Nos campos de soja, que têm se consolidado cada vez mais como carro-chefe do agronegócio brasileiro, um pequeno aliado pode desempenhar papel fundamental no aumento da produtividade. A presença de abelhas - que são os principais agentes polinizadores do mundo - nas proximidades das lavouras, conforme estudos demonstram, pode ser bastante benéfica para sojicultores e apicultores.

“A soja foi chegando cada vez mais perto das abelhas, e é uma florada interessante, em um momento não tão favorável para as abelhas. Essa associação surgiu naturalmente e a gente observa vantagens para ambos”, diz Heber Luiz Pereira
“A soja foi chegando cada vez mais perto das abelhas, e é uma florada interessante, em um momento não tão favorável para as abelhas. Essa associação surgiu naturalmente e a gente observa vantagens para ambos”, diz Heber Luiz Pereira | Foto: Arquivo Pessoal/Heber Luiz Pereira

Os resultados positivos dessa relação já são conhecidos há alguns anos, explica o engenheiro agrônomo Decio Luiz Gazzoni, pesquisador da Embrapa Soja, e é “perfeitamente possível” ter uma integração entre as duas atividades, desde que boas práticas sejam adotadas.

A Embrapa está desenvolvendo um projeto no Paraná, na região de Maringá, no Mato Grosso do Sul, em Dourados, e no Rio Grande do Sul, em São Gabriel, para validar a tecnologia. As regiões escolhidas vinham sofrendo com a mortalidade das abelhas.

“O projeto gira em torno disso e escolhemos alguns parceiros, explicamos o que era e obtivemos deles o compromisso de observarem essas regras para confirmar se, efetivamente, os dois lados adotarem as regras, nós eliminamos esse problema de mortalidade de abelhas”, pontuando que, desde o início do projeto, há dois anos, não houve nenhum incidente. “Tudo correu perfeitamente bem.”

PRODUTIVIDADE DA SOJA E DO MEL

O pesquisador explica que o incremento produtividade da soja é extremamente vantajoso, variando de 10% a 20%, segundo os estudos da Embrapa Soja. A técnica não altera o sistema de produção e a renda líquida pode abater até um terço dos custos.

Lígia (de rosa) e os pais Antonio Jung e Albertina Ambiel Jung: interação lavoura-apicultura desde 1950
Lígia (de rosa) e os pais Antonio Jung e Albertina Ambiel Jung: interação lavoura-apicultura desde 1950 | Foto: Arquivo Pessoal/Lígia Mara Jung

Para o apicultor, é interessante porque garante alimento para as abelhas no período em que há poucas plantas melíferas floridas no campo. “Isso quebra o calendário floral do apicultor e, para manter as colônias fortes e ativas, ele precisava fornecer alimentação suplementar e isso tem um custo”, pontua.

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Polinizando a soja

Além disso, as colônias integradas às lavouras de soja também acabam produzindo mais. Enquanto a média brasileira é de 19 quilos/ano de mel por caixa, os produtores que fazem parte do projeto conseguem o dobro. “E tem um caso no Rio Grande do Sul de um apicultor que consegue, durante a safra de soja, tirar 50 quilos de mel por caixa”, acrescenta.

CARTILHA

As práticas serão publicadas ainda em 2024 em uma cartilha pelo Senar (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural). Em março, a Embrapa Soja vai realizar um workshop em Campo Mourão para desenvolver um protocolo de integração entre agricultura e apicultura.

“Vai envolver assistência técnica do Estado, cooperativas, consultores particulares e também a Defesa Agropecuária do Paraná. Estamos juntando todas as instituições para ampliar a adesão”, explica Gazzoni.

RELAÇÃO ANTIGA

A agrônoma e produtora rural Lígia Mara Jung, que tem um sítio em Floresta (região Noroeste), conhece bem a relação entre a agricultura e a apicultura. Ela conta que sua família possui a propriedade desde a década de 1940 e que, em meados de 1950, seu tio começou a cuidar de abelhas para conseguir açúcar. À época, as caixas ficavam em meio à plantação de café.

Para a agrônoma e produtora Lígia Maria Jung, a integração entre abelhas e soja é possível e benéfica
Para a agrônoma e produtora Lígia Maria Jung, a integração entre abelhas e soja é possível e benéfica | Foto: Arquivo Pessoal/Lígia Mara Jung

Quando a soja se tornou o carro-chefe, entre 1960 e 1970, as colônias permaneceram no local e a família percebeu que era possível colher mel no final do ciclo do grão.

Jung explica que o mel de soja é muito bem aceito pelo mercado, já que possui coloração clara, sabor suave e não cristaliza facilmente.

Já os benefícios para a soja vieram à tona há cerca de 15 anos. “Meu pai já comentava que a área ao redor dos apiários dá mais soja, percebe diferença, na máquina, no grão, ele sempre falou isso", pontuando que a família nunca chegou a colocar "na ponta do lápis" a diferença, mas que sempre foi perceptível.

CUIDADO COM DEFENSIVOS AGRÍCOLAS

“Nós nunca fomos técnicos e a vida foi ensinando como fazer. A gente coloca as abelhas onde tem mato, onde não é agricultável, nas áreas de pedreiras e reservas”, explica Jung. “O cuidado que temos é na hora da aplicação [de defensivos agrícolas]. Nosso principal problema nessa interação é o veneno chegar na caixa. Se o veneno não chegar na caixa, não temos grandes problemas.”

'Meu pai já comentava que as áreas perto dos apiários davam mais soja. Percebe-se diferença na máquina, na soja, ele sempre falou isso, por muitos anos', contra Lígia Mara Jung
'Meu pai já comentava que as áreas perto dos apiários davam mais soja. Percebe-se diferença na máquina, na soja, ele sempre falou isso, por muitos anos', contra Lígia Mara Jung | Foto: Arquivo Pessoal/Lígia Mara Jung

Ainda nesse ponto, ela acredita que as normativas sobre pulverização já dão conta de evitar qualquer incidente na relação.

“Os agricultores, no geral, achavam que essa integração era impossível, que só ia dar mais trabalho e eles iam perder produtividade, porque não iam poder aplicar produtos. E a gente falava que dá para conviver junto, é só usar a técnica correta”, completa.

AVANÇO DAS LAVOURAS

O zootecnista e apicultor Heber Luiz Pereira, que atua na região de Maringá, explica que a associação entre as duas atividades foi “imposta pela condição”, uma vez que as lavouras de soja foram avançando cada vez mais.

“A soja foi chegando cada vez mais perto das abelhas, e é uma florada interessante, em um momento não tão favorável para as abelhas. Essa associação surgiu naturalmente e a gente observa vantagens para ambos”, pontuando que o projeto da Embrapa Soja quer premiar as boas práticas apícolas e agrícolas.

De modo geral, para o sojicultor, Pereira aponta que é necessário utilizar produtos recomendados e com receituário agronômico, além de observar as tecnologias de aplicação, com regulagem geral do maquinário. Ter atenção ao manejo integrado de pragas e evitar aplicações nos momentos de alta visitação das abelhas - entre 10h e 11h - são outras recomendações importantes.

Para o apicultor, é preciso manter as abelhas bem alimentadas, para evitar qualquer estresse nutricional, controlar pragas e manter uma boa comunicação com o produtor rural para saber quais produtos vão ser aplicados.

“Permitir um apicultor adentrar a área e colocar abelhas próximo à lavoura, para o sojicultor não gera custos, mas gera o potencial, um ganho de produtividade”, ressalta.

MELHORA NA POLINIZAÇÃO

O pesquisador da Embrapa Soja explica que a soja é uma planta autopolinizável. Mas, isso não exclui a possibilidade de agentes externos, como a abelha, contribuírem para a melhora desse processo.

“Nós observamos que quando temos a presença de abelhas, aumenta muito o número de vagens com três grãos, surgem mais vagens com quatro grãos e diminuem as vagens chocha. E observamos um leve aumento no peso da semente”, explica Gazzoni.

A recomendação é que sejam colocadas três caixas de abelha - com média de 50 mil indivíduos - a cada hectare do grão. Da mesma forma que faz Jung, a indicação é que as colônias fiquem nas bordas ou em áreas de mata e vegetação nativa, “para abrigar do sol e também para ficar relativamente longe de deriva quando se faz aplicação de produtos fitossanitários”

Apesar de ainda não ser possível estipular quantos agricultores adotam a prática, Gazzoni afirma que, com o fim da fase de validação do projeto, a nova etapa será a disseminação da tecnologia. Além do protocolo de aplicação e da cartilha, um curso a distância deve ser desenvolvido. “Sai do campo e começa a ir para essa área de adoção da tecnologia”.