''O grande problema da agricultura é que o produtor não conhece o chão e continua a aplicar receitas que não funcionam. Quem deve concordar se a tecnologia está correta é a planta e não o extensionsita ou o certificador''.
A afirmação é da engenheira agrônoma Ana Maria Primavesi, 83 anos, especialista em agricultura orgânica que esteve em Londrina na semana passada, participando do 1º Curso de Agricultura Natural e Orgânica. O evento, que se encerra no dia 20 de julho, é promovido pela Fundação Mokiti Okada em parceria com a Emater, Secretaria da Agricultura e do Abastecimento (Seab) e Secretaria Municipal de Agricultura.
Para Ana Maria, que há quase 60 anos difunde conceitos de agroecologia no Brasil, é errada a idéia de que o produto orgânico é feio e pequeno. Ao contrário, frutas e verduras pouco atraentes indicam que a prática de cultivo está errada ou o solo possui deficiências nutricionais. ''Quando o solo está bem tratado a qualidade dos orgânicos é muito superior a do convencional. O produto é maior, mais gostoso e de melhor conservação'', garante.
Equívoco - O grande problema do cultivo orgânico, para a professora, é ser tratado como agricultura substitutiva. ''Simplesmente substituem um adubo químico por um orgânico, um agrotóxico por algum caldinho e isso não melhora nada, não modifica e só piora, então, essa agricultura não funciona mesmo''. Ela destaca que a cultura exige um enfoque diferenciado, um tratamento ''igual ao que a natureza dá''. A receita está na observação do comportamento da terra e das plantas solo e raiz dão 99% das informações que a produção exige. ''Pelo cheiro da terra e da raiz se controla o trabalho. O aroma fresco indica que a terra está bem agregada'', atesta.
Ana Maria é nascida e formada em agronomia na Áustria, mas mora no Brasil desde 1948. Foi professora numa universidade em Santa Maria (RS). Há doze anos ela é consultora da Fundação Mokiti Okada e atua ainda como agricultora na cidade de Itaí (SP). A agrônoma é referência em orgânicos no País, além de ser considerada uma das pioneiras na difusão de práticas de agricultura sustentável. Crítica, ela garante que entre os erros praticados com a terra está a aplicação de tecnologias importadas. ''Técnicas de manejo do clima temperado europeu não funcionam no clima tropical e ainda empobrecem o solo''.
As ervas daninhas, de acordo com a professora, têm importante papel na adubação e correção de solos: ''A viabilidade do solo depende da biodiversidade'', garante. Ela cita que uma campanha movida por estudiosos da terra em manter no campo o mato que não prejudica a cultura, como as de folhas largas. Além do manejo do mato, a biodiversidade pode ser feita com a rotação de culturas e cultivos consorciados.
Algumas ervas agem ainda como indicadoras das deficiências nutricionais. O amendoim-bravo, por exemplo, mostra carência de molibidênio; a azedinha ou trevinho indica falta de cálcio; a língua-de-vaca mostra excesso de nitrogênio por composto anima; e a guaxuma é sinal de uma camada dura a menos de 10 cm de profundidade.
  Ana Maria destaca que a camada verde formada pelo mato, além de manter a umidade, funciona como alimento das bactérias encarregadas de mobilizar os nutrientes do solo. A professora cita que uma área de monocultura permite o desenvolvimento de cerca de 8 bactérias, já num solo diversificado essa população é superior a 250 espécies. ‘‘Quanto mais bactérias melhor’’.
  Outra observação feita por Ana Maria é que a matéria orgânica deve ser mantida na superfície do solo, para um trabalho ‘‘de cima para baixo’’. A ação desse adubo é benéfica quando a decomposição é feita por bactérias aeróbicas. A incorporação da matéria orgânica no solo a mais de 5 centímetros de profundidade provoca a decomposição anaeróbica e, segundo Ana Maria, traz problemas à terra. ‘‘Elas produzem gases tóxicos à planta’’. Esse efeito ocorre com qualquer tipo de matéria orgânica, seja adubação verde, palha ou composto.
  O primeiro passo para uma agricultura ecológica e produtiva, ‘‘dentro dos moldes ditados pela natureza’’, na concepção da professora, é a recuperação do solo. ‘‘Terra não se concerta com máquinas, mas com raizes, bactérias e matéria orgânica’’, resume. Ela admite que isso exige um processo de convencimento do homem do campo, da aceitação de sua capacidade e inteligência na administração da terra. Ana primavesi conclui dizendo que: ‘‘temos que modificar profundamente a consciência do homem, de seu valor e da sua capacidade de observar – a observação é a base da agricultura’’.