Depois de 40 anos trabalhando como bancário, José Teodoro resolveu se aposentar. Devido ao ramo de atuação, precisou morar em duas ou três capitais e em muitas cidades do interior. Dizia que as mudanças constantes de residência sempre o incomodaram, mas faziam parte da profissão. O último lugar onde morou foi em Cornélio Procópio, no norte do Paraná.

Com a aposentadoria e economias de uma vida inteira José pode realizar seu sonho: comprar uma propriedade rural para viver com mais tranquilidade, sem a correria da cidade. Seus filhos estavam encaminhados e junto com a esposa começou a procurar um sítio para comprar. Não demorou muito até encontrarem uma propriedade na região de Sertaneja, bem perto de Cornélio Procópio. Alugaram a casa na cidade, passando a morar no sítio, cientes de que teriam menos conforto e maiores dificuldades. José Teodoro tinha muito conhecimento na área financeira, mas entendia pouco de agricultura. Por isso decidiu que o sítio seria utilizado para lazer e não para produção.

Comprou algumas cabeças de gado e reservou uma área para o plantio de frutas, legumes e hortaliças e outra para a lavoura de milho. Não queria mexer com muita plantação e pensava em manter o pasto como havia encontrado, para preservar a beleza do lugar, já que o terreno era plano. Após um ano da mudança tudo corria bem, o sítio era seguro e haviam feito amizade com a vizinhança. Teodoro estava ambientado ao barulho dos bichos, mas havia uma coisa com a qual ele não conseguia conviver. Era um canto tão alto ao amanhecer que dava pra ouvir a mais de um quilômetro de distância. Parecia um som de alarme, algo incômodo e irritante. De início achou que fosse uma araponga, mas depois de ter conversado com algumas pessoas da redondeza ficou sabendo que se tratava de uma siriema. Ave comum nos cerrados, capoeiras e pastagens, a siriema vive aos pares ou em bandos pequenos.

Tem cauda, pernas e pescoço longos, chegando a quase um metro de altura, plumagem na cor cinza com tons amarelados, bico e pernas vermelhas, além de uma crista formada por penas. Faz ninho em árvores baixas utilizando gravetos forrados com estrume de gado ou barro com folhas secas. Se alimenta de ovos, frutas, insetos, pequenos roedores, lagartos, sapos, rãs e cobras.

Pode ser encontrada próximas às pastagens ou procurando alimento em locais com esterco, onde existem insetos. Costuma gritar enquanto devora uma presa, durante o acasalamento e quando está bem alimentada e descansando. É uma vocalização forte e extensa, mais parecendo um grito repetido, que pode durar vários minutos. Foi essa gritaria que acabou esgotando a paciência do Teodoro.

Certa vez acordou de madrugada e foi descobrir onde a siriema dormia. Encontrou um bando de aves empoleiradas nas árvores em um canto do sítio. Não teve dúvidas.

Voltou pra casa e pensando num jeito de espantá-las pegou uma caixa de fogos de artifício que havia sobrado da festa junina. Ainda no escuro, um pouco antes do amanhecer disparou os foguetes em direção às árvores, tomando cuidado para não acertar as aves.

Assustadas com o barulho dos rojões as siriemas logo deixaram o lugar. Naquele mesmo dia ele cortou todas as árvores onde os pássaros costumavam ficar.

Depois disso José Teodoro ficou mais tranquilo, sem os gritos que o aborreciam todas as manhãs. Só que a calmaria durou poucos meses. Foi quando começaram a aparecer muitos insetos, lagartos, sapos e serpentes na propriedade.

Sem saber o que fazer, foi conversar com o vizinho do sítio ao lado sobre a infestação.

- Olha seu Zé, por aqui não tem esses bichos não, respondeu o sitiante.

E acrescentou: ainda mais agora que um outro bando de siriemas se mudou pra cá. O senhor sabe que pelo fato de comer cobras a siriema é uma benção pra nós?

Gerson Antonio Melatti, leitor da Folha.