A cobiçada begônia maculata  exposta em uma loja de Londrina não está à venda: fila de espera
A cobiçada begônia maculata exposta em uma loja de Londrina não está à venda: fila de espera | Foto: Gustavo Carneiro

São Paulo - Se houvesse no mundo contemporâneo um olimpo dedicado às plantas ornamentais, a Begonia maculata "wightii" certamente ocuparia uma das cadeiras reservadas às divindades botânicas. Em hastes grossas alongadas equilibram-se folhas de laterais picotadas com o verso avermelhado em contraste ao verde-escuro da parte da frente, coberto de bolas arredondadas de um branco quase prateado – um deleite estético que transformou esse cultivar, um tipo de planta melhorada que não é encontrada na natureza, em uma febre.

E enquanto o olimpo da mitologia grega abrigava deuses, a realeza das plantas ornamentais guarda preços altos. Em São Paulo, a Begonia maculata "wightii" não é encontrada por menos de R$ 200– e há até fila de espera nas floriculturas e ateliês.

A supervalorização desse tipo de begônia vem de uma combinação de fatores, como maior interesse por plantas em meio à pandemia e exclusividade na produção.

Na Blumenfee, loja de plantas na Bela Vista (região central da capital paulista), 85 pessoas aguardam na fila a chance de comprar a sua. No fim de março, a loja recebeu 110 unidades. Vendeu todas, por R$ 200 cada uma. Desde então, o preço disparou e, no fornecedor, chegou a R$ 260.

"Por esse preço, eu me nego a trazê-la para a loja. Não fiz nem o cálculo de quanto ficaria para os meus clientes. Está muito cara, não dá", diz Leda Welter, dona da loja.

Na Selvvva Plantas e Objetos, as Begonias maculatas têm chegado semanalmente, por R$ 350. "Fico desconfortável, mas é o preço. Não tem como a gente cobrar menos do que isso", diz Julia Rettmann, sócia na loja, que durante a pandemia passou a ser só online. Julia ainda tem clientes em uma fila de espera na expectativa de comprar a espécie, e ela própria teve que esperar. "Também ficamos em uma lista com o fornecedor."

O interesse na planta surpreendeu até o produtor, Mareo Fujimaki, da flora que leva o seu sobrenome. Ele diz que buscava novas espécies para o portfólio da empresa quando conheceu a maculata. "As pintas meio prateadas me chamaram muito a atenção. Ela tem um certo requinte, é mesmo uma planta muito especial", conta.

A muda mãe, também chamada matrizeiro, chegou ao Brasil no fim do ano passado, da Holanda, importante polo produtor de plantas ornamentais na Europa.

Agora, segundo Mareo, a Fujimaki está num esforço para aumentar a produção. Como o cultivo é novo, ainda existem ajustes sendo feitos. A produção das mudas, diz, é cara e demorada. "Estamos ampliando a capacidade. Cada planta leva 15 dias para produzir uma muda, então a gente não consegue alcançar volume". Semanalmente, 300 vasos de Begonia maculata da Flora Fujimaki ficam prontas para comercialização.

Detalhe da folha da planta que virou queridinha no Brasil
Detalhe da folha da planta que virou queridinha no Brasil | Foto: Gustavo Carneiro

Quando trouxe a espécie para o Brasil, Fujimaki não sabia que a febre pela planta já existia. Há alguns anos, esse tipo de begônia começou a aparecer em sites europeus e americanos e em redes sociais como o Pinterest, que descreviam a maculata como uma planta originária do Brasil. E ela é mesmo endêmica da região Sudeste – e aqui mora o equívoco: a planta brasileira é a Begonia maculata "tipo" (denominação para a espécie encontrada na natureza), e não a variação exuberante que virou objeto de desejo.

Planta não é rara, mas tem com grande valor comercial

Para o botânico Samuel Gonçalves, o erro de conceituação botânica contribuiu para a febre em torno dessa begônia. "Fala-se que ela está praticamente extinta e que é muito rara de conseguir. Ficou a história de ela ser a planta original que teria praticamente sumido da natureza, mas é um engano. Ela não é nada da natureza, é uma planta que surgiu em coleções e foi multiplicada por ter grande valor comercial, ornamental", afirma.

A identificação do cultivar "wightii" remonta a 1933, quando Karl Albert Fotsch registrou a espécie na publicação "As begônias, sua descrição, cultura, criação e história". A maculata "tipo" ainda é encontrada na natureza, segundo Samuel. A diferença é que a nativa brasileira tem frente e verso verdes. As bolinhas são menores e de um tom mais desbotado. O aumento no interesse por plantas ornamentais não chega a ser um movimento novo.

As florestas urbanas – ou urban jungles– viraram estilo de decoração, ganhando adeptos principalmente nas grandes cidades, onde a vida em apartamento responde ao apelo por mais verde e algum contato com a natureza.

Para Julia Rettmann, da Selvvva, o despertar do interesse por plantas gerou um efeito "bolsa de valores" sobre os preços: as variações cultivadas em viveiros surgem nos sites especializados e redes sociais e a febre começa a se espalhar.

Antes da pandemia, segundo ela, o objeto de desejo era a pilea, a planta chinesa da amizade. Agora, o hype começa a se formar em torno da Peperomia polybotrya, também conhecida pelo nome em inglês, raindrops. As folhas grossas são arredondadas, similares a um coração.

Leda, da Blumenfee, diz que a procura por espécies é muito influenciada pelo que circula nas redes sociais de colecionadores e entusiastas. "As pessoas me mandam fotos dizendo que querem essa ou aquela planta. O ruim é que tem muita coisa cheia de filtro. A pessoa chega aqui e nem reconhece a planta verdadeira", afirma.

Entre as espécies que explodiram de preço, a Ficus lyrata foi outra para a qual a dona da Blumenfee chegou a pausar as vendas. No início do ano, ela vendia cada vaso com quatro hastes e cerca de 1,5 metro por R$ 150 – ela chegou a R$ 270 no fornecedor. "Houve uma supervalorização de tudo. As pessoas ficaram em casa e viram que as plantas era um jeito fácil de decorar a casa", diz Leda.

Em Londrina, também há fila de espera por um exemplar

Em um dos corredores do Garden King, região Sul de Londrina, ao alcance dos olhos e toque de todos, lá está a cobiçada begônia maculata. A joia natural não está à venda e, de acordo com a proprietária do espaço e também da planta, Valderez Galdino Gomes, a filha única é a menina dos olhos e Gomes considera que o contato com tantas pessoas e os elogios que a maculata recebe diariamente contribuíram para deixá-la tão encantadora.

Enquanto alisa suas folhas, conta que seu exemplar tem 90 dias e o desenvolvimento impressiona. "Decidi deixá-la aqui porque é o lugar onde passo a maior parte de meu tempo e também para dar a oportunidade de outras pessoas se alegrarem com a sua beleza. "Fico feliz de ver as pessoas passando a mão nela de dizendo a ela que é linda o tempo todo. Quem não ficaria feliz e cresceria com tanto carinho", reflete.

Gerente do espaço, Eduardo Nogueira confirma o fascínio que essa begônia e outras como a rex exercem sobre as pessoas. De saquinhos de hortelã a orquídeas prontas para presentear, a casa de jardinagem atende clientes de vivem em apartamentos, sítios, chácaras e empresas que também fazem questão de ter pantas naturais no ambiente de trabalho. "De uma modo geral, a maculata gosta de sombra e a quantidade de água irá variar conforme o clima, ambiente e vaso em que estiver acomodada", explica. As últimas cinco que recebemos publicamos no instagram à noite e quando abrimos a loja já havia cliente para buscar e cada uma é comercializada por R$200", explica.

A Engenheira agrônoma e mestre em Paisagismo Sustentável, Maíra Roessing está à frente do Canteiro de Ideias há 16 anos. Em Londrina, atende há quatro anos e confirma a procura crescente pela begônia maculata. "Em maio, recebemos 24 lotes e todos foram vendidos ao valor de R$199, cada", explica. Um novo lote com previsão para dezembro já atrai olhares.

Mas outras tantas espécies mantêm seu lugar ao sol - ou à sombra, conforme a necessidade da planta. De acordo com Roessing, a pandemia triplicou o número de interessados em cuidar de plantas dentro de casa. "E a vontade de cuidar bem e entender a planta também., São muitas dúvidas e nos próximos dias vou oferecer um curso gratuito e online `Tudo sobre Urban Jungle´".

A Engenheira agrônoma explica que o compromisso com uma planta é tão sério como o feito com um animal de estimação. "Planta é green pet. Se não der água e comida vai morrer e com um diferencial: não fala. Então tem que observar, tocar e sentir. Por isso, o meu trabalho não é só vender, é dar consultoria e dividir os conhecimentos. O sentimento de ver a planta se desenvolver tem um poder muito grande sobre as pessoas. Viemos da natureza e estamos recriando esse hábito e tenho feedbacks muito positivos de como cuidar de planta dentro de casa faz bem", divide. (Walkiria Vieira /Reportagem Local)