O sol brilha para todos. A luz dissipa as trevas. A sabedoria traga a ignorância e Deus não se esconde de ninguém. Assim, queridos leitores, poderíamos abordar o verdadeiro espírito natalino. Aquele que o mundo não sequestra. Nem quando se disfarça de laudo banquete regado a humilhações, ou de um velhinho simpático ou até da exacerbação das desigualdades que nos humilham o ano todo. O Natal sobrevive!

Imagem ilustrativa da imagem O Natal está bem obrigado
| Foto: Marco Jacobsen

Sobrevive nas manjedouras de hoje, mesmo que tenham fugido dos estábulos e se travestido de produtos sofisticados nas glamorosas ruas iluminadas pelo mundo afora. Também elas, apesar do verniz capitalista hodierno, conservam as rachaduras do improviso e da pressa, do rústico e do bucólico, onde nascem sonhos, embalados pela esperança que nada ou ninguém podem roubar.

Sobrevive na boca desdentada dos idosos miserados, que mendigaram anos a fio uma vergonhosa aposentadoria, enquanto viam orçamentos secretos percorrer os túneis fétidos dos amigos do rei, rumo a projetos duvidosos espalhados por esse país afora.

Sobrevive nas passadas inglórias de pais de família, que diuturnamente percorrem quilómetros, buscando o emprego que o país sem direção, lhes surrupiou.

Sobrevive no rosto cansado de jovens, que buscam sentar à mesa do banquete da sociedade, enfrentando um funil cada vez mais apertado, sendo empurrados para a informalidade e em não poucos casos, para a sarjeta da vida.

Sobrevive no rostinho das crianças que reflete uma infância roubada, sem escola e sem carinho familiar, ou então sufocadas com um tsunami de brinquedos compensatórios.

Sobrevive nas mulheres violentadas e agredidas diariamente neste mundo misógino e que não encontram a justiça a que têm direito.

Sobrevive num mundo que se diz livre, mas prendeu 448 jornalistas e matou 46 em 2021

Sobrevive, pasmem queridos leitores, quando as religiões procuram enclausurá-lo e o trocam por uma verborreia alienante e uma caridade esporádica humilhante!

Sim! O Natal sobrevive! O Menino de Belém sobreviveu a Herodes, à escaldante areia do deserto a caminho do Egito como refugiado, e aos pregos da cruz! O Natal sempre sobrevive! Mesmo quando o procuramos reduzir a um mero programa de aquecimento da economia no fim do ano! Porém, a sobrevivência do espírito natalino não está na capacidade de Deus se esquivar às contingências humanas. Bem pelo contrário! Ele vive, como Espírito do que somos, como homens: carregados de sonhos, abominando a mediocridade do materialismo sufocante, abertos ao futuro e à metanoia, que nos torna a cada dia mais natalinos! Enquanto percorrermos esta senda, rumo ao mais ser e menos ter, a mais paz e menos guerra, a mais solidariedade e menos egoísmo, o Natal viverá.

Das palhinhas de Belém no tempo de César Augusto, para os corações do homem pós-moderno do século XXI, a crença é a mesma! Não me refiro, é óbvio, à fé que levou os magos e os pastores àquela gruta! O que é atemporal neste mistério que se revestiu de historicidade, é a crença de Deus no ser humano! O Natal com toda a sua magia, nunca poderá esconder o verdadeiro tesouro: Um Deus que se fez homem para que os homens se tornassem... filhos de Deus (Jo1,12-13)! Deus que confiou ao homem a continuidade do seu projeto libertador, é algo estonteante para uma humanidade, onde a confiança não parece ser sua melhor caraterística. Por este fato, o Natal permanece, mais do que um acontecimento histórico! É uma interpelação contínua ao próprio homem! Nisso, está mais vivo do que nunca!

Feliz Natal!

Padre Manuel Joaquim R. dos Santos, Arquidiocese de Londrina