Éramos pequenos demais para a lida no campo, mesmo assim acompanhávamos nossos pais e tios nas tarefas da lavoura. O dia começava bem cedo, algumas vezes ainda com restinho de escuridão sumindo mansinha com os primeiros raios do sol. Bocejos eram incontroláveis e a vontade de voltar para a cama era grande demais. Resistíamos bravamente.

Um carreador meio íngreme dividia a plantação e servia para escoar a produção até o terreirão que ficava em frente à velha casa de madeira onde morávamos. Em certa altura dele havia um enorme toco queimado do que fora antes uma antiga “Santa Bárbara”. Tínhamos medo de passar ali sozinhos, principalmente nos finais de tarde, pois nos contavam histórias sombrias sobre o que acontecera ali e temíamos que algo sobrenatural pudesse nos atingir! “Cruz credo”!

Imagem ilustrativa da imagem Dedo de Prosa| Dia de roça
| Foto: Marco Jacobsen

Nos dias de capina acompanhávamos os adultos com nossas pequenas enxadas nas costas carreador abaixo como que querendo nos igualar às suas qualidades físicas e laborais. O orvalho respingava nos pés quando as enxadas principiavam a derriça do mato. Vez ou outra parávamos para descansar e tomar água fresquinha da moringa que ficava escondida na sombra do pé de café. Os adultos conseguiam beber direto no bico entornando-a acima do ombro “guela abaixo”. Já nós, por falta de força e agilidade, recorríamos às velhas canecas de alumínio meio amassadas que levávamos dependuradas na enxada sacolejando de um lado para o outro.

Na hora do almoço, lá pela dez ou onze da manhã, mamãe trazia as marmitas quentinhas preparadas com simplicidade com o que havia disponível no dia. Envoltas em panos de prato branquinhos e amarradas com dois nós fortes, eram distribuídas um a um. Sentados à sobra dos pés de café com colheres nas mãos, devorávamos avidamente aquelas iguarias.

As misturas variavam entre ovo frito, torresmo, gomos de linguiça fritos ou pequenos pedaços de carne de porco que ficavam mergulhados em latas com banhas que duravam por meses. Quiabos, jilós ou abóboras cozidas complementavam o cardápio caipira. Ahhh... e aquele feijão novinho por cima do arroz branquinho e fumegando quando retirávamos a tampa da marmita...misericórdia! À tarde, pão caseiro e café com leite ajudavam a revigorar.

De volta para casa, sentávamos por um tempo embaixo da paineira para descansar e contabilizar os trabalhos e façanhas do dia. Seguindo uma hierarquia, a hora do banho parecia uma procissão... cada um aguardando sua vez para retirar o pó e o suor do corpo. Nosso chuveiro consistia em um velho balde suspenso e sustentado por uma corda atrelada a uma pequena carretilha. A quantidade de água morna era limitada: um balde, um banho! Não nos dávamos ao luxo de manter sempre aberto o pequeno registro correndo o risco de terminar o banho com água fria que mamãe trazia numa caneca.

Sabonete? Não, não conhecíamos! Pedaços de sabão caseiro e bucha vegetal colhida na cerca do pasto eram os apetrechos de higiene que dispúnhamos.

Ao anoitecer, no fogão à lenha, mamãe preparava carinhosamente o jantar. Pedaços de carne de porco envoltos na mais pura banha eram colocados na velha panela de ferro. O barulho da fritura e o cheiro que exalava na cozinha atiçava até as nossas mais tímidas lombrigas... inebriando nossos sentidos aguçando ainda mais a fome.

Satisfeitos e refeitos, sentávamos em silêncio com papai nos degraus da cozinha que davam para o terreirão enquanto mamãe organizava as louças na cozinha. Palitava calmamente os dentes contemplando as estrelas e a escuridão da noite. Vagalumes, grilos, alguns coaxos completavam a alegria de mais um dia vivido na roça. Lamparinas apagadas, era hora de dormir pois no outro dia a vida seguia dura e bela novamente! Eita mundo bom!!

Valdinei Franco é leitor da FOLHA!