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. | Foto: Marco Jacobsen

Em um passado recente, uma coisa interessante numa visita, fosse pela simplicidade ou pelo luxo, eram as xícaras, guardadas como tesouros nas antigas cristaleiras que praticamente toda família tinha em casa, sendo algumas vezes até mesmo herdadas de familiares.

Dentro daquele móvel, o tempo parecia não passar. Tudo brilhava como no dia em que tivesse sido colocado lá dentro. Era como um cofre de vidro fechado com tranca e chave. Tudo dentro da cristaleira era para ser intocado com exceção de quem fazia a limpeza e o polimento do que havia ali. Os copos e os pires com bordas e frisos dourados e alguma peça de prata quando a família ganhava o presente de casamento de algum padrinho mais abastado.

Lembro que antigamente a gente não tinha dinheiro para comprar um jogo de café, que era muito caro. Então, minha mãe colocava na mesa das visitas as xícaras de casamento. Também usávamos os copos mais bonitos quando vinham parentes de longe. Mais para acolher com dignidade a visita do que para exibir um falso luxo.

O duro era quando quebrava algum daqueles copos ou xícaras. Peças insubstituíveis. Chegava uma hora que já não havia mais como disfarçar a simplicidade excessiva das xícaras sem pires e os jogos de copos todos diferentes uns dos outros. E, por mais que não se quisesse reparar, as visitas ouviam aquela máxima: “Não repara nos copos...”

Hoje em dia a gente compra em qualquer bazar ou supermercado um jogo de boa qualidade por uma quantia bem módica - gosto deste termo, por isso vou usá-lo em detrimento de barato ou de pouco valor. Numa certa época a gente comprava extrato de tomate de copo, que vinha com uns desenhos bonitos e que davam até pra fazer coleção.

Não era caro e quando quebrava algum dava para fazer a reposição mais facilmente comprando no comércio mais próximo. Dupla vantagem. Mas não era pra quebrar à vontade. Com o tempo os copos foram se popularizando tanto até se tornarem tão usados que todo mundo tinha um monte em sua casa. Era motivo até de brincadeira porque todo mundo tinha igual.

Hoje caiu o uso, mas tem novo nome: kitsch - algo como uma forma de expressão cultural do mobiliário que caiu em desuso, mas nos traz uma ideia de uma época. Hoje a moda é variada e todo mundo usa o que bem entende na mesa. Já não existem mais as cristaleiras, repositórios da história da família com suas lembranças antigas que traziam uma certa nostalgia nos objetos guardados.

Ficam para o passado algumas páginas contadas de um brilho das vidas de nossos pais e avós, assim como parte de uma época em que a família era pensada para sempre. E vai-se o mesmo brilho das xícaras douradas das festas de casamento e os copos que se deixavam para a posteridade.

Parece que o que ficam mesmo são os cacos de tempos que não voltarão jamais. Mas há sempre esperança e as novas gerações, embora mudem, não perdem a essência do que nos transforma e ao mesmo tempo nos mantém nessa caminhada ininterrupta com tanta perplexidade em viver tempos tão volatilmente diferente. Que a memória do passado não perca seu brilho de cristaleira pelo menos em nossas lembranças.

Dailton Martins, leitor da FOLHA