“É um avanço histórico para a pecuária nacional. Ao ampliar a transparência, a rastreabilidade e o controle sanitários dos rebanhos, um novo padrão de qualidade e confiabilidade se estabelece, com impactos diretos na competitividade do agronegócio brasileiro no mercado global. A implantação de um código de identificação individual, que acompanhará o animal ao longo de toda sua vida, irá gerar mais segurança ao consumidor e ao produtor rural.”

A opinião de Marcelo Janene El-Kadre, presidente da Sociedade Rural do Paraná, resume o clima de aceitação geral de uma medida imposta pelo governo, uma raridade em qualquer atividade econômica. Após seis meses do lançamento do Plano Nacional de Identificação Individual de Bovinos e Búfalos (PNIB), ainda há poucos sinais de resistência à obrigatoriedade do chamado “RG do Boi”, comportamento que os especialistas atribuem a uma bem articulada negociação de 20 anos, que envolveu todas as entidades importantes do setor.

Na ocasião do lançamento, em Brasília, o ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Carlos Fávaro, usou o argumento que dobrou o setor produtivo, de visão cada vez mais globalizada. “Não estamos colocando um peso nos ombros dos produtores. O que vamos fazer nos próximos sete anos é colocar no sistema aquilo que já fazemos. Vamos mostrar para o mundo tudo que fazemos com as nossas regras e que ninguém ouse desdenhar da qualidade do produto brasileiro”, defendeu.

A bovinocultura mira o “RG do Boi” como o próximo passo de qualificação da atividade, que neste mês ergueu um “troféu” aguardado por mais de 60 anos. Quando a francesa Emmanuelle Soubeyran, diretora-geral da Organização Mundial da Saúde Animal (OMSA), entregou ao ministro o certificado internacional reconhecendo o Brasil como país livre de febre aftosa sem vacinação, o maior exportador mundial de carne bovina se converteu num protagonista ainda mais ambicioso no cenário global.

Quando estiver em plena operação, em 2032, o plano lançado em dezembro pelo governo federal irá gerar um cadastro nacional de bovinos e bubalinos, que seria o maior de indivíduos do País, já que há mais gado que gente no Brasil - em 2025 a estimativa é de 234 milhões de cabeças contra 218 milhões de pessoas. Em vez de nomes, a gigantesca lista será composta por códigos, com informações sobre a origem, o manejo e deslocamentos ao longo da vida do animal, tudo em uma só plataforma, alimentada pelos próprios pecuaristas.

Além do ganho em segurança alimentar dos consumidores que frequentam açougues e restaurantes, a identificação individual como política pública em todo o território nacional é considerada por especialistas como uma medida estratégica para reforçar a credibilidade da produção nacional perante o mundo. A novidade garante a solidez da qualidade sanitária dos rebanhos e permite a abertura de novos mercados para a carne brasileira. A nova ferramenta é também uma adequação às exigências de mercados mais rigorosos.

“Trata-se de uma resposta a um mercado global cada vez mais rigoroso quanto à origem e ao bem-estar dos animais. Países como Japão, Coreia do Sul e China já exigem esse tipo de controle para importar carnes. Portanto, estamos falando de um investimento na competitividade da pecuária brasileira”, explica Rafael Gonçalves Dias, gerente de Saúde Animal da Agência de Defesa Agropecuária do Paraná (Adapar). “A rastreabilidade por lotes não oferece a precisão necessária em casos de doenças de alto risco. Muitas vezes, a movimentação de um único animal pode representar um risco. Sem sua origem exata, o tempo de resposta fica comprometido”, explica, referindo ao modelo atual que é feito por lotes, por meio da Guia de Trânsito Animal, documento obrigatório que acompanha o transporte de animais vivos.

Dias lembra que a nova ferramenta muda a lógica dos protocolos de emergência sanitária. Atualmente, diante da ocorrência de doença grave, o governo federal adota o autoembargo, suspendendo as exportações em todo o território. Com um sistema de rastreabilidade individual e nacional, confiável e bem avaliado, a resposta poderá ser localizada, restringindo o bloqueio das transações de venda apenas à região afetada.

“A grande jogada a nosso favor nesta história é que o boi brincado dá transparência a todas as fases da cadeia produtiva. Isso nos blinda de possíveis artimanhas de outros governos que podem usar a questão sanitária para fechar o mercado para a carne brasileira, que é a mais barata do mundo. A sanidade do nosso rebanho ficará muito bem fundamentada”, avalia o veterinário Luigi Carrer Filho, diretor de Atividade Pecuária e Melhoramento Genético da Sociedade Rural do Paraná, que promete colocar o tema em destaque nos eventos técnicos da próxima edição da ExpoLondrina.

AMARELO NA ORELHA

O sistema brasileiro de rastreabilidade seguirá as normas da Organização Internacional para Padronização (ISO). Cada animal receberá um código único, composto pelo prefixo 076 (código ISO do Brasil) e mais 12 dígitos numéricos.

Os números serão gerados pela Base Central de Dados de Identificação Animal e a identificação será obrigatória antes da primeira movimentação. Sem ela, não será possível emitir a GTA.

Os dispositivos serão amarelos, invioláveis e não reutilizáveis, com uma variedade de formatos que incluem brincos e bottons, com ou sem chip, associados ou avulsos.

OBRIGATORIEDADE SERÁ REALIDADE PLENA EM 2032

A obrigatoriedade de identificação individual será uma realidade plena apenas em 2032. O plano irá avançar em etapas. Até o fim do ano que vem, serão organizadas as bases estaduais e o governo federal vai desenvolver a tecnologia para unificar este banco de dados. Este período também será de adequação legal para que a rastreabilidade seja regulamentada, com portarias, resoluções e as novas leis estaduais.

No triênio 2027/2029, começa a valer a obrigatoriedade da identificação dos bezerros durante as campanhas de vacinação contra a brucelose e a tuberculose animal. A partir de 2030, a imposição legal se estenderá a todo bovino ou bubalino que tenha que ser transportado. Em 2032, enfim, a obrigatoriedade se consuma em qualquer situação, com aplicação das penalidades a quem descumprir as regras.

“Cada vez mais o consumidor e os países que importam a carne brasileira estão mais exigentes. Portanto, eu vejo a identificação individual como uma grande oportunidade de conquistar mercados. A Europa, por exemplo, está restringindo produtos que não estejam dentro de um sistema de rastreabilidade”, afirma Márcia Regina Coalho, graduada em Zootecnia e doutora em produção animal.

PECUÁRIA

No Paraná, a predominância das pequenas propriedades deve facilitar a adaptação às novas exigências. Segundo o Diagnóstico Agropecuário Paranaense, publicado no ano passado pela Secretaria de Estado da Agricultura e do Abastecimento (Seab), o Paraná tem 8,3 milhões de cabeças de bovinos, espalhadas em 155 mil propriedades, com destaque para os municípios do Noroeste. O Sistema Faep destaca que o engajamento ao Programa Pecuária Moderna, implementado em parceria com a Seab, é um trunfo para enfrentar os desafios extras dos próximos dois ciclos da atividade. O programa qualifica os gestores rurais com mentoria voltada ao manejo, ao controle sanitário, às dietas nutricionais específicas, vacinações, medicamentos, registros de nascimento, dados reprodutivos e ao ganho de peso.

“Para esses produtores, a adesão ao sistema nacional de rastreabilidade tende a ser mais tranquila, uma vez que muitas das práticas preconizadas pelo programa já fazem parte da rotina das propriedades. Esse cuidado é essencial para a produção de uma carne de alto padrão, que é justamente o objetivo da Pecuária Moderna”, resume Fábio Mezzadri, do Departamento Técnico e Econômico do Sistema Faep.

CADASTRO DE REBANHO

A Campanha de Atualização de Rebanho será encerrada nesta segunda-feira (30). A atualização - anual, gratuita e obrigatória - é considerada uma ação estratégica de prevenção sanitária da Adapar. Os animais podem ser cadastrados de forma on-line, no site da Adapar, e pelo aplicativo Paraná Agro. Presencialmente, a atualização pode ser feita em um dos 130 escritórios locais que representam a Adapar ou em prefeituras e sindicatos rurais credenciados.

Sem a atualização, não é possível emitir a Guia de Trânsito Animal e movimentar os animais, seja entre propriedades ou para os locais de abate. A irregularidade gera multas. Na última parcial, no dia 23, mais de 70% das propriedades já haviam atualizado o cadastro. Na região de Londrina, o índice ultrapassava 83%, o segundo melhor, atrás apenas da região de Toledo (94%). A região de Curitiba era a mais atrasada na campanha, com pouco mais da metade das propriedades atualizadas.

A campanha não se limita aos bovinos e bubalinos. A atualização deve ser realizada também pelas propriedades dedicadas à equinos, asininos, muares, suínos, ovinos, caprinos, aves, peixes, outros animais aquáticos, colmeias de abelhas e bichos da seda. (Com informações da assessoria do Sistema Faep)

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