Canteiro de peixinho: folha é muito consumida por veganos, empanada e frita, por lembrar o gosto do lambari
Canteiro de peixinho: folha é muito consumida por veganos, empanada e frita, por lembrar o gosto do lambari



No Brasil, comida boa é mato. Muitas vezes, literalmente. O problema é que muitas fontes diferentes de sabores e nutrientes são descartadas como ervas daninhas ou desconsideradas como parte do cardápio por desconhecimento, como no caso das Pancs(plantas alimentícias não convencionais). Essas variedades nativas que muitas vezes surgem no meio das plantações ganham cada vez mais atenção de cozinheiros renomados brasileiros, mas pouco aparecem nos pratos de moradores dos centros urbanos. Há, no entanto, pesquisadores e pequenos agricultores que insistem em manter vivo o consumo de vegetais, raízes, frutas e flores alternativos.

Para eles, não se trata de discutir a importância da produção agrícola mecanizada, mas, sim, evitar o desperdício de produtos que poderiam muito bem compor as prateleiras de supermercados ou de bancas de feiras. O exemplo mais claro talvez seja o picão, considerado uma praga na produção de grãos, mas que nasce sozinho, tem ação oxidante, alto teor de ferro, zinco e cobre e fica gostoso cozido, em um prato de salada. E não para por aí.

Alguns são mais conhecidos regionalmente, como a ora-pro-nóbis em Minas Gerais, o caruru no Nordeste do País ou o jambu, no Pará. A serralha também é comum no cardápio de muitos produtores rurais pelo Brasil. A maioria das pessoas, porém, nunca ouviu falar dessas plantas. "Na agricultura moderna, muitas Pancs são consideradas ervas daninhas, mas antigamente os nossos avôs sempre comeram serralha, o 'agrião do campo'", diz o biólogo Diego Contiero da Silva, que atua no Programa Paraná Mais Orgânicos no Neat (Núcleo de Estudos de Agroecologia e Territórios) da Uenp (Universidade Estadual do Norte do Paraná).

Ele afirma que a mecanização da produção agrícola fez com que o uso das Pancs praticamente desaparecesse. O motivo de pesquisadores se voltarem ao tema é que o alto valor nutricional e medicinal dessas plantas também pode ser um aliado no combate à desnutrição e até mesmo à fome.

Imagem ilustrativa da imagem Contracultura das Pancs
| Foto: Fotos: Ricardo Chicarelli



DIVERSIDADE
Conforme a FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, na sigla em inglês), existem 30 mil espécies de plantas terrestres comestíveis no mundo. Contudo, apenas 30 representam 95% do consumo humano de energia. Arroz, trigo, milho, painço e sorgo somam 60% do que vai à mesa. Ainda, cerca de 75% da diversidade genética se perdeu no último século pela adoção de variedades de alto rendimento geneticamente uniformes, que fez com que agricultores abandonassem o cultivo de plantas nativas.

Imagem ilustrativa da imagem Contracultura das Pancs



Pesquisador de plantas aromáticas e Pancs do Iapar (Instituto Agronômico do Paraná), Paulo Guilherme Ribeiro diz que o consumo de muitas variedades reduziria consideravelmente o risco de doenças, muito pelo valor nutricional e medicinal, mas ainda pela menor necessidade de uso de defensivos agrícolas. "O cará, ou inhame, é uma Panc, mais conhecida do que as outras, que substitui a batatinha inglesa em muitas receitas, só que não se usa agrotóxico para produzir cará e se usa muito na batata."

Imagem ilustrativa da imagem Contracultura das Pancs



Ribeiro complementa que, mais rústicas, as não convencionais são mais saborosas do que as os principais vegetais consumidos equivalentes. "Muita gente tem hipertensão, por exemplo, e consome muito sal, que é um realçador de sabor. Se fossem estimuladas a experimentar uma azedinha, por exemplo, não precisariam nem temperar a salada."

Questões como a estética menos apetitosa e a menor viabilidade comercial da cadeia também aparecem como limitadores. "As Pancs aparecem sozinhas ou são multiplicadas por mudas, que são mais difíceis do que vender sementes. E, como são rústicas, não movimentam a venda de agrotóxicos e de insumos", diz o engenheiro agrônomo do Programa de Desenvolvimento Rural Sustentável da Itaipu Binacional, Ronaldo Pavlak.



'É GOSTOSO, SAUDÁVEL E NÃO VENDE'
A agricultura sintrópica, que recupera a terra de forma natural e sem insumos externos, é o ambiente propício para o desenvolvimento das Pancs, diz o produtor Eduardo Carriça dos Santos, que trabalha com a técnica ao lado da mulher, Gabriela Oliveira Scolari, na propriedade Terra Planta Sistemas Agroflorestais. Por isso, o casal cultiva, consome e até fornece variedades para alguns poucos interessados. "Sabemos do valor nutricional e do sabor que as Pancs têm, mas o desconhecimento limita a venda. Levamos para a feira e ninguém compra, acha que é mato", afirma Santos.

O casal levou algumas variedades para feiras livres, como as promovidas nas noites de quarta-feira pelo Catuaí Shopping e aos sábados pela Vectra Construtora, sem muito sucesso. O peixinho, folha que é muito consumida empanada e frita por veganos por lembrar o gosto do lambari, é uma das poucas exceções. Porém, o interesse é esporádico e ocorre mais logo após aparecer em programas culinários na TV, como Masterchef, da Bandeirantes, ou Bela Cozinha, do canal GNT. "Mas é na primeira, na segunda semana. Depois, cai o interesse", cita Santos.

Imagem ilustrativa da imagem Contracultura das Pancs



O cultivo de hortifrútis mais comuns e lucrativas, como o alface e o brócoli, é o que garante a receita da Terra Planta. Mesmo assim, o casal continua a produzir e promover plantas do tipo, em busca de projetos mais amplos. "Quero fornecer ervas medicinais e aromáticas para fabricantes de medicamentos e de cosméticos naturais, além de promover visitas de crianças e de escolas à propriedade, dar cursos, mostrar receitas e explicar a importância das Pancs", afirma o agricultor.

SEM PRAGAS
Santos conta que muitas plantas do tipo aparecem em canteiros e jardins pela cidade, mas as pessoas não as conhecem. "A agrofloresta é um ambiente propício para as Pancs, tanto que, depois que você limpa um terreno, as primeiras que aparecem, sozinhas, são as Pancs", diz.

Imagem ilustrativa da imagem Contracultura das Pancs



Por meio da agricultura sintrópica, ele destaca ainda a baixa incidência de pragas e a proliferação de abelhas na propriedade, inseto que é o principal responsável pela polinização de plantas e cujo número tem caído pela urbanização e produção mecanizada. "Se um bicho aparece e come uma folha, logo surge um outro que é predador dele. O sistema se ajusta", explica.