Paris, França - O risco de as mudanças climáticas afetarem as colheitas de trigo nos principais celeiros do mundo é bastante subestimado, aponta um estudo publicado em 4 de julho, que alerta para a possibilidade de desestabilização do sistema alimentar mundial.

A probabilidade de colheitas ruins ou de rendimentos menores simultâneos nas principais regiões produtoras é cada vez maior, ressalta o relatório, elaborado por pesquisadores radicados nos Estados Unidos e na Alemanha e publicado na revista "Nature".

A queda nas colheitas em várias regiões pode provocar uma disparada dos preços, insegurança alimentar e até uma revolta civil, disse à AFP o autor principal da pesquisa, Kai Kornhuber, da Universidade de Columbia.

O acadêmico lembrou o que ocorreu em 2010, quando as safras foram afetadas pelo calor extremo na Rússia e pelas enchentes no Paquistão, com uma repercussão global importante.

A produção de alimentos é uma das principais causas das emissões de gases do efeito estufa e, portanto, do aquecimento global, estando, ao mesmo tempo, altamente exposta às suas consequências.

O estudo concentrou-se em dados meteorológicos e nos modelos climáticos de 1960 a 2014, e fez simulações para o período 2045-2099.

Em primeiro lugar, examinou-se o impacto do "jet-stream" - correntes de ar em altura que determinam as condições meteorológicas - nas principais regiões produtoras de cereais do mundo. Constatou-se que um jet-stream com oscilações fortes tem repercussões importantes na América do Norte e no leste europeu e asiático, com uma redução das safras de até 7%, um fenômeno que teve um papel importante na crise de 2010.

O estudo demonstrou, ainda, que os modelos de informática atuais preveem corretamente o movimento atmosférico do jet-stream, mas subestimam a dimensão dos fenômenos extremos resultantes do mesmo.

O estudo “alerta para as nossas incertezas” relacionadas ao impacto das mudanças climáticas no setor alimentar, apontou Kai Kornhuber. “Temos que nos preparar para este tipo de risco climático complexo e os modelos atuais parecem não levá-lo em consideração.”

Seca derruba produção de soja na Argentina

A produção de soja na Argentina, um dos maiores exportadores mundiais desta oleaginosa, totalizou 21 milhões de toneladas na safra 2022-2023, uma queda de 51,5% em um ano, que representa o volume mais baixo em 20 anos, em consequência de uma seca histórica.

O dado é de um estudo da Bolsa de Cereais de Buenos Aires divulgado em 4 de julho, segundo o qual a produção foi 22,3 milhões de toneladas menor do que na temporada anterior, quando chegou a 43,3 milhões de toneladas.

"A seca e as temperaturas altas registradas no centro da região agrícola durante grande parte do ciclo do cultivo resultaram em perdas de área produtiva e geraram uma redução significativa dos rendimentos", aponta o comunicado.

Segundo a Bolsa, trata-se da pior safra desde o início dos registros, no ano 2000. O relatório aponta que quase todas as regiões produtoras do país foram afetadas, com uma queda dos rendimentos de 45%, que representam os piores níveis em 10 anos.

O governo argentino estimou que a perda global devido à seca no país neste ano será de cerca de 20 bilhões de dólares (96 bilhões de reais), quase 3% do PIB.

Terceiro maior produtor mundial de grãos de soja, atrás do Brasil e dos Estados Unidos na temporada 2021-2022, a Argentina é o maior fornecedor mundial de farelo e óleo de soja. Também é o terceiro maior exportador mundial de milho.

No primeiro semestre, o setor de cereais e oleaginosas perdeu 42% do seu valor de exportação em relação ao mesmo período do ano passado. Rosário, maior porto agroexportador do país, registrou uma queda forte no volume de grãos descarregados no primeiro semestre, com 12,6 milhões de toneladas, 60% a menos em um ano e menor volume desde 2001, segundo a Bolsa de Comércio de Rosario.

A seca de três anos causou prejuízos milionários aos cofres da Argentina, que enfrenta uma inflação anual de mais de 110% e precisa de divisas para honrar seus compromissos, principalmente com o Fundo Monetário Internacional, devido a um acordo de crédito de 44 bilhões de dólares (211 bilhões de reais).