Após 30 anos sem registrar uma cultivar de morango nacional, o Brasil está perto de colocar no campo uma variedade de morangos totalmente brasileira e adaptada a climas quentes. A novidade vem da Fazenda Escola da UEL (Universidade Estadual de Londrina) na qual as primeiras mudas já estão em fase de registro molecular. Desenvolvidas pelos pesquisadores do projeto multidisciplinar Rede Morangos do Brasil, projeto integrado entre a UEL (Universidade Estadual de Londrina Universidade Estadual de Londrina), Unicentro (Universidade Estadual do Centro-Oeste), UFLA (Universidade Federal de Lavras) e outros institutos nacionais de pesquisa, tais como o IAC (Instituto Agronômico de Campinas). O coordenador geral da Rede, o engenheiro Agrônomo e professor de Horticultura na UEL Juliano Vilela Resende, conta que a variedade brasileira levou 10 anos para ser produzida por pesquisas envolvendo o melhoramento genético do morango e estudos em cultivares de outras nacionalidades.

Imagem ilustrativa da imagem Morangos de Londrina - Pesquisadores da UEL desenvolvem cultivares de morango com brasileiras
| Foto: Gustavo Carneiro

O aluno de pós-doutorado Daniel Suek Zanin que trabalha com o cultivo dos morangos na Fazenda Escola explica que o melhoramento genético feito aqui em Londrina colaborou para a adaptação da cultura do morangueiro pelo clima quente e umidade do ar elevada a maior parte do ano. “Nós temos uma temperatura média anual de 21°C e máxima de 27°C. O que nos aproxima dos climas mais quentes mesmo estando na região Sul. Isso possibilita obtermos materiais de morangueiro mais adaptados a altas temperaturas e possibilitar a expansão da cultura do morangueiro para outros polos produtores não tradicionais ou para outras regiões onde atualmente a produção de morango seria inviável por causa do calor excessivo”. Zanin acrescenta que uma preocupação da pesquisa é escolher as plantas que tenham melhor qualidade de fruto no pós-colheita como a cor, teor de açúcar, firmeza da polpa, resistência à doenças e durabilidade de prateleira.

Estufa de pesquisa tem 2589 plantas
Estufa de pesquisa tem 2589 plantas | Foto: Gustavo Carneiro

Juliano Resende afirma que o projeto tem 20 materiais em estudo que respondem a esses requisitos e que poderão ser registrados como as novas cultivares. Deles, 10 são produções de dia curto, ou seja, que frutificam concentradamente entre março e agosto, e 10 são de dia neutro, diga-se, frutificam o ano inteiro homogeneamente. Ambas não necessitam de tantas horas de frio quanto as cultivares internacionais, mas em um primeiro momento podem precisar de um resfriamento artificial para conseguirem florescer. “E quem sabe, futuramente, nem vai precisar. A gente está com um trabalho com quase três mil plantas em campo, selecionadas para o calor” – conta Resende. Com isso, pode ficar para trás o domínio das regiões meridionais na produção de morangos: “A gente vai poder ter morango em qualquer região do Brasil”.

O coordenador geral da Rede Morangos do Brasil, o engenheiro agrônomo e professor de Horticultura da UEL Juliano Vilela Resende e o pós- doutorando Daniel Suek Zanin na cultivar da Fazenda Escola da UEL
O coordenador geral da Rede Morangos do Brasil, o engenheiro agrônomo e professor de Horticultura da UEL Juliano Vilela Resende e o pós- doutorando Daniel Suek Zanin na cultivar da Fazenda Escola da UEL | Foto: Gustavo Carneiro

O que torna esse fato ainda mais importante é que atualmente a produção brasileira depende integralmente de cultivares internacionais, tais como as San Andreas, Monte Rey e Albion, desenvolvidas na Califórnia e com a plantação de mudas na Patagônia, região do Chile e Argentina. Por serem plantas adeptas ao frio, não são completamente adequadas ao clima brasileiro.

NO CAMPO

Mas nem sempre a produção do morango no Brasil foi assim. Entre as décadas de quarenta e noventa, existiam cultivares nacionais como a Campinas e a Guarani. Porém elas apresentavam características de consistência e acidez incompatíveis com o mercado e o consumo in natura foi altamente reduzido. Depois desse período, houve um momento de estagnação da pesquisa sobre os morangueiros por falta de reposição de profissionais da área. Foi quando as variedades estrangeiras voltaram a ser introduzidas no campo. Porém, naquela época, “as mudas não eram tão caras assim e compensava. O dólar não era tão alto” – conta o Resende.

A selecionada 44 é o exemplar mais apto a ser o primeiro morango londrinense e a nova cultivar brasileira
A selecionada 44 é o exemplar mais apto a ser o primeiro morango londrinense e a nova cultivar brasileira | Foto: Gustavo Carneiro

Hoje uma única muda de morango custa em média entre R$ 1,50 a R$ 1,70. É preciso de cerca de 35 mil delas para preencher uma área de meio hectare – ou seja, mais de R$ 50 mil de investimento. Além do preço da muda e seus Royalties, outros insumos essenciais como fertilizantes e embalagens têm o valor cotado em dólar. Esse conjunto de fatores torna o produto caro e, portanto, elitizado. Assim, o processo de produção de morangos se mostrou inviável economicamente nos últimos anos. Resende estima que, em um prazo de cinco ou seis anos, o negócio poderia entrar em colapso caso nada fosse feito.

É nesse ponto em que entra o papel de uma cultivar nacional. Cerca de 30 mil famílias brasileiras produzem morango e dependem dessa renda, já que esta é uma cultura tradicionalmente familiar.

Mudas do Morango de Londrina
Mudas do Morango de Londrina | Foto: Gustavo Carneiro

No campo, famílias já esperam pelo morango nacional. “Não é uma cultivar fácil. Além do custo alto você ainda tem que administrar toda uma logística de produção e comercialização” – avalia Daniele Nascimento sobre as variedades estrangeiras. Ela é Engenheira Agrônoma e trabalha com morangos desde 2017. Em 2019 sua família, que produzia apenas o gado leiteiro, deu início a produção de morangos e atualmente ela também presta assistência técnica a produtores da fruta. Apesar do negócio ter se mostrado rentável, a engenheira entende que ele poderia ser mais vantajoso caso não precisasse importar as mudas, pois os custos de produção iriam diminuir ao mesmo tempo em que a produtividade iria aumentar. “Automaticamente outros produtores vão se interessar em produzir” – deduz Daniele.

Daniele Nascimento, engenheira agrônoma,  trabalha com morangos desde 2017
Daniele Nascimento, engenheira agrônoma, trabalha com morangos desde 2017 | Foto: Arquivo pessoal

A expectativa da Rede é cortar o preço da muda pela metade, eliminando o valor do transporte e taxa de importação das plantas, mas sem perder o rendimento. Pelo contrário, o resultado de cultivares adaptadas ao clima brasileiro é uma colheita mais farta e de mesma qualidade que a importada. O projeto de pesquisa reúne mais de 50 profissionais de variadas instituições no Paraná, São Paulo, Santa Catarina, Minas Gerais e Espírito Santo.

MORANGO BRASILEIRO

Antes da cultivar poder ir a mercado, é preciso que se comprove ao Ministério da Agricultura que a variedade é original, e não uma cópia de outra já existente. Para tanto, cada cultivar deve passar por uma análise molecular – o que pode ser entendido como um teste de paternidade que demonstra a autenticidade da planta e é nessa fase que o morango londrinense está.

Entretanto, para todo esse processo acontecer, há um custo. Todo o desenvolvimento tecnológico depende de uma infinidade de fatores como equipamentos, transporte, mão-de-obra, bolsas, entre tantos outros. R$ 603 mil foram investidos no projeto pelo SETI – PR (Superintendência de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Paraná) por meio da UGF (Unidade Gestora do Fundo Paraná), órgão que planeja e distribui recursos para pesquisa e extensão científica.

*colaboração e supervisão Patricia Maria Alves (editora)