Amanhece em uma plantação de soja no Norte do Paraná. Sentimos o orvalho na face, o cheiro de terra, ouvimos o som do vento sacolejar as folhas e 'ouvimos as plantas' se comunicarem diretamente com os agricultores, sinalizando suas necessidades e alertando sobre problemas antes mesmo que os sintomas visuais apareçam em suas fisiologias. Essa visão fantástica é realidade em todo o mundo. Avanços científicos e tecnológicos nos campos, em 2024, nos permitem "ouvir" a linguagem da natureza e traduzi-la em dados compreensíveis para os seres humanos.
Recentemente, os pesquisadores de uma startup de pesquisas em bioengenharia com sede na Califórnia, EUA, a Innerplant, modificaram a genética da soja, do milho e do algodão para transformar a resposta natural destas plantas ao estresse em uma proteína que emite um sinal óptico fluorescente, detectável por sensores em satélites, drones ou tratores, para possibilitar que agricultores ajam rapidamente antes que os danos sejam visíveis em seu crescimento.

Essa fluorescência atua como um sistema de alerta precoce, permitindo aos agricultores identificar problemas como pragas, doenças e deficiências nutricionais antes que causem danos significativos às plantações. "Eventualmente, os agricultores comprarão um saco de sementes e farão com que todas as plantas em seu campo se comuniquem", afirma Shely Aronov, CEO e cofundadora da InnerPlant.
Aronov prevê um futuro em que as sementes serão equipadas com múltiplos sinais fluorescentes, permitindo o monitoramento de diferentes tipos de estresse em cada planta. “Me deparei com um biossensor superintuitivo que foi desenvolvido em uma universidade e pensei: Se pudermos permitir que as plantas apenas nos digam o que precisam, eliminaremos muitas suposições na agricultura. A infraestrutura e as tecnologias necessárias para realmente escalar isso já estão disponíveis. Então parecia a ideia certa na hora certa. As plantas já sabem tudo; se tivermos uma maneira de extrair essa informação, isso seria uma virada de jogo. Então foi assim que tudo começou", afirma.

MAS COMO FUNCIONA NA PRÁTICA?
Os pesquisadores inseriram um gene em plantas que codifica uma proteína fluorescente. Quando a planta é afetada por algum estressor, essa proteína emite luz, que pode ser detectada por sensores em satélites, drones ou tratores. Esses dados são então processados por algoritmos de aprendizado de máquina e traduzidos em informações úteis para os agricultores através da plataforma CropVoice, desenvolvida pela empresa. "O conceito todo é que as plantas já reagem ao seu ambiente. Então, quando as plantas são atacadas, elas ativam genes, que são seu sistema imunológico para se proteger", explica Aronov.

Essas reações começam poucas horas após o estresse inicial e os sinais que a planta comunica são diferentes e individuais para cada estressor. "Se uma planta for atacada por fungos, ela reagirá de forma diferente do que se estivesse com deficiência de nitrogênio. O único problema é que todas essas reações são invisíveis, pois estão nos genes. Então, fazemos uma modificação genética na planta. Você pode pensar nisso como adicionar uma linha de código. Dizemos à planta: 'Quando você está reagindo a uma infecção fúngica, comece a produzir uma nova proteína'. Essa proteína cria um sinal óptico, fazendo com que as plantas fluoresçam em verde", diz a pesquisadora.
A fluorescência não é visível a olho nu, mas é detectada com equipamento óptico: satélites, drones ou equipamentos no campo. Os sinais detectados são analisados por algoritmos de aprendizado de máquina. Todo o conceito surgiu para permitir que os agricultores tratassem as plantas com base em suas necessidades. "Hoje, na agricultura em larga escala, os agricultores seguem um cronograma e aplicam fungicidas ou fertilizantes pesticidas em todos os lugares. Podemos permitir tratar apenas as plantas que precisam de tratamento e deixar as plantas saudáveis em paz. Isso cria um sistema mais otimizado, aumentando os rendimentos e usando apenas os produtos necessários", conta.
A CropVoice foi reconhecida em reportagem de novembro de 2024 como uma das 200 melhores invenções do ano pela revista Times e já está sendo utilizada em campos de testes nos Estados Unidos. A tecnologia deve chegar aos mercados agrícolas do Brasil em 2026-2027.
A LINGUAGEM DA NATUREZA
A sistema de 'comunicação' das plantas, no entanto, não se limita à fluorescência. Elas se comunicam de diversas maneiras, utilizando uma linguagem complexa, sinais químicos, elétricos e até mesmo acústicos; trocam informações vitais para sua sobrevivência, atraem polinizadores, chamam ajuda contra ameaças e compartilham informações para melhor adaptação ao ambiente.
Professor e pesquisador da UEL (Universidade Estadual de Londrina), Halley Caixeta de Oliveira é doutor em Biologia Funcional e Molecular e pós-doutor em Fisiologia Vegetal e coordena o projeto RESTORE (natuRe-basEd SoluTions for imprOving REforestation - Soluções Baseadas na Natureza para Melhorar a Reflorestação, em livre tradução) e do Arranjo Novo de Pesquisa e Inovação em Biodiversidade (NAPI Biodiversidade) do Estado do Paraná. No Laboratório de Ecofisiologia Vegetal da UEL, Oliveira investiga principalmente como as plantas respondem a estresses abióticos e como o desempenho das plantas pode ser melhorado em um cenário de mudanças climáticas e poluição ambiental, utilizando soluções baseadas na natureza (nanobiotecnologia e microrganismos associativos) orientando pesquisadores de agronomia e ciências biológicas.
Oliveira baseou sua carreira em 'ouvir as plantas' e suas necessidades. Para o pesquisador, as plantas têm muitas estratégias para comunicar. "Assim como nós temos hormônios que controlam nosso crescimento e resposta ao ambiente, as plantas também têm. Elas têm troca de informações entre as partes da planta - raiz com a folha, a folha com a raiz - que envolvem moléculas, substâncias químicas e hormônios. Por exemplo, quando falta água, a raiz é a primeira a perceber que o solo está ficando seco e produz um hormônio que vai para a folha, fazendo com que perca menos água”, explica. Esse é um exemplo de como as plantas se comunicam.
O professor alude, ainda, a um outro evento do dia a dia, mais próximo aos humanos: "Ao colocar um mamão maduro perto de um mamão verde, o maduro emite um hormônio que estimula o outro a amadurecer mais rápido. Esse hormônio é um gás transmitido pelo ar, sincronizando o amadurecimento das frutas", comenta. Ambas as situações são formas de uma comunicação química entre as plantas.
“No caso de uma planta ser atacada por um inseto, bactéria ou fungo, ela produz substâncias de defesa, sinais dentro da própria planta e sinais gasosos que vão para a planta vizinha, preparando-a para a defesa. Há casos ainda mais incríveis em que a planta conversa não só entre plantas, mas também com outros seres vivos, como animais. A planta atacada emite sinais químicos voláteis que atraem o predador do inseto ou organismo atacante”, ensina o professor da UEL.
Segundo Oliveira, a polinização também é uma forma de comunicação. A planta atrai o animal que transportará o grão de uma flor para outra, garantindo a dispersão das sementes. “Se todas as sementes caírem perto da planta mãe, haverá competição por água e nutrientes. A planta se comunica através das cores e odores de suas flores e frutos. Quando você vê uma pitanga bonita, em Londrina, pega a fruta e joga a semente mais adiante, você está ajudando a planta a se propagar”, exemplifica.

OS CANAIS DE COMUNICAÇÃO
Um dos principais meios de comunicação entre plantas são os VOCs (Compostos Orgânicos Voláteis), substâncias químicas liberadas no ar que podem transmitir informações sobre estresse, atrair polinizadores ou repelir herbívoros. Plantas também se comunicam através de sinais elétricos, semelhantes aos impulsos nervosos em animais, embora não possuam um sistema nervoso centralizado. Estudos recentes indicam que plantas podem emitir e responder a sons, abrindo um novo campo de pesquisa na comunicação vegetal.
Para "ouvir" essa linguagem complexa, a ciência se une à tecnologia. Pesquisadores da UEL (Universidade Estadual de Londrina) utilizam equipamentos de última geração para medir parâmetros nas plantas que indicam estresse, como a fluorescência da clorofila, a taxa de transpiração e a concentração de moléculas sinalizadoras. "A planta usa o marcador, e quando está estressada, passa a ter o efeito", explica Halley Caixeta de Oliveira. Esses marcadores permitem identificar plantas que estão sofrendo algum tipo de problema e testar diferentes tratamentos para minimizar o estresse.
Outro mecanismo é a comunicação micorrízica, que ocorre através de uma rede subterrânea de fungos conectados às raízes das plantas. Essa rede permite a troca de nutrientes e informações entre plantas, emitindo alertas sobre a presença de pragas ou doenças.
WOOD WIDE WEB - A INTERNET DE MICORRIZAS
Uma simbiose entre fungos do solo e raízes de plantas. "As plantas de milho, por exemplo, podem se conectar a essas redes fúngicas para compartilhar nutrientes e informações. Se uma planta detecta um estresse ambiental, como a seca, ela pode transmitir sinais através dessas redes para alertar outras plantas, que então podem ajustar seu metabolismo para melhor lidar com a falta de água", explica Halley Oliveira.
Como estruturas subterrâneas complexas formadas pela associação simbiótica entre fungos micorrízicos e as raízes das plantas, as redes micorrízicas são chamadas de WWW (Wood Wide Web), uma analogia entre a interação da internet humana. O professor explica que essa rede é fundamental para a sobrevivência de ecossistemas complexos." Essa rede de fungos atua como uma extensão do sistema radicular, fornecendo à planta água, nutrientes minerais e acesso a áreas do solo inacessíveis às suas raízes. Os fungos micorrízicos, compostos por filamentos microscópicos chamados hifas, se estendem no solo, formando uma rede extensa que se conecta às raízes de diversas plantas.

As hifas, muito mais finas que as raízes, exploram o solo de forma mais eficiente, aumentando o alcance da planta e sua capacidade de absorver água e nutrientes. Além disso, as redes micorrízicas atuam como canais de comunicação entre as plantas. Através dessa rede, as plantas podem transmitir sinais de alerta sobre perigos, como ataques de pragas ou estresse hídrico, e até mesmo transferir recursos entre si. A transferência de carbono, nitrogênio, água e outros nutrientes entre plantas conectadas".
Oliveira cita a braquiária como exemplo de planta que utiliza a rede micorrízica para obter vantagem competitiva. Essa gramínea, por ter um crescimento rápido e alta demanda por nutrientes, pode utilizar a rede micorrízica para "roubar" nutrientes de outras plantas, prejudicando seu desenvolvimento da cultura.
SINFONIA VERDE: O SOM DAS PLANTAS
Embora as pesquisas sobre redes micorrízicas demonstrem a complexa comunicação subterrânea entre plantas, um novo campo de estudo emerge, desafiando a percepção sobre a vida vegetal: a comunicação sonora em plantas.
A ecóloga Monica Gagliano, professora associada de Pesquisa em Ecologia Evolutiva na Southern Cross University, na Austrália, onde dirige o Laboratório de Inteligência Biológica, dedica sua carreira a investigar como as plantas coletam informações do ambiente em que vivem. Em seu artigo "Green Symphonies: A Call for Studies on Acoustic Communication in Plants", a pesquisadora argumenta que esses processos ecológicos são fundamentais para a adaptação e sobrevivência das plantas.
Gagliano explora aspectos como comportamento, comunicação, aprendizado, memória e consciência das plantas. Um dos estudos mais conhecidos de Gagliano, realizado em 2014, investigou o aprendizado e a memória na planta Mimosa pudica. Ela demonstrou que essas plantas podem habituar-se a estímulos repetidos, como quedas, e parar de fechar suas folhas após várias exposições ao mesmo estímulo. Em outro estudo, ela mostrou que a ervilha-de-cheiro (Pisum sativum) pode aprender por associação, similar ao condicionamento clássico observado em animais.

Além disso, Gagliano tem explorado a bioacústica das plantas, mostrando que plantas de milho emitem sons e que as raízes das plantas podem detectar fontes de água através de sinais sonoros. Sua abordagem interdisciplinar e inovadora desafia as fronteiras convencionais da ciência, propondo que plantas, assim como animais, possuem formas de cognição e aprendizado.
Essas descobertas têm implicações profundas para a nossa compreensão da ecologia e da inteligência das plantas, sugerindo que elas são capazes de processos complexos de percepção e adaptação ao ambiente.
No entanto, é importante ressaltar que a comunicação sonora em plantas ainda é um campo em desenvolvimento e os estudos são inconclusivos. Pesquisas indicam que as plantas podem emitir sons em diferentes frequências, principalmente ultrassons, inaudíveis para o ouvido humano, que podem ser gerados por processos fisiológicos, como o movimento da água dentro da planta (cavitação) ou a liberação de gases. Além disso, as plantas também podem ser capazes de perceber e responder a sons, com objetivos como atração de polinizadores e alertas para defesas de estresses bióticos e abióticos as principais causas de estresse também para o produtor.
Planta estressada, agricultura prejudicada
Os estresses, sejam bióticos ou abióticos, são as principais causas para uma baixa produtividade e podem causar perdas de mais de 50% no potencial produtivo das culturas em todos os seus ciclos explica o especialista em fisiologia vegetal e engenheiro agrônomo Flávio Matarazzo, que atua no desenvolvimento de biosoluções para as lavouras na subsidiária da multinacional francesa De Sangosse em Ibiporã (Região Metropolitana de Londrina). “Quando falamos em estresse, estamos falando num termo genérico para conceituar ou definir fenômenos que atrapalham, interferem negativamente no desenvolvimento pleno e na qualidade da produção agrícola. Então, o estresse é tudo aquilo que não é bom para a planta, que acontece inevitavelmente ao longo do caminho e é imprevisível.”
No ciclo de vida da planta ela utiliza de seus nutrientes e energia para crescer, florescer e gerar frutos e reproduzir, nesse ciclo, os estresses interferem negativamente na produtividade ao induzir a planta a gastar energia comunicando ameaças, combatendo o estresse, se curando ou buscando suprimentos de água e nutrientes em outros locais. “ A planta tem o seu metabolismo primário, que é previsível: ela germina, respira, faz fotossíntese, acumula carboidratos, produz grãos, enche os grãos, e isso é o normal da vida. A falta de chuva, excesso de calor e a luminosidade inadequada são anormais para a planta. Então, a planta tem que se defender de alguma maneira”, explica Matarazzo.
BIÓTICOS E ABIÓTICOS
O especialista explica que os estresses se dividem em dois tipos por sua natureza. Os estresses bióticos são condições adversas causadas por organismos vivos. Por exemplo, doenças causadas por bactérias, fungos, vírus e outros agentes vivos, como plantas daninhas. “De certa maneira, poderia incluir até o homem nesse sentido, que pode interferir negativamente de acordo com o manejo ou situações que possa impor à planta. Então, biótica é muito simples. Todo estresse causado por um agente vivo”, resume.
Diferente dos bióticos, os abióticos são mais imprevisíveis, são causados pelo entorno, no ambiente onde a planta está inserida. Estão relacionados ao ambiente de produção, como o tipo e a fertilidade do solo, a disponibilidade de nutrientes; fatores climáticos, como temperatura - tanto alta como baixa, disponibilidade hídrica, ou seja, excesso ou falta de chuvas. Um dia nublado não terá a mesma incidência luminosa para a planta e pode ser um fator de estresse. “Todas as plantas que conhecemos, soja, milho, têm um potencial genético de produzir 23 vezes mais do que efetivamente, na média, é obtido. Como acontecem essas perdas? Nesses estresses, principalmente nos abióticos. E dentre estes, os fatores climáticos são os que respondem por pelo menos metade dessas perdas”.

CAMPO SAUDÁVEL
Antes de apurar a ‘audição’ para os sinais enviados pelas plantas em estresse, o especialista aconselha a preparar um campo saudável e usar a tecnologia a favor da planta e prepará-las para os estresses, principalmente relacionados ao clima (abióticos). Dentre as ações, o manejo agronômico, como a definição da época de plantio e a construção da fertilidade, junto com o uso de ferramentas adicionais, como bioestimulantes e biofertilizantes que ajudam a planta a se defender e manter suas atividades fotossintéticas.
No mercado já existem produtos de origem natural, sintética e microbiana que podem interferir positivamente no balanço hormonal das plantas e na desintoxicação de radicais livres, como hormônios sintéticos, aminoácidos, extratos de algas e microalgas, que ajudam a equilibrar a planta e a reduzir os efeitos negativos dos estresses quando forem verificados.
“Esses suplementos proporcionam benefícios como maior crescimento, maior absorção de água e nutrientes, e maior tolerância a estresses ambientais, resultando em aumento de produtividade”. Para o especialista, com os desafios climáticos da atualidade a interação entre produtos biológicos e o manejo agronômico será fundamental para enfrentar a baixa produtividade agrícola.
A solução está no uso da agricultura de precisão, ferramentas de análise de dados e a utilização destas de forma integrada e com acompanhamento técnico adequado, considerando as particularidades de cada região e sistema de produção. “O futuro da agricultura aponta para uma maior integração entre as diferentes tecnologias e soluções, com destaque para os bioprodutos de origem microbiana, que prometem revolucionar o manejo das culturas, tornando-as mais resilientes aos desafios climáticos e garantindo a segurança alimentar global. O acesso à informação e a constante atualização por parte dos agricultores são essenciais para a adoção dessas tecnologias, garantindo a viabilidade econômica da atividade e a produção de alimentos de qualidade”.
(A planta) germina, respira, faz fotossíntese, acumula carboidratos, produz grãos, enche os grãos, e esse é o normal da vida(...)”
Flávio Matarazzo - De Sangosse
APLICAÇÃO OTIMIZADA PARA DIFERENTES NECESSIDADES
O modo de plantio e aplicação de fungicidas são diferentes nos EUA e no Brasil. A página oficial do Serviço de Pesquisa Econômica - Departamento de Agricultura dos EUA (USDA ERS) [https://www.ers.usda.gov/topics/farm-practices-management/crop-livestock-practices/pest-management.aspx] relata que os fazendeiros nos EUA empregam uma série de estratégias de controle de pragas para controlar ervas daninhas, insetos, fungos, vírus e bactérias. Eles cultivam solos, rotacionam as plantações, exploram seus campos e consideram fatores como densidade de plantas e datas de plantio. Aplicam pesticidas orgânicos e sintéticos de forma preventiva ou curativa.
Herbicidas são amplamente usados para controle de ervas daninhas. Esses pesticidas podem ser aplicados antes do plantio, para eliminar ervas daninhas de um campo ou evitar que novas ervas daninhas germinem. Herbicidas também podem ser aplicados após a emergência das ervas daninhas, visando aquelas que estão bem estabelecidas e crescendo ativamente. Inseticidas são usados para controlar infestações de insetos. Alguns inseticidas são incorporados ao solo para tratar larvas, vermes e outras pragas que vivem no solo, enquanto outros são aplicados diretamente na folhagem da planta para tratar traças, pulgões e outras pragas acima do solo. A maioria das aplicações foliares precisa ser cronometrada corretamente, caso contrário, não são eficazes.
Consequentemente, muitos fazendeiros exploram seus campos em tempos determinados para averiguar se/quando os insetos estão presentes. Fungicidas são usados para controlar organismos patogênicos (causadores de doenças). Embora sejam aplicados durante a estação de crescimento para aumentar a produtividade das colheitas, eles também são aplicados para evitar que produtos armazenados estraguem.
"A maioria dos fazendeiros dos EUA não aplica fungicidas e, quando o fazem, aplicam em uma certa época da temporada em todos os lugares", explica Shely Aronov. "Queremos que eles recebam um alerta: ‘Talvez não seja a hora que você costuma ir ao campo, mas há uma infecção fúngica em sua área e suas plantações estão agora em risco’. Então há diferentes opções do que eles podem fazer. Eles podem explorar os campos, falar com seu agrônomo ou representante de vendas, mas a ideia é permitir que tenham melhores informações, não apenas seguir o cronograma habitual, mas entender o que está acontecendo em seus campos e tomar decisões informadas sobre o que precisa ser feito. Uma aplicação mais cedo ou, se não receberem alerta, adiar a aplicação, seguros de que as plantas estão saudáveis. Onde não há pressão fúngica, não fazer a aplicação, e onde há, fazer pontualmente apenas na planta doente."

No Brasil, por conta de outras ameaças e diferenças climáticas, as soluções e práticas se diferenciam dos vizinhos norte-americanos. A ferrugem asiática, por exemplo, uma doença que afeta a cultura da soja e é causada pelo fungo Phakopsora pachyrhizi, é uma das doenças mais graves na sojicultura brasileira. Foi identificada pela primeira vez no Paraná em 2001, pode causar perdas de até 90% do rendimento de grãos, se espalha muito rapidamente e exige do agricultor uma resposta rápida. "O Brasil é diferente. Há muita pressão fúngica. Os fazendeiros precisam aplicar fungicida três ou quatro vezes por temporada. Se tiverem essas informações antecipadas, gera muitas oportunidades de respostas. Qual é o momento certo para a primeira aplicação? Qual é o momento certo durante toda a temporada? Porque se você aplica e depois pode aplicar por um tempo, há um custo muito importante de otimização. Mesmo se for aplicar em todo o campo. E há o elemento de resistência. Se estamos apenas aplicando fungicidas em culturas saudáveis, isso acaba por torná-los menos valiosos, uma vez que o agricultor precisa de mais produto e muito mais vezes. No cerne de tudo isso, ‘ouvir as plantas' pode otimizar todo o manejo de estresses com base nas necessidades da cultura."
FUTURO INTEGRADO AO CICLO PRODUTIVO
“Desde o início, nosso objetivo não era apenas criar uma boa tecnologia para os agricultores, mas desenvolver algo que fosse muito fácil de adotar. Para isso, tudo precisa ser totalmente integrado. Não basta apenas desenvolver a tecnologia; é necessário pensar em como ela será utilizada no campo. Se a maneira mais fácil para um fazendeiro é ter essa tecnologia em suas sementes, então devemos trabalhar com empresas de sementes para incorporar nossa tecnologia nelas. Se os agricultores já estão usando pulverizadores, precisamos tornar esses pulverizadores mais precisos. Se eles já compram fungicidas, devemos colaborar com as empresas de fungicidas para melhorar a formulação e a prescrição dos produtos para aplicações antecipadas”, conta Shely Aronov.
Para a especialista, a jornada é desafiadora porque precisa de um ecossistema totalmente integrado - como cita Flávio Matarazzo - e fácil de usar para os agricultores. O que significa a colaboração entre grandes empresas e o trabalho em direção a uma visão compartilhada. “Nos próximos 10 anos, esperamos prever qualquer cenário de estresse nas plantações e usar diferentes comprimentos de onda fluorescentes para diversos sinais. Esses sinais fornecerão aos agricultores as informações necessárias para otimizar suas operações em todos os momentos do cultivo e com todos seus parceiros de operações.
NÃO SÓ 'OUVIR' MAS 'ESCUTAR'
Entende-se a diferença entre "ouvir" e "escutar" principalmente na intenção e na atenção que se dá ao som. Um estudo da Universidade de Basel, na Suíça explora afundo os dois conceitos identificando que ouvir seria um o ato físico de perceber sons através do sentido da audição. Não requer esforço consciente. Enquanto que escutar envolveria prestar atenção ao que está sendo ouvido. É um ato intencional e consciente.
Apliquemos essa referência para a analogia que tem-se usado no novo patamar de relação do homem com a planta, do agricultor com a plantação. Como explica Shely Aronov, é importante saber o que fazer com as informações que obtém-se na luz das novas tecnologias que nos permite 'escutar' as plantas. Não basta apenas saber-se que elas estão enviando sinais, é preciso o conhecimento de como utilizar essa informação na própria cultura.
Nesse cenário a agricultura de precisão, o acompanhamento técnico e a tecnologia têm se mostrado fundamental nesse processo, permitindo a coleta e análise de dados para a tomada de decisões mais assertivas, otimizando o uso de insumos e recursos, e garantindo a sustentabilidade da produção.
Tecnologia como Extensão do Agricultor
No livro “Os Meios de Comunicação como Extensões do Homem” (título original: Understanding Media: The Extensions of Man), publicado em 1964, Marshall McLuhan fala sobre as tecnologias de comunicação - em ampla evolução na época - se tornam extensões do corpo e da mente humana. Sessenta anos depois, testemunhamos como a tecnologia no campo ampliar a extensão dos sentidos dos agricultores.
Sensores, drones e sistemas de monitoramento remoto atuam como “extensões” dos agricultores, coletam dados em tempo real sobre o solo, o clima e a saúde das plantas, permitindo que eles “ouçam” e “vejam” o que está acontecendo em suas plantações com uma precisão nunca antes possível. Como por exemplo, que podem alertar os agricultores sobre a necessidade de irrigação, enquanto drones equipados com câmeras multiespectrais identificam áreas de estresse hídrico ou ataque de pragas. Outro exemplo recente, o uso do melhoramento genético com proteína fluorescente e seu monitoramento por robôs para mitigar estresses em tempo recorde e melhorar a produtividade (página 17).
Perante a essa realidade tão futurista quanto a de McLuhan, em 64, o Brasil está na linha de frente em pesquisa e desenvolvimento de tecnologias inovadoras.
Na Embrapa Agricultura Digital, o pesquisador Thiago Santos, especialista em robótica e visão computacional liderou, recentemente, o projeto ACRE, financiado pela FAPESP e realizado entre 2019 e 2021, que utilizou câmeras RGB para a detecção de frutos em vinhedos e a reconstrução 3D de partes da plantação. O projeto visava desenvolver um sistema automatizado para a contagem de frutos, a estimativa de produção e a identificação de áreas com problemas na plantação.
Atualmente, o projeto ACRE trabalha com o objetivo de aprimorar o sistema para a detecção de frutos em tempo real com computadores embarcados em máquinas agrícolas.
Essa tecnologia, quando em campo, permitirá aos agricultores monitorar a produção e tomar decisões precisas sobre o manejo da plantação. “Se você tem um computador capaz de localizar o fruto na planta e saber onde ele está tridimensionalmente, então você pode atuar diretamente sobre ele e pensar em máquinas que realizem essa tarefa”, conta Santos.
ROBÔS DE PODAS
No futuro, essas máquinas serão capazes de realizar podas, colheitas e outros tipos de intervenções, como se tivessem uma capacidade de compreensão espacial. Alguns pesquisadores chamam esse tipo de tecnologia de ‘inteligência espacial’. São máquinas que entendem o que está ao seu redor e conseguem operar de modo seguro, sem colidir com obstáculos, ao mesmo tempo que identificam os objetos nos quais precisam atuar. No caso das plantações, são plantas, frutos, postes de sustentação, estruturas de treliça e outras coisas nas quais as máquinas podem operar. “No curto prazo, essas tecnologias serão usadas para monitoramento e estimação de safra. No longo prazo, a automação de processos com máquinas capazes de enxergar o ambiente será uma realidade”, prevê Santos.
Com a robótica esse cenário está a menos de uma década de distancia. “Um belo dia a gente acorda, em 2034, olha pra lavoura e vai ter um monte de robozinho atuando”, alude Santos.

Drones autônomos já são utilizados para o monitoramento de plantações, a aplicação de defensivos agrícolas e a coleta de imagens. Robôs terrestres estão sendo desenvolvidos para percorrer as plantações, coletar dados sobre as plantas e o solo, e realizar tarefas como a colheita.
As pesquisas orquestradas pelas equipes da unidade da Embrapa Agricultura Digital avançam ainda mais na distopia com o uso de diferentes tipos de imageamento, como multiespectral, hiperspectral, térmico e fotônico, para detectar doenças em plantas antes mesmo dos sintomas sejam visíveis. “As câmeras convencionais captam apenas o espectro visível da luz, enquanto as câmeras multiespectrais e hiperspectrais captam diferentes faixas do espectro eletromagnético, incluindo o infravermelho. Essas tecnologias permitem identificar alterações fisiológicas nas plantas que indicam a presença de doenças, mesmo em estágios iniciais. A detecção precoce permite aos agricultores intervir rapidamente, utilizando métodos de controle que reduz as perdas na produção”.
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
A inteligência artificial (IA) entra em campo como uma ferramenta poderosa para a análise de dados complexos na agricultura. Santos conta que a Embrapa está utilizando a IA para analisar imagens de plantas, dados climáticos, informações sobre o solo e outros parâmetros relevantes para a produção agrícola. Para o pesquisador, no entanto, é preciso treinar os modelos de IA com dados específicos da realidade brasileira, para garantir a precisão da análise.

“Modelos de IA generalistas, treinados com dados de outras realidades, podem apresentar resultados imprecisos quando aplicados ao contexto brasileiro, a agricultura brasileira possui características únicas, como as condições climáticas, os tipos de solo, as culturas e as práticas agrícolas, que a diferenciam de outras regiões do mundo. Para que a IA seja eficaz na agricultura brasileira, é fundamental que os modelos sejam treinados com dados coletados em campo, representativos dessa diversidade. Um modelo de IA treinado com dados de plantações europeias, onde a incidência de luz solar, o manejo e as cultivares são diferentes, se utilizada na detecção de doenças em maçãs, provavelmente terá um desempenho inferior quando aplicado em plantações brasileiras, localizadas em regiões como Vacaria (RS) ou Santa Catarina”.
A tecnologia fornece informações valiosas, mas a decisão final sobre o manejo da plantação cabe ao homem no campo.
No entanto é possível utilizar a técnica de “transferência de aprendizado”, que permite adaptar modelos de IA pré-treinados a novos conjuntos de dados. Mas, essa técnica não substitui a necessidade de dados locais, pois as diferenças na distribuição estatística dos dados podem comprometer a precisão do modelo.
Aqui entra a experiência homem do campo e denota o papel crucial do agricultor para o sucesso da implementação e utilização dessas tecnologias. O coordenador de nutrição da Belagrícola, empresa de insumos agrícolas e transferências de tecnologias ao campo com sede em Londrina, Alexandre Yamamoto, enfatiza que o agricultor é o protagonista da história. Ele destaca a necessidade do agricultor se manter atualizado sobre as novas tecnologias e entender os benefícios que elas podem trazer para sua produção. As empresas investem em tecnologias para auxiliar o agricultor, mas é ele quem está no campo, tomando decisões e lidando com as particularidades de cada safra. “A tecnologia fornece informações valiosas, mas a decisão final sobre o manejo da plantação cabe ao homem no campo.