Imagem ilustrativa da imagem Exportações agropecuárias devem ser pouco impactadas por pandemia

Bruxelas, Bélgica - A pandemia de coronavírus deve derrubar exportações em geral no primeiro semestre deste ano, mas commodities agrícolas serão menos afetadas e podem ter recuperação rápida no segundo semestre, com o aumento de compras de alimento para repor estoques nos países atingidos, dizem analistas e entidades que acompanham o comércio global.

Em boletim divulgado na última semana, a CNA (Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil) não identificava interrupção de importações chinesas de bens agropecuários brasileiros.

Entre janeiro e fevereiro, houve aumento de 9,7% no comércio de grãos, óleos e alimentos no país. "A corrida dos consumidores aos supermercados é a provável causa do aumento das vendas de itens básicos para a dieta chinesa. As vendas de alimentos online também cresceram 3% no mesmo período."

Rupturas na indústria e no setor de serviços devem ser mais graves e mais longas, segundo os analistas. Mas tudo - até mesmo os rumos das exportações agrícolas- depende da duração da pandemia, de sua extensão e da gravidade das medidas tomadas para combatê-la. Órgãos como a agência da ONU para o comércio (Unctad) e a OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), que haviam feito previsões quando o surto da doença estava limitado à China, estão refazendo seus cálculos e dizem que ainda levará semanas para que o panorama fique mais claro.

De momento, a pandemia já reduziu significativamente as previsões de crescimento em 2020 dos principais compradores de exportações brasileiras: a China, a Europa e os Estados Unidos. Na última segunda-feira (23), a consultoria Consensus Economics, que reúne estimativas de 700 economistas, previu que o crescimento chinês neste ano deve ser reduzido de 6% para 2%, e o PIB dos Estados Unidos deve ter queda de 0,7%. Para os países europeus, a estimativa é de contração de 2% no Reino Unido, e de entre 2% e 3,3% na Alemanha e na França. Na Itália, o tombo previsto é de 5%. A IHS prevê uma queda de 1,5% no PIB da zona do euro neste ano.

"Um cálculo mais confiável sobre o impacto da pandemia no comércio vai levar semanas, porque a situação está mudando muito rapidamente", afirmou a Unctad. Enquanto a China ensaia uma retomada das atividades, depois de ter colocado 36 milhões de pessoas em quarentena e registrar 3.277 mortes e 1.573 pacientes ainda internados em UTI, a Europa, com 12.084 mortos e 9.816 doentes graves (até as 6h da última terça-feira, no horário do Brasil), ainda não chegou ao pico das transmissões. Nos EUA, onde o surto começou mais tarde, já havia 52.921 casos confirmados, 684 mortes e 1.175 internados em UTIs até aquela data.

"Há tantas incertezas que é difícil fazer especulações, então o melhor é saber que as coisas ainda podem piorar e se preparar para isso", afirmou o diretor de Comércio Internacional da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), Ken Ash. Em fevereiro, a organização publicou uma análise macroeconômica do impacto da pandemia, num momento em que a crise ainda estava concentrada na China. O trabalho já traçava um cenário considerado pessimista caso o coronavírus não ficasse restrito ao país asiático, mas a gravidade da pandemia na Europa e nos Estados Unidos superou as premissas usadas nessa hipótese.

A OCDE recalcula, agora, suas previsões para incluir "impactos disruptivos muito mais amplos", segundo Ash .O economista afirma que a cadeia de alimentos está funcionando bem e não é uma preocupação neste estágio. "Não houve maiores rupturas e não deve haver grandes danos se essa crise for relativamente curta. Mas a situação pode se complicar se a pandemia durar muito mais tempo", diz ele.

No Brasil

O boletim da CNA também não registra impactos da crise sanitária europeia no comércio com o Brasil. "As medidas restritivas estão muito mais focadas na redução da movimentação de pessoas do que na circulação de mercadorias", constata a entidade. Segundo o economista e especialista em comércio exterior Gary Hufbauer, do Instituto Peterson para Economia Internacional, o volume do comércio de commodities deve cair na mesma proporção da economia global nos próximos trimestres, mas o principal impacto será no preço. "Podemos ver uma redução de 5% na exportação de commodities, mas o preço pode cair 15% ou até 20%", diz o analista.

O movimento foi notado no relatório divulgado pela CNA: "Para as principais commodities agrícolas, como soja, milho e café, houve queda nos preços internacionais. No entanto, em função da alta do dólar, os preços reais não foram impactados". O banco holandês Rabobank, o maior financiador global do setor agropecuário, previa no começo deste mês que a demanda cairia no primeiro trimestre e provavelmente no começo do segundo trimestre. "Se não houver uma segunda onda de coronavírus na China, porém, deve haver um forte retomada da demanda no segundo semestre, com a recuperação tanto da produção interna de animais quanto do setor de restaurantes, a partir do terceiro trimestre", avalia a instituição.

No cenário base do Rabobank, a demanda geral da China deve crescer de 2% a 3% em 2020, com alta mais expressiva em 2021. O Brasil, porém, pode não aproveitar totalmente essa retomada, por causa de maior competição com os EUA pelo mercado chinês. Hufbauer diz que ainda é preciso acompanhar a evolução da pandemia e a extensão das medidas adotadas em outros países. "Há entraves inimagináveis, como os EUA fecharem a fronteira com o Canadá", exemplifica. Para o economista, a crise será mais séria no setor de serviços, que depende de contato pessoal, e quanto mais longos os confinamentos maior o risco de falências e quedas mais graves na demanda. "Podemos esperar perda financeira extensa no setor de serviço e muita turbulência no comércio de bens industriais, por causa da quebra de cadeias de suprimento", diz ele.

Transporte marítimo

Outro impacto sobre as exportações pode vir do transporte marítimo. Durante a crise mais grave na China, havia relatos de portos congestionados no país asiático, por falta de trabalhadores e pela desorganização das cadeias produtivas industriais.Para Hufbauer, porém, eventuais atrasos no transporte marítimo serão pontuais. "Acompanhei bem de perto a epidemia na fase mais crítica na China. Houve algum atraso porque pessoas ficaram doentes, mas o porto de Xangai se recuperou rapidamente".

Mas faltam informações também para avaliar o risco do segmento, segundo a Bimco, maior associação global de empresas de transporte por mar, com 1.900 membros: "Deve haver implicações amplas, mas é difícil estimar por causa da velocidade e da severidade da expansão da pandemia". A associação avalia que a importação de commodities pela China será fortemente afetada no curto prazo e ainda é incerto o tempo necessário para que se normalizem. Hufbauer diz também que companhias de transporte marítimo estão mobilizadas para evitar a qualquer custo a contaminação das tripulações. "A última coisa que se quer é um surto no meio do oceano Pacífico."

"Não há dados precisos, mas a tendência é certamente de baixa para a demanda por transporte marítimo", diz Nidaa Bakhsh, que desde 2015 acompanha o setor para o Lloyd's List, serviço de informação especializado em navegação. Um dos principais temores é que, com a paralisação de indústrias e a quebra de cadeias de produção, haja atraso na retirada de carga e os portos comecem a ficar congestionados em todo o mundo. Nidaa diz que, no transporte marítimo, contêineres e carga seca (grãos, metais) estão sendo mais afetados que terminais de líquidos e gás (combustíveis, produtos químicos).