Foi sancionada recentemente, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Lei 14.551/23, que confere a Cruz Machado, município com cerca de 18 mil habitantes no sul do Paraná, o título de Capital Nacional da Erva-Mate Sombreada.

Utilizada no chimarrão, a erva-mate sombreada é muito mais suave e mais doce
Utilizada no chimarrão, a erva-mate sombreada é muito mais suave e mais doce | Foto: iStock

A homenagem é proveniente da iniciativa do deputado federal Toninho Wandscheer (PP-PR). O projeto de lei 1818/19 foi aprovado pela Câmara dos Deputados em 2019. No Senado, recebeu parecer favorável em março deste ano.

O prefeito de Cruz Machado, Antônio Luís Szaykowski, destaca que a conquista do título abre uma série de novas oportunidades. “Vamos buscar auxílio do poder público para conquistarmos um selo para a erva-mate sombreada. Com isso, conseguiremos agregar ainda mais valor ao nosso produto.”

Uma das características que propiciaram o desenvolvimento da erva-mate sombreada é a grande concentração da população rural em Cruz Machado, uma das maiores do Estado, além da força a agricultura familiar com aproveitamento de áreas onde já existia a vegetação nativa, como araucária e imbuia.

CHIMARRÃO

Utilizada no chimarrão, a erva-mate sombreada é cultivada entre outros tipos de vegetação. Outras plantas fazem com que raios de sol não incidam diretamente sobre a erva-mate, por isso é chamada de sombreada.

Cruz Machado gerou mais de R$ 175 milhões em riquezas advindas da erva-mate em 2021
Cruz Machado gerou mais de R$ 175 milhões em riquezas advindas da erva-mate em 2021 | Foto: Divulgação/Prefeitura Cruz Machado

“A erva-mate sombreada é muito mais suave e mais doce, com produtividade menor, mas por outro lado se valoriza a questão da qualidade. A tradicional é mais amarga porque está exposta a uma quantidade maior de raios solares”, compara.

Hoje, 60% da produção da erva-mate em Cruz Machado se encaixa na modalidade sombreada. Parte abastece o mercado interno e outra porção é exportada, inclusive via Rio Grande do Sul, que vende para países como Uruguai e Argentina.

“A erva-mate gera milhares de empregos diretos e indiretos, é o carro-chefe da economia do município na geração de emprego e renda”, pontua o prefeito.

DESTAQUE

Levantamento feito pelo Deral (Departamento de Economia Rural), órgão ligado à Seab (Secretaria Estadual da Agricultura e do Abastecimento), aponta que Cruz Machado foi o principal produtor de erva-mate no Paraná em 2021.

Ao todo, foram colhidas 115 mil toneladas, com um VBP (Valor Bruto de Produção) que alcançou R$ 175,7 milhões, cerca de 27% de todas as riquezas produzidas pela agropecuária em Cruz Machado.

A prefeitura apoia os produtores com algumas ações, como pelo Programa do Hora Máquina, em que empresta equipamentos agrícolas de maneira ampla, não somente para produtores de erva-mate, mas também de soja, milho, feijão e leite. “Temos também a Casa Familiar Rural, um centro de formação de técnicos para apoiar a agricultura familiar”, conclui o prefeito.

BIANUAL

O produtor José Soares planta erva-mate em Cruz Machado há 15 anos. A opção pela cultura foi principalmente por não haver necessidade de plantá-la todo ano – a plantação é bianual.

José Soares e a esposa, Isabela: produção de erva-mate é 100% familiar
José Soares e a esposa, Isabela: produção de erva-mate é 100% familiar | Foto: Arquivo pessoal

O agricultor conta hoje com 5 hectares plantados de erva-mate. “Planejo ampliar mais um hectare, mas não deve passar disso, visto que a mão de obra é 100% familiar. Se for contratar mão de obra, não compensa plantar erva-mate por causa dos custos”, destaca.

Soares colheu 70 toneladas de erva-mate em 2021. Neste ano, a expectativa é colher mais de 80 toneladas. “Uma produção bastante representativa, já que deve subir de 14 para 16 toneladas produzidas por hectare. Os órgãos técnicos apontam que 20 toneladas é o auge”, compara.

`Penso no bem-estar da terra´

Para obter maior produtividade e qualidade na produção, os tratos na lavoura adotados são diversos.

“Penso no bem-estar da terra, que é a maior empresa que a gente tem. Sempre protegida com uma palhada seca contra a erosão e o sol. Isso ajuda no período de estiagem a erva-mate, auxiliando a preservar a umidade no solo.”

Propriedade da família  Soares, em Cruz Machado, conta com 5 hectares plantados de erva-mate
Propriedade da família Soares, em Cruz Machado, conta com 5 hectares plantados de erva-mate | Foto: Arquivo pessoal

Além disso, o agricultor está testando a utilização do óleo de nem, um repelente orgânico para defender a lavoura de algumas pragas.

“Evito determinados tipos de adubo não absorvidos pela erva-mate, como fósforo ou potássio. Uso nitrogênio e agora estou adotando o cálcio, que fortalece a folha e observei que ela ficou com tonalidade mais verde escura, algo que o mercado vem exigindo.”

DESAFIOS

Entre os maiores desafios da produção estão o preço do quilo da erva-mate, desvalorizado por conta da ampla oferta, e o combate às pragas.

“Estou vendendo agora a R$ 1,20 o quilo, sendo que já vendi a R$ 1,50. Um dos motivos dessa desvalorização é a ampliação da oferta pela Argentina. A cada ano está aumentando mais a oferta, o mercado vai absorvendo e com isso o preço cai”, explica.

Entre as pragas que podem aparecer estão a ampola-da-erva-mate, que põe seus ovos na folha e depois prejudica o crescimento da planta, além do besouro corintiano, que pode levar a planta à morte.

Soares comercializa a produção in natura nas ervateiras de Cruz Machado e região, responsáveis por preparar o produto para as indústrias.

“Aqui em Cruz Machado as mudas são de boa qualidade, tem muitos viveiros. Rio Grande do Sul vem buscar aqui porque tem um sabor exclusivo, é suave, não é amarga, como em outras regiões fora daqui. A terra e o clima ajudam, e de uns anos para cá a maioria das ervas ficou com gosto suave, muito apreciada”, conclui.

ECONOMIA

O secretário estadual da Agricultura e do Abastecimento, Norberto Ortigara, lembra que a erva-mate foi responsável por um dos primeiros ciclos econômicos do Estado.

Registros históricos apontam que a produção de erva-mate chegou a representar 85% da economia paranaense, responsável por trazer o progresso necessário para a emancipação do Estado em 1853 – antes província de São Paulo.

“Favorecida pela localização geográfica e pelo capricho com que as gerações trataram as matas da região, Cruz Machado soube aproveitar a floresta nativa para produzir uma erva-mate de sabor e valor diferenciados”, concluiu.