Longe da zona rural, é cada vez mais comum observar no coração dos centros urbanos cidadãos organizados no plantio e na colheita do próprio alimento. As hortas comunitárias se multiplicam como espaços de resistência ao consumo de industrializados, de valorização dos orgânicos e uma forma dos moradores das cidades se relacionarem com o meio ambiente de maneira sustentável.

Mais do que áreas destinadas à produção de vegetais, as hortas comunitárias são locais de troca de experiências, de socialização, de autonomia e promoção da segurança alimentar.

O trabalho e a dedicação desses agricultores mostram que pequenos canteiros têm um enorme poder de transformar realidades a partir da mudança no modo de pensar os espaços urbanos e por meio da ação dos próprios cidadãos.

ACESSO À ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL

Em Londrina, há 17 hortas comunitárias em atividade e outras três em fase de implantação. Elas estão presentes em todas as regiões da cidade e são administradas dentro do Programa Agriurbana, idealizado pela Secretaria Municipal da Agricultura e que segue as diretrizes apontadas pela Política Municipal de Agricultura Urbana e Periurbana.

Erlândia Pereira dos Santos  trabalha há 15 anos em uma horta comunitária. Hábitos mais saudáveis
Erlândia Pereira dos Santos trabalha há 15 anos em uma horta comunitária. Hábitos mais saudáveis | Foto: Simoni Saris

Ampliar as condições de acesso à alimentação, aumentar a disponibilidade de alimentos como estratégia de combate à fome e reduzir os custos dos alimentos para consumidores de baixa renda por meio de ações voltadas à inclusão produtiva são os objetivos do programa, mas quem tem a possibilidade de cultivar um canteiro dentro de um desses locais conta que os benefícios vão muito além de garantir uma alimentação de qualidade a preço acessível.

Hábito vem do Japão

O aposentado Sitoko Nakasa foi criado em uma chácara, no interior de São Paulo, e desde menino aprendeu a se relacionar com a natureza. Mas foi no Japão, onde morou por 15 anos, que teve o primeiro contato com uma horta comunitária. Ele trabalhava em uma fábrica de bentôs, as marmitas japonesas, e o seu único dia de folga na semana era dedicado ao cultivo de dois canteiros que conseguiu em uma horta comunitária mantida pela prefeitura da cidade onde residia. “Achei a ideia fantástica”, contou.

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De volta ao Brasil, já aposentado e instalado em Londrina, Nakasa saiu à procura de iniciativas semelhantes. Por indicação, chegou à horta do jardim Ideal (zona leste) e de imediato conseguiu dois canteiros. Há dois anos, é ali que ele cultiva uma variedade de vegetais, como almeirão, alface, espinafre, beterraba, rúcula, cebolinha, salsinha, couve e coentro.

Sitoko Nakasa cultiva almeirão, alface, espinafre, beterraba, rúcula, cebolinha, salsinha, couve e coentro em uma área na zona leste
Sitoko Nakasa cultiva almeirão, alface, espinafre, beterraba, rúcula, cebolinha, salsinha, couve e coentro em uma área na zona leste | Foto: Simoni Saris

“Estou aposentado e dentro do apartamento, no sétimo andar, não vou ficar. Eu venho aqui (jardim Ideal), lido com as plantas. Venho pela manhã e fico até perto do meio-dia. Depois, pego o ônibus e vou para a horta comunitária do (jardim) Califórnia, onde consegui outros canteiros. Lá, eu fico até de tarde. Só volto para a casa no fim do dia. Faço isso diariamente. Só deixo de ir quando chove.”

Muito do que consome, Nakasa cultiva nos seus próprios canteiros. Uma pequena parte é vendida. Com o trabalho na horta, contou ele, o objetivo principal não é obter renda, mas uma distração para a mente e uma ocupação para o corpo que a longo prazo se revertem em benefícios à saúde. “O corpo da gente foi feito para se mexer. Não dá para ficar só sentado, assistindo televisão ou no celular, ou só comendo, tomando cafezinho, beliscando uma coisa ou outra e engordando. Isso não faz bem para a pessoa. A gente tem que se movimentar”, ensinou. “Aqui, a cabeça e o corpo ficam ocupados e não tem preocupação.”

FERRAMENTA CONTRA A DEPRESSÃO

Gevanice Costa Azevedo Garcia entende bem do que fala Nakasa. Foi graças ao trabalho na horta comunitária do jardim Ana Rosa, em Cambé (Região Metropolitana de Londrina), que ela notou avanços no tratamento contra a depressão. Ela já havia tido um canteiro no local em meados da década de 1980, mas teve de passá-lo para frente para ficar com a mãe, que vivia em Londrina e tinha problemas de saúde. Depois que a mãe faleceu, no início de 2022, a depressão se instalou e foi de volta à horta, mexendo com a terra que Garcia conseguiu controlar a doença.

"Todos os dias eu levo uma coisa para casa e o que eu não como, eu dou para as amigas", conta Gevanice Garcia, que está conseguindo controlar a depressão trabalhando na horta comunitária do Ana Rosa, em Cambé
"Todos os dias eu levo uma coisa para casa e o que eu não como, eu dou para as amigas", conta Gevanice Garcia, que está conseguindo controlar a depressão trabalhando na horta comunitária do Ana Rosa, em Cambé | Foto: Simoni Saris

“Para mim, é muito bom estar trabalhando aqui. A depressão não tem cura, tem controle. E o trabalho na horta ajuda a distrair a mente. Enquanto você está aqui, só pensa em carpir, aguar suas verduras, plantar suas mudinhas e cuidar delas. É uma terapia”, contou. “É um trabalho muito gratificante porque onde você pôs suas mãos, você vê formar e vê o resultado. Eu como do fruto das minhas mãos. Todos os dias eu levo uma coisa para casa e o que eu não como, eu dou para as amigas.”

Depois de trabalhar por 50 anos como caminhoneiro, Walter Gamba se aposentou, mas não conseguiu ficar em casa sem ter o que fazer. O cunhado dele tinha dois canteiros na horta do jardim Santa Izabel, em Cambé, e quando ele faleceu, Gamba decidiu dar continuidade ao trabalho iniciado pelo parente. Encontrou na horta um meio de preencher o tempo livre e socializar. “Isso aqui para mim é uma terapia. Você fica em casa, fica incomodado, não sabe para onde vai. Não para na sala, não para na cozinha. Trabalhei dos oito aos 82 anos. Não consigo ficar parado”, disse. “Aqui, o tempo passa e a gente nem vê”, completou Ademar Barbosa, companheiro de Gamba na horta do Santa Izabel.

Além de um reforço no orçamento doméstico, para Erlândia Pereira dos Santos o trabalho de 15 anos na horta comunitária trouxe mudança de hábitos e mais saúde. Quando iniciou na atividade, ela era obesa e nas suas refeições não havia espaço para os vegetais. “Aprendi a comer verdura aqui e perdi bastante peso. Minhas duas meninas, que foram criadas aqui dentro, também aprenderam a comer o que eu planto. Comem de tudo.”

Walter Gamba se aposentou, mas não conseguiu ficar em casa sem ter o que fazer. “Isso aqui para mim é uma terapia", afirmou
Walter Gamba se aposentou, mas não conseguiu ficar em casa sem ter o que fazer. “Isso aqui para mim é uma terapia", afirmou | Foto: Simoni Saris

Dos dois canteiros cultivados por Santos sai uma variedade enorme de legumes e verduras, como alface, coentro, cebolinha, almeirão, couve, beterraba, alho-poró, mostarda, pimenta e gengibre. Uma parte ela leva para casa, o que garante uma alimentação saudável para a família, um pouco ela vende e o excedente é destinado para quem enfrenta dificuldades financeiras e não tem condições de comprar. “O trabalho na horta dá uma alegria tão grande. Você chega aqui, cavuca a terra, suja a mão de barro e colhe o que plantou com amor, carinho e dedicação. É bem prazeroso. E o pessoal para quem a gente doa também sai bem agradecido.”

Prefeitura de Cambé mantém 26 horas comunitárias

As hortas do jardim Ana Rosa e do jardim Santa Izabel estão entre as 26 que integram o programa de hortas comunitárias mantido pela prefeitura de Cambé desde 1984. Foram esses locais os escolhidos por Gevanice Costa Azevedo Garcia e Walter Gamba, respectivamente, para plantarem os produtos que levam para a cozinha de suas casas.

A iniciativa surgiu a partir de uma parceria com a Eletrosul com a finalidade de preencher os espaços por onde passava a rede da companhia de geração e transmissão de energia. A ideia deu tão certo que o município ampliou o número de áreas, destinando à criação de hortas comunitárias em terrenos públicos ociosos que além de dar despesa com manutenção, muitas vezes eram utilizados pela própria população para descarte irregular de lixo. Essa era a situação da área onde foi feita a horta do Ana Rosa. Já o terreno do Santa Izabel estava ocioso. Por estar localizado à margem da linha férrea, a legislação proíbe qualquer tipo de construção.

Segundo o diretor da Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Cambé, Alexandre Tofoli Moriya, o programa de hortas comunitárias beneficia hoje 1,1 mil famílias diretamente. Pelas regras do programa, cada família tem direito a, no máximo, dois canteiros, mas quem trabalha nas hortas diariamente afirma não ser difícil encontrar quem possua um número maior de canteiros.

Para conseguir um espaço de cultivo, há listas de espera controladas pelos presidentes das hortas. Quando uma pessoa desiste ou morre, são eles os encarregados de encontrar um novo dono para os canteiros. Na horta do Ana Rosa, por exemplo, onde estão mais de 80 agricultores, há nove pessoas na fila, de acordo com a presidente, Rosa Aparecida de Oliveira.

Prioridade é garantir alimentação de qualidade

Márcia Cunha reside em Paranaguá (Litoral), mas sempre que vai a Cambé visitar a filha e o neto, que se mudaram para o Norte do Paraná há pouco mais de um ano, faz questão de ir até a horta comunitária do jardim Ana Rosa para garantir produtos frescos e de qualidade. Ela compra para a filha uma quantidade suficiente para 15 dias e deixa tudo armazenado para facilitar a rotina doméstica, mas também leva para casa uma boa variedade de produtos. “São produtos de confiança, sem veneno”, comentou. “Infelizmente, em Paranaguá não tem nada parecido. Essa é uma ideia que deveria se multiplicar e ser acolhida em cada cidade onde tem a terra e tem condições de plantar. Eu sinto falta de ter um espaço desse na minha cidade. Falta incentivo. Aqui, você encontra praticamente tudo para uma alimentação saudável.”

O diretor da Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Cambé, Alexandre Tofoli Moriya, ressaltou que a prioridade do programa de hortas comunitárias é garantir uma alimentação de qualidade para a população, uma vez que é vetado o uso de agrotóxicos nos canteiros.

Por meio do programa, o município fornece o terreno, a estrutura, as ferramentas, a água, o esterco e as sementes. Os agricultores que optam por complementar a adubação com ureia ou preferem plantar mudas em vez de sementes, devem arcar com esses custos adicionais.

Um projeto da prefeitura garantiu a liberação de uma célula do aterro sanitário onde é feita a compostagem do material orgânico resultante das podas de árvores e de canteiros e depois de misturado a resíduos descartados por outras empresas, o material é enviado para as hortas comunitárias para ser utilizado na adubação.

Moriya aponta os benefícios do programa. Para o município, a presença das hortas diminuiu consideravelmente o descarte ilegal de resíduos. A longo prazo, há a redução dos custos à saúde da população da terceira idade, que compõe a maioria do público frequentador desses locais. “E dentro das hortas eles têm uma ocupação, um relaxamento físico e mental. E eles também podem vender o excedente do que produzem. O programa também auxilia no descarte correto dos resíduos orgânicos, visto que toneladas de resíduos destinados às hortas iriam para o aterro e ocupariam um espaço absurdo.”

O diretor de Meio Ambiente ressaltou ainda que no final de cada ciclo da cultura, todos os alimentos produzidos e não consumidos são doados a instituições. “Tenho três canteiros. Tem vezes em que eu não acho para quem vender e, então, doo para o asilo. Também fico muito contente quando alguém vem comprar uma verdura, mas não tem condição de pagar e eu doo para a pessoa”, disse Arlindo Francisco.