Rastreabilidade e certificação são indispensáveis para a soja
Especialista avalia que preços estão voltando ao normal, mas os custos de produção ainda 'assustam' o agricultor
PUBLICAÇÃO
sábado, 14 de setembro de 2024
Especialista avalia que preços estão voltando ao normal, mas os custos de produção ainda 'assustam' o agricultor
Douglas Kuspiosz - Reportagem Local
Londrina recebeu no dia 5 de setembro a 15ª Reunião Anual de Tecnologia para Produção de Soja, evento técnico realizado AEA (Associação de Engenheiros Agrônomos). Foi um momento para discutir, dentro do setor, os rumos da produção do grão, que no ciclo 2023/2024 está estimada em 297,54 milhões de toneladas.
Adriano Custódio, diretor técnico da associação, destaca que o objetivo é a transferência de tecnologia para o produtor rural. É um momento de troca para os profissionais do setor, visando abordar os desafios para incremento de produtividade e renda da propriedade rural - sempre tendo a sustentabilidade ambiental e social como norte.
“O uso de tecnologias é algo cada vez maior para o produtor se manter na atividade. A questão de soja baixo carbono é o que vai nortear agora, inclusive, a exportação dessa commodity e facilitar que o produtor tenha rentabilidade. A gente acredita que no Paraná e no Brasil esse é um diferencial”, aponta.
O engenheiro agrônomo André Dobashi, presidente da Câmara Setorial da Soja no Mapa (Ministério da Agricultura e Pecuária), avalia que um tema ainda sensível no campo é a gestão de custos. A sua participação no evento foi para mostrar a evolução da rentabilidade da cultura nos últimos anos e de sua viabilidade, assim como as políticas públicas que devem ser levadas para a cadeia para que o grão continue prosperando.
“Estamos passando por uma fase de dificuldade climática, e isso é uma dificuldade quase tradicional na cultura da soja. Ela é cíclica, mas é muito presente na vida do agricultor e estamos sofrendo isso. A gestão de custos é imprescindível para que haja viabilidade econômica na cultura, mas não podemos avançar sozinho”, explica o presidente, que reforça o papel das políticas públicas.
Falando de rentabilidade, Dobashi é enfático ao dizer que os preços altos da soja praticados no período da pandemia da Covid-19 foram exceção. Ele cita uma demanda reprimida e a falta de produto no mercado, e um salto em exportações que não são normais - resultando na escalada de preços de várias commodities.
“Estamos entrando nos patamares normais, os custos de produção ainda não se ajustaram, isso assusta um pouco o produtor. Mas, principalmente, acreditamos que ao longo dos próximos anos entre em um equilíbrio, mas esse equilíbrio é substancialmente abaixo do que os preços da pandemia”, continua.
TECNOLOGIA EM PAUTA
Nesse cenário incerto, a presença das tecnologias e das boas práticas dentro da porteira são imprescindíveis para a sustentabilidade - ambiental e econômica - da sojicultura. Para Dobashi, no centro dessa discussão precisa estar a gestão de custos.
“O produtor está acostumado a contrair risco, mas a gestão de risco é o que faz o sucesso do produtor. Se o produtor consegue gerir de maneira apropriada o risco, o próximo passo é, de fato, se debruçar sobre as pautas ambientais e entender que, no contexto atual, a rastreabilidade e a certificação são um caminho sem volta para que o produtor comprove sua sustentabilidade perante a sociedade”, aponta.
Um exemplo disso é o selo Soja Baixo Carbono, que está sendo desenvolvido pela Embrapa Soja e deve entrar no mercado a partir de 2026. Os pesquisadores publicaram, em junho, as diretrizes técnicas para a certificação dessa soja, que deve ser produzida, essencialmente, a partir das boas práticas que já são conhecidas pelo agricultor: Sistema Plantio Direto, boas recomendações de coinoculação, adubação e correção do solo. Entre as práticas complementares está o zoneamento de risco e os manejos integrados de doenças e plantas daninhas. Mas, para Dobashi, existem outros caminhos a serem adotados antes do selo para comprovar - com documentos - a sustentabilidade brasileira.
“O que a gente precisa é ter certificação, rastreabilidade, comprovação da nossa sustentabilidade, para que, posteriormente, possamos, de fato, comprovar a soja de baixo carbono com o selo. Aí, acho que a gente está no caminho correto”, afirma.
MUDANÇAS CLIMÁTICAS
O presidente da Câmara Setorial ressalta que o agricultor brasileiro, apesar de acostumado com mudanças climáticas, precisa se preparar cada vez mais. Enfrentar essas adversidades, explica, passa diretamente pelo uso de tecnologias como a coleta de dados e a irrigação, que ainda é incipiente no país.
“E, para o produtor estar acostumado a essa tecnologia, ele precisa de fato de uma ação em cadeia. Não depende só do produtor, até porque o investimento é alto, não depende só da cadeia, porque o produtor também precisa adotar essa tecnologia, e tampouco depende só do governo, porque também só fornecer o subsídio, o financiamento, não é o bastante para que o produtor contraia a tecnologia. Essa é uma política que precisa ser feita em cadeia”, acrescenta.
E, em meio à necessidade de industrialização, o presidente da Câmara Setorial entende que o primeiro passo é melhorar a armazenagem dos grãos.
“Nós estamos muito deficitários em armazenagem. Precisamos avançar nisso. Mas, a construção da verticalização através da industrialização como, por exemplo, combustíveis do futuro, biocombustíveis, é um passo que não podemos deixar de avançar", finaliza.
Brasil pode expandir área de soja sem impacto ao meio ambiente
O engenheiro agrônomo Lars Schobinger participou da 15ª Reunião Anual de Tecnologia para Produção de Soja, realizada pela AEA (Associação de Engenheiros Agrônomos), no dia 5 de setembro. O especialista, em entrevista à FOLHA, ressalta que o Brasil é um dos poucos países com condição de aumentar a área de produção do grão sem afetar questões ambientais.
De olho no futuro, Schobinger acredita que as perspectivas da commodity, principal produto brasileiro, são positivas, com espaço para crescimento da rentabilidade a médio e longo prazo.
Confira a entrevista:
Como o senhor tem visto o desenvolvimento do mercado da soja no Brasil? Houve mudanças significativas de preços e custos de produção nos últimos anos.
Sabemos que todas as commodities têm um ciclo. Mas, a visão de longo prazo, apesar das flutuações, é positiva. Existe um crescimento populacional no mundo e o enriquecimento da população, o que aumenta o consumo de proteína e que, consequentemente, exige uma produção crescente de soja. O Brasil é um dos poucos países, se não o único, com condições de, no futuro próximo, continuar expandindo a área sem impactar em questões ambientais relevantes.
A soja está intimamente ligada com o desenvolvimento tecnológico. O Paraná, por exemplo, é o berço do Sistema Plantio Direto. Como essas ferramentas podem ajudar a cadeia?
As áreas que seriam necessárias de soja em dez, 15 anos, seriam muito maiores se a gente não tivesse um investimento consistente, importante, sendo feito em várias frentes tecnológicas. Existem frentes que estão cada vez mais sendo desenvolvidas como questões de fisiologia de planta, ciência de solo, que estão se aliando à questão de germoplasma e outras tecnologias que já são consagradas e que fazem com que a gente consiga seguir avançando e crescendo fortemente a produção e a produtividade em uma velocidade muito maior do que a necessidade de abertura de área.
A perspectiva de futuro da soja, então, é positiva?
Eu entendo que sim. Estamos vivendo uma conjuntura difícil, mas quando a gente tem uma visão de longo prazo, a nossa visão segue otimista e entendemos que existe um espaço de crescimento e de rentabilidade a médio e longo prazo.
Qual a sua avaliação do mercado das sementes, que movimentou mais de R$ 30 bilhões na safra 2022/2023?
O mercado de sementes vai passar por um processo de transformação. A gente sabe que as empresas obtentoras e desenvolvedoras de germoplasma têm feito investimentos importantes e seguem fazendo investimentos, retroalimentando o sistema com uma parcela importante do faturamento em pesquisa. Sabemos que o ambiente da multiplicação das sementes ainda é um mercado bastante pulverizado, são em torno de 350 sementeiras no Brasil. E se espera uma consolidação desse mercado para otimizar processos produtivos, para se profissionalizar a produção cada vez mais de sementes e, consequentemente, levar um produto melhor para o agricultor.
Como a pesquisa tecnológica pode auxiliar no combate às mudanças climáticas?
Esse é um dos grandes desafios, vivemos um cenário de mudança climática, principalmente de instabilidade climática, e isso acaba impactando muito as janelas de plantio, de manejo, de colheita, e esse é um ponto de atenção que o melhorista vem trabalhando. Mas, a gente também entende que outras ferramentas, e por isso a preocupação com fisiologia de planta e ciência de solo, que são alguns dos elementos que complementam esse esforço para se não eliminar, pelo menos mitigar parcialmente os riscos ambientais, os riscos climáticos que a gente vem enfrentando.
O senhor acredita que a Soja Baixo Carbono deve nortear a produção do grão nos próximos anos?
Sim, existe um espaço importante de avanço nessa agenda de soja de baixo carbono. O Brasil, apesar de ser muito atacado no cenário internacional, talvez falta um pouco de marketing para nós nesse sentido, sabemos que existem plenas condições de produzir em um ambiente de baixo carbono, e isso deve favorecer muito o Brasil. E o Paraná, com certeza, é um dos estados que mais se beneficia disso.