Safra do café tem baixa produtividade e preço alto
Falta de chuva e temperaturas elevadas impactam qualidade dos grãos e reduzem produção. Cenário internacional desfavorável jogou para cima o valor da saca
PUBLICAÇÃO
sábado, 05 de outubro de 2024
Falta de chuva e temperaturas elevadas impactam qualidade dos grãos e reduzem produção. Cenário internacional desfavorável jogou para cima o valor da saca
Aline Machado Parodi - Especial para a Folha de Londrina
O tempo seco registrado desde maio em no Paraná, sem chuvas e com as altas temperaturas, trouxe impactos negativos na safra de café, que está na fase final de colheita, diminuindo o tamanho dos grãos, comprometendo a produtividade. Em nível nacional, a seca, que em algumas regiões chega a 150 dias sem chuva, também vem afetando a safra deste ano.
A forte escassez hídrica vivida em 2024 em regiões produtoras de café causou a perda de folhas, que murcharam, e ameaça até provocar a morte de plantas em lavouras de Minas Gerais e São Paulo. A estiagem tem provocado impactos em países concorrentes como, por exemplo, o Vietnã, que poderá ter sua safra reduzida em 10% devido ao calor.
Segundo boletim do Deral (Departamento de Economia Rural), a produção paranaense teve uma queda de 8% em relação à safra 22/23. Nesta safra a estimativa do órgão aponta para uma produção de 675 mil sacas (40,2 mil toneladas), em uma área de 25,3 mil hectares, 1% da safra nacional. Apenas 20% dos grãos colhidos são graúdos
Por outro lado, os preços estão mais remuneradores neste período, compensando em parte a redução de produtividade e indicando uma possível manutenção da área para a próxima safra.
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“No Paraná, a última safra foi prejudicada pelas altas temperaturas e para a próxima safra (25/26) o calor tem preocupado bastante, por causa do abortamento floral. Tem umas floradas bonitas, mas elas não necessariamente vão se converter em produção futuramente. Vamos depender muito das próximas floradas”, afirmou o engenheiro agrônomo Carlos Hugo Godinho, do Deral.
Para a produção de café, o ideal é que tenha uma boa distribuição de chuvas entre os meses de setembro e abril. Mas a projeção da Epagri/Ciram (Centro de Informações de Recursos Ambientais e de Hidrometeorologia) nos próximos três mês a chuva deve ficar abaixo da média histórica em todas as regiões do Estado, porém em outubro a precipitação deve ser mais equilibrada.
PREÇO ALTO
A redução da produção e da qualidade do grão, associada a conjuntura internacional desfavorável, jogou o preço do café para cima. O preço da saca está girando entre R$ 1.300 e R$ 1.400. “O produtor que tem café de qualidade consegue até R$ 1.700 por saca. O preço do café paranaense está se aproximando do café mineiro. Quem tem café com peneira graúda consegue o preço do mineiro. Este é um bom momento para vender. A alta do preço do café compensou o prejuízo na queda de produtividade”, ressaltou o produtor Francisco Barbosa Lima, que planta café em Japira, no Norte Pioneiro.
A produtividade da propriedade foi 50% menor do que na safra passada. Ele plantou 15 hectares de café. Assim como muitos cafeicultores paranaenses, ele vem reduzindo a área plantada e optando por culturas como a soja. “A cafeicultura paranaense precisa de apoio para se revigorar e aumentar a produção, senão corre o risco de desestruturar a cadeia”, disse Lima, que é engenheiro agrônomo aposentado do Mapa (Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento).
De acordo com o coordenador estadual de extensão do IDR (Instituto de Desenvolvimento Rural), Romeu Gair, pela primeira vez se vê o café arábica, variedade plantada no Paraná, igualar ao preço do canephora, chamado de robusta, que é plantado no Vietnã. “Historicamente, o robusta tem valor de mercado 50% maior do que o arábica, mas hoje o preço está igual”, disse Gair.
Apesar do café paranaense não ser competitivo no mercado interno, a redução da oferta de robusta e o preço igualitário pode representar uma boa oportunidade de mercado. “Pode ser que a busca por arábica cresça. Mas o Paraná não busca mercado de café commodities, o que temos são algumas iniciativas de produtores que estão buscando mercado para cafés especiais”, afirma o coordenador.
SÃO PAULO E MINAS GERAIS
Os estados de Minas Gerais e São Paulo concentram 67% da produção brasileira de café. Além da falta de chuva, os incêndios registrados em áreas de produção desses estados em agosto e setembro também contribuem para pressionar os preços.
Coordenador do departamento de geoprocessamento da Cooxupé (Cooperativa Regional de Cafeicultores em Guaxupé), Guilherme Vinícius Teixeira disse que a crise hídrica tem feito com que as lavouras sejam submetidas, além da seca, ao estresse térmico —devido às altas temperaturas e à grande amplitude térmica (diferença, em graus, entre as temperaturas mínima e máxima em um dia).
"Praticamente estamos com 150 dias somados a partir de março sem registro significativo de volumes de chuva. As plantas estão ativando sistemas de defesa fisiológica, perdendo folhas e murchando. Em casos mais severos e lavouras depauperadas, está ocorrendo a redução do metabolismo das plantas, paralisando os processos fisiológicos importantes, podendo até chegar à morte", disse.
Em agosto, conforme o coordenador, foi registrada queda de temperatura, causando geadas de média a alta intensidade, de forma pontual, e rajadas de vento, que acarretam necrose de tecidos vegetais. A cooperativa, a maior do país, reúne mais de 20 mil cooperados, 97% deles pequenos produtores.
"A continuidade das condições climáticas desfavoráveis poderá acarretar perdas consideráveis na safra 2025. É necessário o retorno das condições hídricas e térmicas favoráveis para a retomada do metabolismo das plantas que, por consequência, originará a florada, permitindo melhor acompanhamento da safra", disse.
Os problemas climáticos fizeram com que a SIC (Semana Internacional do Café), feira referência no setor e que acontecerá em novembro, em Belo Horizonte, adotasse como tema "Como o clima, a ciência e os novos consumidores estão moldando o futuro do café".
"A gente sempre busca escolher um tema que ajude a canalizar a informação e levar uma mensagem forte para os atores da cadeia. O clima e a sustentabilidade, de uma forma transversal, já estiveram presentes nos últimos três, quatro anos, mas neste ano colocamos a palavra no tema principal, pela urgência", disse Caio Alonso Fontes, diretor da Espresso&CO e um dos realizadores da SIC.
Segundo ele, o clima será protagonista em discussões, por exemplo, que envolvam qualidade do café, abastecimento e produtividade. "Ele está presente em todas as questões e é preciso discutir essa urgência e técnicas. O mercado precisa de organizar para atacar essa frente, já que não há muito como arrumar da noite para o dia o clima. Ele está aí e teremos de saber surfar isso." (Com Marcelo Toledo/Folhapress)