Produtor é o grande protagonista da soja baixo carbono
Embrapa Soja avança na definição das diretrizes da soja baixo carbono. A certificação deve entrar no mercado em 2026
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domingo, 07 de julho de 2024
Embrapa Soja avança na definição das diretrizes da soja baixo carbono. A certificação deve entrar no mercado em 2026
Douglas Kuspiosz - Reportagem Local
Com boas práticas já estabelecidas há décadas, a tendência é que o agricultor se torne, cada vez mais, um prestador de serviços ambientais, contribuindo para a redução da emissão de carbono e para a conservação do solo. Essa é a leitura do pesquisador Marco Antônio Nogueira, da Embrapa Soja, que faz parte do PSBC (Programa Soja Baixo Carbono), iniciativa que deverá potencializar essa vertente sustentável do agro brasileiro nos próximos anos.
A empresa avançou no desenvolvimento do selo da SBC (Soja Baixo Carbono), que deve ser disponibilizado para o mercado em 2026. Foi publicada recentemente uma primeira aproximação das diretrizes técnicas para essa certificação. O tema foi discutido durante a 39ª RPS (Reunião de Pesquisa da Soja), realizada em Londrina entre 26 e 27 de junho.
Como explica Nogueira, o trabalho com tecnologias sustentáveis, que resultam em menores emissões dos gases do efeito estufa e melhoram a eficiência no campo, ocorre há vários anos na Embrapa Soja, que tem a sustentabilidade como foco desde sua fundação.
REDUÇÃO DAS EMISSÕES DE GASES
“Nós podemos reduzir em até 30% as emissões dos gases utilizando as boas práticas. Mas, não adianta dizermos que estamos utilizando essas boas práticas, os organismos internacionais, os compradores da nossa soja vão querer que o produto passe por um processo de certificação. Não adianta dizermos que estamos produzindo bem, precisamos provar”, afirma o pesquisador.
As diretrizes estabelecidas para a certificação já estão sendo aplicadas em mais de 60 áreas agrícolas em cinco macrorregiões sojícolas do país. A estruturação da SBC tem como princípios a adequação do imóvel rural e do sistema de produção.
Segundo Nogueira, serão utilizadas metodologias mensuráveis, reportáveis e verificáveis para realizar um balanço do sistema produtivo. Dessa forma, a propriedade elegível para receber o selo vai ser comparada com o sistema tradicional.
“Temos duas maneiras de contribuir com menos emissões: deixando de emitir, a partir das boas práticas, e trazendo o carbono para o solo através dos bons sistemas de manejo", diz Nogueira, que cita o SPD (Sistema Plantio Direto) como exemplo.
Inclusive, o pesquisador é enfático ao dizer que o SPD é uma tecnologia obrigatória na produção da SBC. O sistema possui premissas básicas, que não devem ser ignoradas pelo agricultor: o não revolvimento do solo, rotação e diversificação de culturas e cobertura do solo com palha.
Além da aplicação do SPD, uma prática que não pode ser deixada de lado é a fixação biológica do nitrogênio, com inoculação e coinoculação bem feitas. “Essas são técnicas que dispensam o uso de fertilizantes nitrogenados na cultura".
O pesquisador ainda ressalta que a propriedade que quiser aderir ao selo - trata-se de um processo voluntário - precisará estar regularizada, seguindo rigorosamente o que diz a legislação ambiental e trabalhista, por exemplo.
“O grande ator nesse cenário é o próprio produtor, que vai fazer esse serviço ambiental. O produtor, daqui para frente, não vai ser apenas produtor de grãos, de fibras ou proteínas, ele vai ser um prestador de serviços ambientais, botando carbono no solo, conservando solo e com isso conservando a água, melhorando as produções ambientais”, pontua.
ÍNDICE DE BOAS PRÁTICAS
A Embrapa Soja também criou o Iapas (Índice de Adoção de Práticas Agrícolas Sustentáveis), que funcionará para medir as ações complementares às práticas obrigatórias que o produtor precisa adotar. O índice terá valores de zero a dez, sendo que sete é o mínimo para receber o selo de SBC.
Entre as práticas complementares está o Zarc (Zoneamento Agrícola de Risco Climático); MIP (Manejo Integrado de Pragas); MID (Manejo Integrado de Doenças) e MIPD (Manejo Integrado de Plantas Daninhas); práticas conservacionistas de manejo do solo e do sistema, complementares ao SPD; uso de sementes certificadas; integração lavoura-pecuária-floresta; adoção de ferramentas digitais e georreferenciadas para o manejo sítio-específico; e realização de análise físicas e biológicas para monitorar a qualidade do solo.
Entre as vantagens de se ter o selo, Nogueira cita uma produção mais eficiente e com menos custos, possibilidade sistemas de seguro mais baratos e uma remuneração maior ao entregar a SBC.
O intuito da Embrapa Soja não é entrar - pelo menos agora - no mercado de crédito de carbono. As ações serão contabilizadas até a porteira da fazenda. Naturalmente, por ser um produto diferenciado, deverá alcançar mercados relevantes.
“Uma empresa de produção de ração animal na Europa que tem o compromisso de diminuir suas emissões vai precisar de uma matéria-prima com menos emissões para atingir as metas de redução no ponto final”, exemplifica Nogueira.
RESILIÊNCIA É NECESSÁRIA
De acordo com a pesquisadora Roberta Carnevalli, os últimos dois anos foram didáticos em evidenciar os impactos das mudanças climáticas no Brasil. Secas prolongadas, chuvas intensas que causaram erosão e temperaturas acima do normal foram frequentes.
Essas alterações acabam afetando a produção agrícola, que a nível mundial pode cair cerca de 20% nas próximas décadas. É por isso que, além dos benefícios mercadológicos, o uso das boas práticas exigidas pela SBC naturalmente tornarão todo o sistema mais resistente às adversidades climáticas.
Tomando como exemplo o uso da palhada, que é um dos pilares do SPD, Carnevalli explica que essa camada acaba protegendo o solo da perda de água nos momentos de seca e calor intenso. Outro benefício do SPD diz respeito ao desenvolvimento das raízes, que permite que as plantas alcancem nutrientes mais profundos no solo.
“Aquelas plantas que ficam vivendo nos primeiros 15, 20 centímetros do solo, porque você tem um solo compactado, um solo com dificuldade de penetração de raízes, ficam extremamente vulneráveis”, diz a pesquisadora, que pontua que já foram localizadas raízes de soja com mais de dois metros, resultado da ação das plantas de cobertura.
Questionada sobre a adoção do Sistema Plantio Direto no país, Carnevalli avalia que algumas premissas foram “ficando para trás” ao longo do tempo. A estimativa é que 10% dos agricultores brasileiros adotem os três pilares.
“Tem produtores no Brasil inteiro fazendo o SPD como ele deve ser feito, mas a grande maioria ainda faz o plantio direto, só respeita a questão do revolvimento e a cada três, quatro anos passa uma grade, o que não é desejável no sistema”, aponta a pesquisadora, que ressalta que a gradagem tem impactos negativos.
“A quantidade de carbono que se perde em uma gradagem é a mesma quantidade que se consegue fazendo tudo direitinho, sequestrar e acumular no solo, em um ano. Com o SPD, você não vai precisar fazer gradagem porque as raízes das plantas de cobertura vão fazer esse papel no solo”, explica.