Imagem ilustrativa da imagem DEDO DE PROSA - É hora do chá
| Foto: Marco Jacobsen

As folhas colhidas no canteiro e lavadas uma a uma iam para a chaleira. A mesa posta com as canecas sortidas para as crianças e xícaras com pires para os adultos anunciavam a reunião. Era fim de semana: uns levantavam da cesta, as mulheres se juntavam na cozinha e as crianças escapavam do sol.

Em instantes, o perfume de capim cidreira se espalhava pela cozinha e sala - ambientes integrados e toda a casa à natureza. Bolachinhas de nata preparadas no dia anterior e um bolo de fubá saído do forno desenhavam a composição. As maçãs murchas viraram geleia, havia manteiga e pão caseiro. O café passado na hora e o leite amornado aguardavam a família de férias.

A folga no trabalho e o recesso das aulas criavam um clima para o ócio - passível até mesmo para se pensar em fazer doce de mamão verde - com direito a ficar de molho na cal. O mamão era fartura em toda a volta da casa e antes de virar comida para os passarinhos, poderia ganhar essa versão de doce: tão artesanal como saboroso. Em especial para quem é fã de simplicidade.

As mãos limpas e a cessão dada aos mais velhos de se servirem em primeiro lugar eram as regras básicas. Nada cerimonioso, mas harmônico era o momento do chá. Que também tinha café, leite, as sobras da despensa e o que se pudesse aproveitar. Tardes com sol, com companhia com lembranças do passado e que faziam o presente mais feliz. A mamãe vez ou outra era lembrada por sua notória capacidade de contar histórias de lobisomem, é claro, na hora de as crianças dormirem.

Numa delas, um casal passeava calmamente com um bebê. Apontou a lua cheia. O homem disse que não se sentia bem. Afastou-se da família e a esposa não mais o enxergou. Chegou um lobisomem. Ela lutou bravamente contra o ser metade homem, metade lobo. Parte da manta fora destruída.

O coração da mãe palpitava, a criança estava serena. O marido voltou. Com os dentes cheios de lã. Histórias para ninar. Era o repertório da mamãe. E então, às vezes a gente já ia dizendo que não precisava contar, já estávamos com muito medo, digo sono.

O chá ia que era uma beleza. A forma com bolo de fubá cortado em quadradinhos era a primeira a ficar vazia. O tempo passava gostoso. Dias bem aproveitados. Sem televisão nos quartos e sem wi-fi na casa, a turma toda se reunia também na sala e na porta da casa para conversar, comer e ver o movimento da noite.

Numa casa de férias em que todos eram de pular cedo da cama, o pôr do sol, a chegada dos vagalumes e a presença dos besouros que se revezavam a cada estação iam naturalmente acalmando os ânimos. O corpo pedia cama de uma canseira tão boa. De manhã, a natureza se refazia e feito o despertador da cidade, os passarinhos se reuniam do lado de fora da janela e a cantoria da ilha é ainda o melhor bom dia.

Walkiria Vieira é repórter da Folha de Londrina