DEDO DE PROSA: Saudades do meu avô
Depois de quase um ano da sua despedida e depois de mais de cinco anos de faculdade, hoje é o dia da minha formatura
PUBLICAÇÃO
sábado, 27 de julho de 2024
Depois de quase um ano da sua despedida e depois de mais de cinco anos de faculdade, hoje é o dia da minha formatura
Gabriel Faria

Foi ali, vô, no lusco-fusco do hospital, ao lado daquela cama branca, naqueles minutos que antecedem a partida, que eu entendi tudo, que senti pela primeira vez que a minha vida nunca mais seria a mesma, muito diferente da vez que o senhor me ensinou a andar de bicicleta ou da vez que me ensinou a matar as baratas, agora seria tudo diferente, mas desta vez, a vida tinha se transformado para pior.
Foi a primeira vez que senti uma dor tão grande que era incapaz de descrever em palavras ou impossível de expressar em sentidos. Desmaiei. Desmaiei, vô, e se o senhor tivesse visto a cena, teria dado inúmeras risadas da enfermeira tentando me fazer acordar e ficaria preocupado, como sempre, mas dessa vez, resolvi te poupar dessa preocupação boba.
Foi ali, vô, a primeira vez que desejei trocar de lugar com um alguém doente, e esse alguém só tinha que ser o senhor, naqueles segundos, desejei sentir tudo que o senhor sentia, e ficava me questionando se não era para ser eu no seu lugar, seria tudo tão mais fácil e mais simples, vô. A vovó e a mamãe estariam sorrindo como nunca, como daquela última vez que nos falamos por telefone.
Foi ali que eu entendi tudo, vô, eu entendi que a vida teria que continuar, mas que desta vez, ela continuaria sem a presença e os abraços do senhor. Por que o senhor, vô? Tantos avós por aí, e tinha que ser logo o meu?
Logo você, vô, que sempre tinha o costume de sempre chegar mais cedo nas coisas, não podia, pelo menos uma vez na vida, se atrasar e ficar mais um pouco?
A vida continuaria e nós viveríamos um dia após o outro. Evidentemente, tudo continuou, vô, não me pergunte como ou porque, mas as coisas que envolvem a vida eram bem melhores ao seu lado. Como era possível um senhor que tenha me ensinado tantas coisas nessa vida, não me ensinar a viver sem um avô.
Depois de quase um ano da sua despedida e depois de mais de cinco anos de faculdade, hoje é o dia da minha formatura. Obrigado por tudo, vô. Tenho um último pedido: me promete que no dia que as coisas estiverem tranquilas aí em cima, vê se tem como o senhor voltar para me ensinar a cuidar da vovó e da mamãe? Enquanto isso, vou vivendo por cá.
Gabriel Faria, advogado.

