As inovações tecnológicas no Agronegócio levam a mudanças significativas na oferta de produtos alimentícios, o que provoca divergências entre a comunidade científica e grupos de defesa do consumidor, transformando a questão da regulamentação no mercado de alimentos em um tema polêmico, onde a perspectiva de consenso algumas vezes se torna difícil.

Essa situação leva a que as agencias reguladoras (CTNBio, Ministérios da Saúde e da Agricultura, ANVISA, IBAMA, etc) e mesmo outros níveis do poder público (Estados, Municípios, Ministério Público, Judiciário, etc) tomem decisões polêmicas e algumas vezes até mesmo contraditórias. Observando esse panorama controverso, surge a tentação de, na impossibilidade de realmente resolver o “imbróglio”, ao menos tentar entendê-lo.

Uma explicação interessante é dada pelo Dr. Stephen Sundlof, da FDA – Food and Drug Administration, a agência reguladora de alimentos e remédios nos Estados Unidos. Ele publicou, há mais de 20 anos, um artigo na revista eletrônica de biotecnologia (AgBioForum, 3(2&3), 137-140, http://www.agbioforum.org) onde aborda o papel da Ciência na regulamentação e na tomada de decisões (The Role of Science in Regulation and Decision Making).

Em primeiro lugar, o autor coloca a profunda diferença entre o processo regulatório europeu em relação ao americano, afirmando que, enquanto este se vale essencialmente da Ciência (sound science), na Europa os valores da Sociedade também são levados em conta. Esse ponto, com certeza, explica boa parte da diferença nos procedimentos e decisões regulatórias entre os dois, embora outros fatores também contribuam para a frequente divergência entre os Estados Unidos e a Europa nessa questão.

Mas, além de constatar essa diferença fundamental do processo regulatório, Sundlof também comenta o fato de que a chamada “verdade científica” é algo buscado pelos pesquisadores, mas nunca alcançado, ou seja, parodiando um poeta, ela é como a felicidade que “...existe sim, mas nós não a encontramos, pois está sempre, apenas onde a pomos, mas nunca a pomos onde nós estamos...”.

Como bom especialista que é, Sundlof busca explicar a situação com um gráfico, onde se cruzam os Valores da Sociedade e a Certeza Científica (esta, sempre incerta). Quando se procura regulamentar ou tomar decisões sobre temas em que a Sociedade tem Valores favoráveis bastante estabelecidos e a Ciência tem um alto nível de certeza, ocorre uma “zona de consenso” em que as discussões são mínimas e a tarefa regulatória é fácil. Por outro lado, em assuntos em que a Sociedade não tem Valores muito bem definidos e a própria Ciência também convive com um alto nível de incerteza, cria-se um espaço considerado pelo autor como ambiente de caos.

Nas situações, no entanto, em que a “certeza” científica se contrapõe a uma percepção contrária da Sociedade em termos de seus Valores (ou, vice-versa, quando a tecnologia é aceita pela Sociedade a despeito do alto nível de “incerteza” científica) cria-se um espaço denominado pelo autor de “Zona de Complexidade”, onde a regulamentação e a tomada de decisões tornam-se muito difícil.

É nessa “Zona de Complexidade” que se situa, por exemplo, a questão dos alimentos transgênicos. A Sociedade, em alguns países, não introduziu em seu conjunto de valores positivos o consumo de alimentos transgênicos, já que enxerga nos mesmos mais riscos do que benefícios, mesmo que haja um razoável conjunto de evidências científicas favoráveis. Há, ao mesmo tempo, exemplos de uso de biotecnologia relativamente bem aceitos pela Sociedade, embora seu nível de “certeza” científica seja baixo, como ocorre com a terapia gênica. Neste caso, o valor maior da perspectiva de salvação de uma vida faz com que se aceite uma tecnologia que tem apresentado, até o momento, resultados bastante precários.

A lição que se depreende dessa análise é que, quando a discussão se situa nessa “Zona de Complexidade”, a simples apresentação de resultados científicos não leva a um nível de consenso para a tomada de decisões, ficando a solução dos conflitos condicionada a uma mudança no contexto de Valores da Sociedade, mudança essa altamente dependente da percepção das pessoas em relação a ganhos individuais e/ou sociais proporcionados pela tecnologia.

Paulo Sendin - Engenheiro Agrônomo e Membro da Governança AgroValley