, o feitiço vira contra o feiticeiro, explica.
A vantagem da técnica, afirma Rossi, também pode estar no custo. Um estudo preliminar usando como parâmetro uma produção de 100 litros/dia, média alcançada por 70% dos produtores nacionais, indicou que este custo poderia ser inferior a R$0,05. (Colaborou Angela Trabbold, da Unesp, São Paulo).