A pandemia afetou a cadeia de distribuição do algodão e já vem prejudicando quem depende do produto agrícola para realizar seus negócios. O reflexo disso é o desabastecimento e o consequente aumento do preço da matéria-prima, o que significa preços mais altos ao consumidor final.

“Estamos em um período de religamento das atividades econômicas e, com isso, sempre há um descompasso que afeta todas as relações entre os elos que compõem a cadeia produtiva de distribuição”, explica Fernando Pimentel, presidente da Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil).

Segundo ele, o panorama atual é resultado dos três meses em que a indústria têxtil ficou parada. “Vamos levar de 90 a 120 dias para recompor todas as atividades da cadeia produtiva, desde a matéria-prima até o varejo e o consumidor final. Somente nos próximos meses é que haverá um novo ponto de equilíbrio”, projetou.

A empreendedora Rafaela El Terras relata as dificuldades em achar camisetas de algodão no mercado
A empreendedora Rafaela El Terras relata as dificuldades em achar camisetas de algodão no mercado | Foto: Roberto Custódio

A empreendedora Rafaela Caminha El Terras começou a ter dificuldades em comprar camisetas de algodão há pouco mais de dois meses. Ela, que faz estampas personalizadas pintadas à mão, viu a realidade mudar a partir do início de julho. “Sempre tinha estoque de todos os tamanhos. Agora, peço mais prazo para os clientes”, declarou.

Antes, Rafaela relembra que os fornecedores de camisetas de algodão entravam em contato frequentemente para oferecer os produtos. “Hoje, eu ligo e eles respondem que vão ver o que conseguem”, comparou.

Segundo ela, a escassez de algodão no mercado já fez o preço de cada camiseta aumentar em torno de 20% nos últimos três meses, reajuste nunca antes visto desde que começou a empreender, há quase quatro anos. “E quando você acha, o preço está exorbitante”, afirmou.

Rafaela começou a estampar camisetas em fevereiro de 2017, uma semana após ser demitida de um antigo emprego. O trabalho 100% artesanal ganhou gosto do público – somente a página no Instagram (out_berry) conta hoje com quase 9 mil seguidores.

Expansão

O presidente da Acopar (Associação dos Cotonicultores Paranaenses), Almir Montecelli, destaca que a falta de algodão no mercado não está relacionada à produção agrícola, recorde na safra recente. “É uma questão comercial, não de abastecimento.”

Imagem ilustrativa da imagem Pandemia afeta cadeia produtiva do algodão
| Foto: IStock

Na safra atual, encerrada em junho, os 32 produtores da Acopar plantaram 1.112 hectares. Ainda é pouco, mas a safra 2019/2020 já supera muito a área plantada em 2014/1015, apenas 25 hectares.

A expectativa é que, em oito anos, a área plantada alcance 20 mil hectares. “Se chegarmos a esse patamar, conseguiremos atender 50% da demanda das fiações do Estado. Ou seja, existe aí um grande potencial de crescimento.”

O desafio agora é acelerar a retomada da produção, visto que o algodão já teve grande importância na economia do Estado. Há 20 anos, o Paraná respondia por 50% da produção nacional, mas questões climáticas, comerciais e de pragas no campo, como o bicudo, fizeram a cultura decair.

“Hoje temos uma colheita totalmente mecanizada e buscamos variedades adaptadas para o nosso solo e para o nosso clima. Temos menos problemas com o bicudo. Por outro lado, temos problemas com o percevejo, que o restante do país não tem”, afirmou.

Como o solo paranaense apresenta boa fertilidade, Montecelli explica que os produtores de algodão daqui utilizam menos fertilizantes na comparação com outros Estados. “Nas outras regiões, mais quentes e mais úmidas, chegam a fazer de 8 a 10 aplicações. Aqui não precisamos fazer nenhuma aplicação de fungicidas.”

O IDR (Instituto de Desenvolvimento Rural) Paraná calcula que o custo de produção do algodão no Paraná é de pouco mais da metade do custo das lavouras do cerrado brasileiro, o que favorece a obtenção de boa rentabilidade no Estado.

Lucratividade

A lucratividade é um quesito que vem atraindo novos produtores de algodão e a expansão das áreas já existentes. “O investimento por alqueire chega a R$ 10 mil. Se o produtor colher 500 arrobas nessa área, obterá R$ 10 mil de lucro. A média de produção no Brasil está acima de 700 arrobas. Se colher 800 arrobas, o lucro por alqueire chega a R$ 35 mil”, afirmou.

Beneficiamento

Ruy Seiji Yamaoka, pesquisador do IDR Paraná, destaca que o Estado do Paraná não beneficia o algodão em caroço que produz.

“Todo algodão produzido no Estado tem sido transportado para o Estado de São Paulo, notadamente para o município de Martinópolis, onde é descaroçado algodão em caroço e as plumas comercializadas por lá.”

Segundo ele, o reflexo disso é o aumento do custo de transporte para o produtor e também o custo de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), que deve ser recolhido quando passa para outro Estado.

“Custo que poderia estar isento se o algodão fosse descaroçado no próprio Estado”, diz. Produtores cogitam montar uma unidade de processamento no Paraná nos próximos anos.

Yamaoka acrescenta que o parque têxtil paranaense demandaria a produção de mais de 50 mil hectares de algodão, fibra que vem sendo importada de outros Estados produtores, principalmente da região do cerrado.

O Brasil é o segundo maior exportador mundial de algodão e o quarto maior produtor. O consumo chega a 750 mil toneladas por ano no País e a produção recorde alcançou 2,9 milhões de toneladas neste ano.

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