Antes mesmo da alvorada iluminar os 7 mil hectares do Assentamento Eli Vive e a vida de 500 famílias que vivem no núcleo localizado no extremo sul do município de Londrina, Rosenilda de Fátima Cesar já está na lida, “conversando” com suas vaquinhas e pronta para fazer o que mais gosta.

Do plantel de 32 cabeças, basicamente das raças holandesa e jersey, nove estão em lactação e a trabalhadora extrai de 15 a 20 litros de leite de cada uma delas todos os dias. Além da ordenha da madrugada, há uma outra no fim de tarde.

A produção é entregue a cada dois dias para o laticínio da Cooperativa de Comercialização e Reforma Agrária União Camponesa (Copran), instalada no assentamento Dorcelina Folador, no município de Arapongas.

A família vive num lote um pouco menor de 10 hectares, ocupado por uma plantação de milho e uma pequena área de pasto.

O sexteto depende completamente da renda da venda do produto e, com alguma prosperidade, faz planos para ampliar a produção e melhorar de vida.

O marido Sebastião e as filhas adolescentes Isabely, as gêmeas Gabriely e Graziely também estão envolvidos com a trabalhosa atividade, enquanto a pequena Rafaely, de 6 anos, ainda vive seus privilégios de xodó da prole.

É uma história de vitórias e sacrifícios que se repete em 399 municípios paranaenses e que constitui a mola propulsora do triunfo da bovinocultura de leite no Estado nos últimos anos, um segmento marcado pelas digitais dos pequenos. Assim como a família de Rosenilda, 86% dos 110 mil produtores que se espalham pelas bacias dos três planaltos do Estado extraem até 250 litros por dia, em propriedades de até 50 hectares. O rebanho destinado a ordenha é de 1,2 milhão de vacas.

De acordo com os últimos dados da medição trimestral do IBGE, o Paraná registrou nos últimos meses de 2024 a maior produção de leite destinada à indústria de toda a série histórica. Entre outubro e dezembro, foram mais de 1,07 bilhão de litros, o segundo trimestre seguido de volume bilionário - entre julho e setembro foram 1,01 bilhão.

No acumulado do ano, o Paraná alcançou a produção de 3,9 bilhões de litros de leite industrializado, crescimento de 7% em relação ao ano anterior, garantindo uma vice-liderança consolidada desde a segunda metade da década passada (Minas Gerais segue na dianteira com 6,3 bilhões de litros).

No primeiro trimestre da década, entre janeiro e março de 2021, a contribuição do Paraná era de 13,5% da produção brasileira e saltou para 15,9% 15 medições depois.

De acordo com um diagnóstico da cadeia leiteira feito pelo Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR-Paraná) feito no ano passado, o avanço é fruto, por um lado, da inserção da tecnologia para o aumento da produtividade com a modernização da adubação, da silagem e das técnicas reprodutivas e, por outro, de investimentos de grandes indústrias, que fomentam logísticas mais eficientes e estabilizam o processo de comercialização. O diagnóstico também apontou que três em cada quatro vacas do rebanho leiteiro paranaense são de raças especializadas, como holandesa, jersey ou cruzas, o que também impacta na produção de um leite de alta qualidade.

O documento identificou que a evolução de uma série de técnicas pelos produtores fez com que a produtividade média por vaca ordenhada tenha aumentado de 10,21 litros por dia, de acordo com o Censo Agropecuário de 2017, para 15,28 litros por dia, segundo o levantamento de 2023.

“O Paraná tem regiões muito organizadas, com alta qualidade e densidade de produção, altos níveis de produtividade e com uma boa logística. Nestes casos, os produtores são disputados pelo mercado. Por isso estamos atraindo tantas indústrias”, declarou o gerente de Cadeias Produtivas do IDR-Paraná, Hernani Alves da Silva, à Agência Estadual de Notícias.

O estudo revelou que entre as 32 mil propriedades que têm a atividade leiteira como principal fonte de renda, 79,4% produzem até 500 litros por dia e 55% manifestaram interesse em ampliar sua produção diária.

É o caso de Rosenilda, que depois de muitos anos de dependência de investimentos com recursos próprios, acessou um financiamento de R$ 50 mil do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar para erguer um barracão de 180 metros quadrados e permitir o confinamento parcial, de dois terços do rebanho. Hoje ela tem apenas a área da ordenha coberta. “Quando o barracão tiver pronto, eu solto elas no pasto nos horários mais frescos do dia e depois no período mais quente eu recolho, o que deve aumentar nossa produtividade, inclusive porque elas se alimentam melhor em área coberta”, explica Rosenilda, que se diz muito satisfeita com a assistência técnica do IDR, que monitora toda a gestão sanitária do plantel. “Já reservamos uma área para ampliar o barracão e abrigar mais animais. Vamos trabalhar para crescer”.

A produção de leite do Eli Vive, projeto de reforma agrária surgido há 16 anos, ainda está em estruturação, com problemas crônicos de escoamento, muitas vezes vencidos pelo esforço dos trabalhadores que levam como podem os tambores até algum ponto transitável, no qual para o caminhão da cooperativa, é o fim de linha.

O gerente administrativa da Copran, Lucas Nogueira Carvalho, também um morador de assentamento, o Dorcelina Folador em Arapongas, explica que a cooperativa tem hoje vários pólos de produção em diferentes regiões do estado e baseia sua atuação na cadeia do leite. A cooperativa tem 12 anos de atuação e industrializa 11 milhões de litros por ano, com um portfólio de 34 itens, com destaque para o leite pasteurizado conhecido como “barriga mole”, vendido em sacos plásticos. “São 326 produtores em todo o Estado. No Eli Vive, a gente capta 12% da produção, mas é uma região que pode crescer muito se tiver investimento em mobilidade, com a melhoria das estradas. A especialização dos produtores também vai ser fundamental neste processo de crescimento, fixando a família neste segmento”, afirma.

Carvalho acredita que o Norte do Estado, hoje coadjuvante no setor, responsável por 8% da produção estadual, tem um mercado aquecido e expansão, com novos investimentos e no interesse pelo confinamento nas pequenas e médias propriedades.

A Copran tem expandido a venda para o Estado e municípios, com a distribuição em escolas da rede pública. Oito núcleos regionais de ensino já recebem os ítens lácteos da cooperativa, incluindo unidades escolares nas principais cidades do Estado. “Já representa 30% das nossas vendas”, revela.

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