André, o pedreiro, foi contratado para construir a nova casa do sítio que tinha sido dos meus bisavós. Meu pai, que comprou um pequeno pedaço de terra de um dos herdeiros, depositou no trabalhador a esperança de, finalmente, ter um modesto recanto para passar os fins de semana na zona rural.
O local foi cuidadosamente escolhido a partir da história da família. No mesmo terreno, décadas atrás, o nonno havia edificado a casa de madeira e sapé que acolheu o nascimento dos filhos. Material de construção comprado, cabia a André levantar as paredes do sonho familiar.
Todos os dias, meu pai levantava cedo para levar o pedreiro ao sítio, e voltava no final da tarde para buscá-lo. Depois de alguns dias, o trabalhador sugeriu ficar morando na obra, o que foi prontamente aceito por meu pai. E aí começou a confusão.
André, sempre penteado e exageradamente perfumado, começou a se mostrar desleixado com o serviço e com a própria aparência. A obra não andava e a culpa, conforme explicava ao ''patrão'', era de duas mulheres com saias de cigana e olhos de fogo que apareciam de madrugada no paiol.
''São duas assombrações que vêm todas as noites, professor!'', contava ele ao meu pai, com os olhos esbugalhados de medo. Com riqueza de detalhes, descrevia as aparições e explicava que, por medo delas, passava as noites acordado. ''Aí acabo dormindo durante o dia.''
Não havia argumento que aplacasse o terror do homem. Numa noite, chegamos a ficar no sítio até tarde da noite para flagrar as criaturas assombrosas, mas elas, ''estranhamente'', não apareceram. Como o serviço não rendia, meu pai decidiu dispensar André, não sem lamentar pela decisão.
Quando o novo pedreiro chegou ao sítio e começou a mexer nos materiais, conseguimos desfazer o mistério das assombrações. Escondidas entre tijolos, cimento e madeira, ele encontrou várias garrafas de cachaça vazias.
Com tanto álcool na cabeça, concluímos que André devia mesmo ver as mulheres de olhos de fogo e saia cigana que dançavam no paiol. Mas, ao invés de assombrações, eram ébrias alucinações do nosso imaginativo pedreiro.
Carolina Avansini é jornalista da Folha de Londrina