Segundo o Deral, 3 milhões de hectares poderiam ser ocupados com trigo no inverno em território paranaense
Segundo o Deral, 3 milhões de hectares poderiam ser ocupados com trigo no inverno em território paranaense | Foto: Jaelson Lucas / AEN

A cultura do trigo vem perdendo espaço no agronegócio paranaense e brasileiro. Na década de 1980, o Brasil produzia até 3/4 do consumo nacional. Hoje, a produção nacional abastece apenas 50% do Brasil e o restante é preciso completar com importações.

Carlos Hugo Winckler Godinho, agrônomo do Deral (Departamento de Economia Rural), órgão ligado à Secretaria da Agricultura e do Abastecimento do Estado, explica que boa parte do espaço ocupado pelo trigo atualmente vem sendo tomada pelo cultivo da segunda safra de milho, devido a uma maior rentabilidade e menor risco desse grão.

“Além de ser plantado no inverno e correr mais risco de ser afetado por geadas, existe a questão de o trigo ser colhido na primavera, o que acaba muitas vezes sendo época de chuva na colheita. E a melhor qualidade do trigo só é atingida quando não há esses tipos de problemas climáticos, como seca ou chuva na colheita, que acabam baixando a aptidão industrial desse trigo e desvalorizando o produto”, explica.

O agrônomo acrescenta que a dificuldade de sermos autossuficientes na produção de trigo passa principalmente por uma menor aptidão climática, que torna o cultivo do trigo bastante arriscado, tanto na questão agronômica, quanto na questão financeira.

“Ainda que tenha menor aptidão que outras regiões do mundo, o Sul brasileiro guarda características mais apropriadas para a produção no Brasil do que a região tropical. Há uma tentativa permanente de estender a produção nacional para a região tropical, porém ela esbarra especialmente em problemas fitossanitários”, pontua.

Um dos problemas fitossanitários apontado pelo agrônomo é a brusone, doença causada por um fungo chamada também de branqueamento da espiga.

POTENCIAL

O técnico do Deral considera que o Paraná tem muito potencial para incrementar a área de trigo. “A soja ocupa uma área de 5,6 milhões de hectares e poderia ter plantio de trigo na sequência. Mesmo descontada a área de milho de segunda safra plantada em sucessão, ainda teríamos 3 milhões de hectares que poderiam ser ocupados com trigo no inverno, mas apenas 1,2 milhão foi ocupado com trigo em 2021, não devendo haver uma modificação expressiva em 2022”, projeta.

Ele explica que o “problema” do trigo é que, além do custo alto, que muitas vezes deixa a rentabilidade no limite ou até negativa, há um risco muito alto com a cultura.

“Além disso, uma área maior exigiria que se plantasse mais tarde a soja, em função da demora na colheita do trigo. Mas sendo a soja o carro-chefe de rentabilidade na propriedade, qualquer incômodo à sua implantação é evitado. Além disso, a proximidade com a Argentina, com uma aptidão natural maior para produzir trigo, é também um grande dificultador dessa expansão de área.”

MANUTENÇÃO

O agricultor Marcelo Bulle de Queiroz e Silva planta trigo na sua propriedade em Londrina há 15 anos. De lá para cá, manteve a área plantada dessa cultura, já que, segundo ele, o milho acaba compensando mais e não há mais terras para a expansão da cultura de inverno.

“O trigo é menos lucrativo e mais suscetível ao clima e a doenças. No ano passado, tive uma perda grande”, relembra. Silva colheu 460 toneladas de trigo em 2021, após registrar uma perda de 40% da produção.

O plantio do trigo neste ano começa agora em abril e a colheita está prevista para o final de agosto. O agricultor tem a expectativa de plantar 242 hectares de trigo na sua propriedade de 720 hectares.

“Hoje o mercado do trigo está excelente. Acho que 2022 será melhor que 2021, mas depende do clima. O preço da saca de 60 quilos este ano deve superar bem o do ano passado por causa da guerra”, projeta.

Para obter o máximo de produtividade e qualidade, Silva segue à risca as recomendações do agrônomo nos tratos da lavoura, com aplicação de defensivos da maneira correta em todas as fases do cultivo.

“Os maiores desafios são o clima, um fator que não tem como controlar, além do alto custo dos insumos”, conclui. Toda a produção de trigo do agricultor é remetida para duas cooperativas – Integrada e Cocamar.

GUERRA

Sobre a guerra na Ucrânia, o agrônomo Carlos Godinho explica que o conflito inicialmente não afeta as relações comerciais de trigo entre o Brasil e outros países, visto que não temos negócios frequentes desse cereal com a Ucrânia e a Rússia.

“Nossas relações comerciais de trigo são normalmente concentradas no Mercosul, especialmente na Argentina. Quando esses mercados não são capazes de nos fornecer em quantidades suficientes, buscamos nos Estados Unidos e no Canadá.”

O técnico pondera, porém, que grandes mercados compradores são dependentes das exportações russas e ucranianas, que representam quase 30% de todo o comércio internacional.

“Caso países que se abasteciam no Mar Negro passem a buscar outras fontes, a Argentina poderá aparecer como opção, gerando competição no mercado e, consequentemente, aumento dos preços, como já está sendo sentido ainda que de maneira menos intensa que em outras regiões.”

RANKING

No ano passado, o Paraná ficou em segundo lugar como maior produtor nacional de trigo. “Em 2021, o Rio Grande do Sul produziu mais em função das perdas pela seca no Paraná. Porém, historicamente, o Paraná produz mais e planta a maior área”, explica. Esses dois Estados do Sul do país respondem por mais de 90% da produção nacional.

Dados do Deral mostram que, na safra do ano passado, Cascavel foi o maior município produtor de trigo no Paraná, com 114,8 mil toneladas que geraram um VBP (Valor Bruto da Produção Agropecuária), a riqueza produzida pela atividade, de R$ 130,1 milhões.

Na sequência veio Tibagi, com 111 mil toneladas e VBP de R$ 125,7 milhões. Guarapuava ficou na terceira colocação, com 71,3 mil toneladas produzidas e VBP de R$ 80,8 milhões.

Ciclo do trigo ocorre no inverno, com plantio previsto para abril e colheita no final de agosto
Ciclo do trigo ocorre no inverno, com plantio previsto para abril e colheita no final de agosto | Foto: Jaelson Lucas / AEN

PREÇOS

Os preços do trigo para o produtor paranaense reagiram após o Carnaval e alcançaram patamares acima de R$ 100 a saca de 60 quilos. É um estímulo para o plantio no Estado, mas a cultura ainda enfrenta forte concorrência com o milho de segunda safra, com melhor retorno financeiro.

O relatório do Deral referente a fevereiro deste ano aponta custo variável de produção de R$ 93 para uma saca de 60 quilos de trigo. Esse valor é 64% superior ao praticado em fevereiro de 2021, quando estava em R$ 57,11.

Segundo o documento, um dos principais fatores da elevação é o preço dos fertilizantes, que corresponde a mais de 40% do custo da produção e praticamente dobrou neste último ano, onerando em R$ 20 o custo para produzir cada saca.

Se esse valor persistir, os triticultores terão um estímulo a mais para o plantio dessa cultura. No entanto, podem enfrentar a concorrência com o milho de segunda safra, que tem previsão de ocupar 2,6 milhões de hectares e está com 69% da área plantada no Estado.