DEDO DE PROSA: Coisas de bazar
PUBLICAÇÃO
sábado, 13 de julho de 2024
Dailton Martins
Quem já não entrou num bazar e não ficou maravilhado com as coisas que encontrou lá? Bazar nos remete às antigas vendas de sítio, pequenos armazéns onde se encontrava de quase tudo.
É interessante como a mente humana inventa coisas. Quando já se pensou que tudo foi inventado, vem mais alguma coisa que a gente nunca viu ou não achava que poderia ser inventada. E não é coisa muito sofisticada, não. Às vezes uma coisas simples, um descosturador de linha, por exemplo.

Lembro que certa vez uma pessoa entrou no meu bazar e perguntou sobre uma propaganda que eu tinha feito lá fora - numa daquelas placas que, naquela época podia ter na calçada. O cliente perguntou se não era proibido vender abridor de casinha. Fiquei intrigado e perguntei a ele por que poderia ser proibido vender um abridor de casinha de botão de roupa desses que as costureiras usam pra também descosturar uma linha ou tirar o zíper estragado de uma calça ou vestido para depois colocar um novo. Um breve silêncio e logo caímos na risada, pois ele tinha se confundido, achando que era um instrumento de abrir fechaduras.
Bazar tem dessas coisas. Quando alguém pede um grampo você tem que saber se é para grampeador ou se é para cabelo, a antiga ramona, pois há coisas diferentes com o mesmo nome. É como alfinete. Tem alfinete de cabeça para costura e para colocar em mapas, um mais longo o outro mais estreito, alfinete de segurança, que é daqueles que abrem e fecham. Antigamente se colocava em fraldas de bebês pois eram de tecido. Hoje ninguém faz mais isso. E por aí vai.
Bazar é um lugar cheio de histórias. Chegou um garotinho, certa vez, e perguntou se tinha `cedezão´. Eu disse que não tinha. Achei que era brincadeira dele, mas disse que seu primo havia comprado um ali no meu bazar por aqueles dias. Fiquei pensando o que seria um cedezão. De repente ele vê um disco de música de vinil, daqueles antigos LPs e apontou com alegria. "Ali, ó. Não falei que tinha?" E tinha mesmo razão. O cliente sempre tem razão, não é mesmo?
Uma vez, então, chegou um senhor de idade, cliente há tempos, com uma caixa que parecia bem antiga. Perguntou se eu podia de vez em quando oferecer para alguém aquele chapéu que havia ganhado há muitos anos e como não lhe coube ficou com vergonha de devolver o presente.
Mas não era um simples chapéu, era um chapéu Vicente Cury, que há muitos anos foi uma marca famosa, inclusive, que fabricou o chapéu do personagem Indiana Jones. Muito famosa marca e muito tradicional, dos tempos em que se usava muito o chapéu. Com muito tato eu lhe disse que era difícil vender pois na nossa região o pessoal já não usava mais chapéu, era muito antigo e ainda tinha que achar alguém que tivesse aquele tamanho de cabeça. Poderia demorar a vender. Ia ficar empoeirando na prateleira. Ele insistiu. Eu vi que aquela era a situação em que a amizade valia mais que o dinheiro. Disse a ele que poderia deixar que eu ia oferecer o chapéu se aparecesse alguém querendo comprar um chapéu.
Depois de uns meses empoeirando na estante, aparece um homem perguntando se eu vendia chapéu. Eu olhei para a caixa do Viente Cury na estante e disse ao homem que havia um. O homem disse que o pai dele estava num hospital muito doente e tinha pedido a ele que queria um chapéu como o que ele tinha quando era moço .O homem havia andado em vários lugares pela cidade pra achar um chapéu Vicente Cury!
Parecia até encomenda! Vendi o chapéu sem lucro em consideração ao meu velho amigo. Eu não quis aquele lucro. Senti-me satisfeito em apenas ter intermediado o negócio. Afinal foi por uma boa causa. Pois é, bazar tem muitas histórias.
Dailton Martins, leitor da FOLHA

