A sucessão familiar no agronegócio, também chamada de gestão familiar compartilhada, não tem uma receita pronta para ser colocada em prática. Especialistas destacam, porém, que é preciso preparo técnico e levar em conta a soma das diferentes habilidades de cada integrante para conseguir obter os melhores resultados.

“O que pode funcionar em uma propriedade não funciona em outra”, destaca Leonardo Boesche, superintendente do Sescoop-PR (Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo no Paraná).

Para atenuar o conflito de gerações, o Sescoop desenvolve com as cooperativas do Estado um programa de administração rural, com cerca de 40 horas de aulas teóricas e tarefas colocadas em prática nas propriedades. A orientação é que participem do curso o pai, a mãe e o filho ou filha.

“O professor acompanha as tarefas desenvolvidas na propriedade. Com isso, é ensinado à família a trabalhar em conjunto, já que de fato há espaço para todos”, destacou. Interessados em fazer o curso devem procurar a cooperativa da qual fazem parte, e a cooperativa faz a inscrição junto ao Sescoop.

O curso é uma maneira de fazer com que o choque de cultura e de gerações dê lugar a cada um colaborando com suas potencialidades e habilidades. Boesche cita, por exemplo, a maior facilidade dos mais jovens em lidar com as

ferramentas tecnológicas empregadas no campo, como os aplicativos, por exemplo.

“O jovem é mais afeito à tecnologia, então as cooperativas estão investindo em aplicativos para atraí-lo. Por outro lado, os mais velhos entendem mais da produção em si, como plantar, como comercializar, já têm a sabedoria disso tudo. O jovem é mais impulsivo, o mais velho tem mais serenidade, mais experiência. Diante disso, o filho não deve tirar o pai da propriedade nem o pai impedir que o filho ou a filha participe da gestão.”

Uma das preocupações seria o fato de o jovem, após sair para estudar agronomia, zootecnia ou administração, não querer mais voltar para o campo, para a propriedade da família. “Mas muita gente está voltando. Hoje a qualidade de vida no campo é excelente, muitas vezes até melhor do que na cidade”, pontuou.

O Sescoop desenvolve ainda o Programa Jovem Cooperativista, em que as cooperativas mantêm grupos de jovens com diversas atividades para auxiliar na gestão da propriedade, com muita tecnologia transmitida que facilita o processo.

Entidade do Sistema S, o Sescoop no Paraná tem a função e promover o monitoramento, além de apoiar a formação profissional e a promoção social de 215 cooperativas de sete ramos diferentes, entre as quais mais de 60 são do ramo agropecuário. Só desse ramo, o Estado conta com quase 200 mil cooperados.

Jovem largou estética e radiologia para se dedicar à propriedade da família

Amanda Alcântara e Francisco Batista, que trabalha na fazenda há 18 anos. A jovem começou a administrar a fazenda como uma empresa
Amanda Alcântara e Francisco Batista, que trabalha na fazenda há 18 anos. A jovem começou a administrar a fazenda como uma empresa | Foto: Divulgação/Cocamar

Amanda Piteri Alcântara, 29 anos, começou a participar da administração da fazenda, uma propriedade de 222 hectares em São Sebastião da Amoreira, há quase três anos na companhia do irmão Allan, 31, do pai, Ivan Alves Alcântara, 80, e da mãe, Sandra Marli Piteri, 59.

Fez cursos de tratorista e mecânica de tratores e é ela quem faz as compras de insumos e comercializa a safra na Cocamar. Além disso, aprendeu a passar veneno e a como fazer o plantio.

Para a própria Amanda, até alguns anos, era improvável que viesse a ser uma sucessora no negócio da família. Ela chegou a fazer o curso de técnico em radiologia e estética para seguir carreira na área.

Porém, como a fazenda precisava ser administrada como uma empresa, houve uma reviravolta em seus planos: a sucessão foi o caminho natural. Nesse processo, o pai deu todo o apoio e incentivo. “A má administração me motivou a mudar de rumo”, diz Amanda.

As principais decisões ainda são tomadas em conjunto. No início, admite ter ficado receosa. “Hoje, mais habituada à experiência, me sinto feliz e até prefiro o ambiente da fazenda a estar na cidade”, destaca Amanda, que se mudou de Londrina e há quase três anos mora na propriedade da família, em São Sebastião da Amoreira.

A 750 metros de altitude em média, a propriedade com 80% de teor de solos argilosos apresenta condições adequadas para a produção de sementes, tanto que a totalidade das lavouras de soja está voltada a esse objetivo. No inverno, as terras são ocupadas por milho e trigo.

No dia a dia, a jovem tem a companhia diária do funcionário Francisco Batista, que reside na fazenda há 18 anos, e a orientação técnica prestada pela Cocamar, por meio do engenheiro agrônomo Felipe Sutil. É ele, por exemplo, quem faz a regulagem da plantadeira e ajuda na escolha dos insumos, na seleção das variedades mais adequadas e acompanha o controle de pragas e doenças.

O trabalho por quase três anos vem dando frutos. Amanda reorganizou o barracão, onde havia restos de produtos como agrotóxicos que geravam perdas financeiras.

“Cortei o desperdício, troquei o fertilizante que não compensava usar por causa do alto custo e sempre brigo por preços junto à cooperativa. O resultado é que agora sobra dinheiro. Para o futuro, quero colocar mais em ordem a fazenda, melhorar mais ainda o solo”, conclui. É na unidade da Cocamar em São Sebastião da Amoreira, sob a gerência de Claudinei Donizete Marcondes, que Amanda adquire os produtos de que precisa e comercializa a safra.

Mudanças e lucro

Assim que se formou engenheiro agrônomo pela UEL (Universidade Estadual de Londrina), há cinco anos, Igor Uehara, 27, voltou para Cianorte com o objetivo de ajudar os negócios da família a crescer. Até então, a propriedade da família estava focada na recria e engorda de vacas. Pai de Igor, Rui Uehara nem imaginava o quanto o filho seria importante para trazer mais renda.

Igor Uehara voltou para Cianorte após concluir o curso de Agronomia e ajudar nos negócios da família
Igor Uehara voltou para Cianorte após concluir o curso de Agronomia e ajudar nos negócios da família | Foto: Divulgação/Cocamar

Ao ouvir falar em integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), Igor interessou-se pelo tema e em 2017, a convite da Cocamar, participou de várias viagens para conhecer o sistema na prática.

Após analisar detalhadamente a integração e fazer muitos cálculos, Igor não teve dúvidas de que valeria a pena e contou com a concordância do pai em introduzir a soja na propriedade de 128 hectares.

“Já era uma atividade lucrativa, com taxa de ocupação de 250 cabeças por ano em média”, explica. A soja entrou para turbinar a lucratividade e o resultado atendeu às expectativas. “Produzimos soja no verão e mantemos a pecuária no inverno”, comenta Igor, salientando que a decisão de fazer integração lavoura-pecuária (ILP) foi muito acertada.

Hoje, Igor e o pai dizem que nem imaginam retornar ao modelo anterior. Com a ILP, o negócio ficou dinâmico e bem mais interessante sob o ponto de vista financeiro e a propriedade passou a contar com uma estrutura de maquinários próprios para a mecanização.

Segundo o engenheiro agrônomo da unidade local da Cocamar, Wagner Decleva, responsável pela assistência técnica aos Uehara, o solo também demandou investimentos, à base de nutrientes e micronutrientes. Ele faz recomendações em relação às variedades de soja mais adequadas e sobre os melhores insumos, ficando atento ao melhor momento para o controle de pragas e doenças.

É na cooperativa que pai e filho adquirem seus insumos e comercializam a produção. A família possui propriedades em outros municípios, focadas principalmente em pecuária. “Um dos meus planos é ampliar a produtividade das lavouras e, no futuro, expandir as áreas cultivadas, absorvendo terras da região, como arrendatário”, conclui Igor.

Cooperativa investe em programa para núcleo jovem

A Cocamar desenvolve um programa para estímulo e aproximação dos jovens ao agronegócio e à gestão do legado familiar, com foco na gestão compartilhada. Há dois anos, foram intensificadas as atividades que abrangem cerca de 120 jovens com idades de 15 a 25 anos das regiões de Londrina e Maringá.

“Nos últimos dois anos, estamos trabalhando com eles temas como o autoconhecimento, o protagonismo e a educação cooperativista”, destacou Alessandra Lescano de Almeida, analista de cooperativismo da Cocamar e coordenadora do programa Jovem + Agro, mantido pela cooperativa.

Um dos eventos mais recentes destinado ao público jovem foi um ciclo de debates promovido pela cooperativa há dois meses, que tratou sobre os desafios do jovem gestor no agronegócio. “Os pais não podem ser tão fechados ao que os filhos propõem quando os filhos compartilham a tomada de decisões, e os filhos, por sua vez, não podem ir com muita sede ao pote”, ponderou.

Um dos pontos de destaque desse evento foi trazer a reflexão que todos os jovens são herdeiros, mas nem todos são sucessores. “Então, por que não começar já esse compartilhamento da gestão desde cedo? O modelo ideal é

aquele construído pela família, e nós, enquanto cooperativa, estamos juntos para dar todo suporte”, conclui.