Tomazina - Desde os primeiros anos do século passado, quando os bisavôs de Nira Souza deixaram Minas Gerais para desbravar o Bairro do Matão, em Tomazina (Norte Pioneiro), aquelas terras conheceram praticamente uma só cultura: o café. A história dos Souza pode ser contada em intervalo de safras. Na alegria das colheitas generosas ou na tristeza das terríveis geadas. É como se a marcação do tempo se desse em contas feitas com os grãos do fruto que definiu o mapa do Norte do Paraná como o conhecemos hoje.

Tantas perdas não foram suficientes para demover os Souza da missão de plantar café. Depois do apogeu, dos anos 1940 e 1960, a cultura foi aos poucos perdendo terreno no Norte do Estado. A pá de cal, a geada negra em 1975, praticamente erradicou os cafezais do Estado e provocou profundas transformações na vida dos paranaenses. Mas houve aqueles que resistiram. “É o que sabemos fazer de melhor”, repete Nira a frase que ouviu desde criança em casa.

A vida nem sempre foi fácil na casa dos Souza, mas a insistência da família deu resultado. Depois de anos de muito trabalho e pouco retorno, a situação começou a melhorar. Em 2006, os cafeicultores da região se organizaram, com apoio da então Emater, para fundar a Acenpp (Associação dos Cafés Especiais do Norte Pioneiro do Paraná). Inaugurava-se assim uma nova era naquelas lavouras. Pela primeira vez a qualidade importava mais que a qualidade. A partir de então, um novo mundo de possibilidades se abriu para aqueles produtores.

Nira Souza
Nira Souza | Foto: Sergio Ranalli

No Matão, onde os cafeicultores se gabavam de ter um século de expertise na cultura, houve aqueles mais fechados às novidades, porém a resistência não durou muito. As vantagens em adotar as novas práticas eram enormes. Assim, em pouco tempo, muitos dos produtores incorporaram novos termos no vocabulário, como “perfil aromático”, “sabor residual”, ou até mesmo compreender o que é um café escore 86. Hoje, todo café com uma pontuação superior à marca, em uma escala de 0 a 100, é comercializado.

A experiência deu tão certo que em 2012 o café do Norte Pioneiro conquistou a certificação de Indicação Geográfica-IG. “A partir daí mudou tudo. A gente ia para eventos especializados em Minas Gerais, por exemplo, e ninguém conhecia nosso café. Eles sequer sabiam que ainda se plantava café no Paraná, ainda mais de qualidade”, conta. “A indicação geográfica serviu para mostrar, até para nós mesmos, a excelência do nosso trabalho”, orgulha-se Nira.

Imagem ilustrativa da imagem Mulheres do Café comemoram 10 anos de conquistas
| Foto: Sergio Ranalli

PROTAGONISMO FEMININO

Com tantas conquistas e com uma produção consolidada, coube às mulheres do Matão darem um passo à frente e colocar a região de vez na vanguarda da produção de cafés especiais. Em maio de 2013, era criado ali o projeto Mulheres do Café do Norte Pioneiro, como forma de incentivar as mulheres cafeicultoras da região a produzir café especial de alto valor agregado. Segundo o coordenador estadual de Cafeicultura do IDR-PR, Otávio da Luz, a saca de café especial tem um valor de 40% a 50% maior do que o tradicional, uma média de R$ 960 no café comum, e de R$ 2.400 no especial.

A produtora Sandra Aparecida de Freitas Godoy, do Matão, conta que já sofreu muito nas lavouras de café, mas que hoje, com o retorno do café especial, não tem do que reclamar. Inclusive realizou seu maior sonho “Antes a gente não vencia trabalhar. Não tinha retorno, porque a gente não sabia, colhia o café especial todo misturado. Agora é outra vida. Até consegui construir minha casa no ano passado”, conta emocionada.

As cafeicultoras fecharam uma parceria com uma exportadora e comercializadora de cafés de Ourinhos (SP). No primeiro ano, o café especial de Matão (distrito do município de Tomazina) foi exportado para a Austrália, Estados Unidos e diversos países da Europa. Hoje, elas até recebem turistas de várias partes do mundo, interessados nas questões técnicas do café.

O projeto, coordenado pelo IDR-Paraná (Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná – Iapar-Emater) deu tão certo que hoje, uma década depois, abrange mais de 250 produtoras, distribuídas por 14 grupos no Norte Pioneiro: Curiúva, Figueira, Ibaiti, Japira, Jaboti, Pinhalão, Tomazina, Siqueira Campos, Salto do Itararé, Joaquim Távora, Carlópolis, São Jerônimo da Serra, Ribeirão do Pinhal e Nova Fátima. Estende-se também para região do Vale do Ivaí, em outros quatro municípios: Grandes Rios, Lidianópolis, Jardim Alegre e Ivaiporã.

No bairro do Matão são 53 famílias, sendo que apenas três não têm a cafeicultura como forma de sustento. Já as Mulheres do Café do Matão são 21 produtoras. “Isso não quer dizer que só a mulher que trabalha. É a família toda, só que uma das exigências dos compradores é que ‘a nota’ seja feita no nome da mulher, porque isso garante o protagonismo feminino ali, das mulheres que se capacitam. É uma mentalidade diferente”, explica.

Um resultado direto do trabalho das cafeicultoras é o sucesso em concursos de qualidade. Desde 2015 elas estão entre as principais colocadas em premiações nacionais e estaduais. Atualmente, representam 50% das inscrições do concurso Café Qualidade Paraná do Norte Pioneiro.

Maria Aparecida Nogueira
Maria Aparecida Nogueira | Foto: Sergio Ranalli

UNIÃO

Uma das maiores alegrias de Maria Elinete é que o café especial deu um novo ânimo para manter os jovens no campo. Dos quatro filhos, apenas a mais velha está distante. Mora com o marido em Campo Largo, nos Campos Gerais. “Até um tempo atrás, eles [filhos] teriam que ir embora procurar emprego. Hoje, não. Eles estão animados com a lida no café. Até isso foi um ganho pra gente, porque mantém a família unida”, comemora.

Maria Elinete
Maria Elinete | Foto: Sérgio Ranalli

Os cafezais tomam toda a paisagem montanhosa do bairro do Matão, localizado a uma altitude média de 700 metros, duzentos mais alto que o vale do Rio das Cinzas, que passa a 8 quilômetros dali. Entre as ruas de café, a vista percorre todo o planalto ondulado e alcança as cidades mais altas da região, como Wenceslau Braz e Ibaiti. “O café gosta de altitudes ainda mais elevadas, como as regiões serranas de Minas e Espírito Santo. Só que o Norte Pioneiro tem a latitude a seu favor, o que acaba compensando na qualidade final”, explica Nira.

Ali não há cercas ou qualquer outro anteparo para dividir as propriedades. “Daqui pra cá é nosso. Já esse café de cima é da minha comadre”, pontua Sandra. “Não tem briga porque a gente confia um no outro e todo mundo cresce junto. Se não for assim, não funciona”, analisa.

Segundo Nira, a união da comunidade está baseada em três pilares: o café, a igreja e o futebol. “Nós estamos o tempo todo juntos. Durante a semana, estamos nos cafezais. Já no fim de semana, dividimos nosso tempo entre a missa na capela e o futebol no campo”, conta, mostrando com orgulho a capela do bairro, dedicada a São Joaquim.