DEDO DE PROSA - De volta pra escola
O cheiro dos livros novos me fascinava. Ficava abrindo e fechando suas páginas sentindo aquele aroma
PUBLICAÇÃO
sábado, 11 de fevereiro de 2023
O cheiro dos livros novos me fascinava. Ficava abrindo e fechando suas páginas sentindo aquele aroma
Valdinei Franco é leitor da FOLHA
De volta pra escola, meu pai, seo Zé do Bar - para aqueles que o conheceram – falava que somente frequentou escola por 28 dias! Dizia ele que trabalhava o dia inteiro na roça e que quando principiava a tarde, partia para a velha casa, tomava banho às pressas, fazia uma pequena refeição e ia a pé ou às vezes no lombo de cavalo por quase 5 quilômetros até chegar na escola da pequena cidade do interior do Paraná.

O regresso era feito as escuras, seguindo a velha trilha esculpida no chão naturalmente ao longo dos anos ou confiando nos instintos do animal que lhe servia de transporte. A rotina e o cansaço da lida nos cafezais fizeram que ele, já em idade tardia para os anos iniciais de alfabetização, parasse de frequentar as aulas regulares.
Conhecendo apenas alguns rudimentos da escrita e dos números, caminhou sua vida. Apesar das aulas que não teve, dominava as somas matemáticas na hora de calcular as dívidas da “cadernetinha” que muitos fregueses tinham em seu bar na hora do “acerto” no final do mês. Com o tempo e persistência lia pausada e silabicamente cada palavra até entender o significado da mensagem daquele embaralhado de letras.
A dura vida no campo, a necessidade de ajudar os pais nas lavouras e muitas vezes a distância das escolas afastaram muitos jovens da formação acadêmica formal e os privaram do contato com a cultura universal. Mas nada disso lhe tirou a gentileza, a generosidade, a educação, a bondade e a simplicidade próprias de quem cresceu e viveu sem as “maldades” e pecados da vida urbana. Hoje o acesso à educação está muito diferente dos vividos pelos nossos avós e pais que viveram no século passado.
Existem as escolas rurais, urbanas, modalidade de ensino à distância, ferramentas de aprendizagem e plataformas que favorecem e ampliam o acesso ao conhecimento e ao ensino formal. O mundo de informações e o acesso a todo patrimônio cultural mundial estão a um clique ou um simples toque de dedo numa tela digital.
Recordo-me do primeiro dia de aula que tive quando saí do ensino fundamental 1 e ingressei num colégio maior para dar continuidade aos estudos. Partimos da periferia com camisa branca, short azul e um tênis preto muito famoso na época que possuía um cadarço enorme. O velho ônibus amarelo deixava um rastro de poeira para trás até atingir os asfalto e chegar à “cidade”.
O primeiro dia na nova escola foi de uma quietude e desconforto total. Sem amigos, com muita gente “estranha” não queria mais voltar. Mas sabe como eram as mães...O cheiro dos livros novos me fascinava. Ficava abrindo e fechando suas páginas sentindo aquele aroma. Minha memória olfativa até hoje sente o frescor da tinta e me remete à doce infância na escola!
Cadernos em branco, borrachas, caixa de lápis coloridos, cola, régua e até um compasso faziam parte das “ferramentas” de trabalho. Mochila? Não! Isso não fazia parte! Nossos recursos não chegavam a tanto para três filhos! Um bornal de tecido fazia bem a mesma função e nunca nos sentimos inferiores por usá-lo. Um salve aos professores que dedicam suas vidas ao sacerdócio de ensinar e transmitir conhecimentos.
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