Um resíduo que seria descartado no meio ambiente pode ser processado, virar farinha e servir de ingrediente para sobremesas: a semente da lichia. Essa foi a principal conclusão de uma dissertação de mestrado defendida em 2021 na UEL (Universidade Estadual de Londrina), que atestou ainda um bom valor nutritivo contido nos caroços da fruta.

O estudo é de autoria do aluno, hoje mestre em Ciência de Alimentos, Italo Marcos Tamazzo de Oliveira, orientado pela docente Sandra Helena Prudencio, do Departamento de Ciência e Tecnologia de Alimentos do Centro de Ciências Agrárias da universidade.

A semente da lichia representa, em média, quase 40% do peso da fruta. “Além de estar evitando o desperdício de uma boa parcela da fruta (em alguns casos pode chegar a 50%), o cidadão que consumir a farinha de semente de lichia como substituto de amido de milho comum vai estar consumindo uma farinha que trará compostos interessantes para a saúde dele”, destaca Italo de Oliveria.

A semente da lichia representa, em média, quase 40% do peso da fruta
A semente da lichia representa, em média, quase 40% do peso da fruta | Foto: iStock

A professora acrescenta que a utilização da farinha a partir da semente da fruta representa um aumento no leque de possibilidades de ingredientes de boa qualidade nutricional e tecnológica para o preparo de sobremesas com boa qualidade sensorial.

“Com a utilização dessas sementes como ingrediente alimentar, haverá redução de resíduos ou subprodutos no meio ambiente, além de aumentar o valor agregado dessa semente”, pontua.

O estudo caracterizou um subproduto da lichia, fruta asiática que se difundiu pelo Brasil, além de promover o uso prático da farinha em um alimento, avaliado por 103 consumidores.

“Além do aproveitamento da semente de lichia como um ingrediente para preparo de sobremesa que foi apreciada pelos consumidores, destacamos um dado que ainda não está na literatura: a medida da dimensão e a morfologia do grânulo de amido da semente de lichia, além da proporção dos polissacarídeos, amilose e amilopectina, presentes nesses grânulos”, completa a docente.

O aluno destaca que, entre os maiores desafios do estudo, figuram as análises necessárias para determinar as características da farinha e do seu amido, além de definir um uso do alimento a partir das descobertas feitas em laboratório.

“Outro desafio foi formular um produto que fosse bem aceito pelo consumidor, uma vez que a população já está acostumada com as formulações padrões no mercado”, completou.

A docente Sandra Prudencio destaca que o maior desafio trazido pelo estudo será incentivar o uso da farinha integral de semente de lichia pela indústria de alimentos. Não há registros da produção em larga escala desse tipo de farinha no Brasil. “O resultado de conseguirmos preparar uma sobremesa que teve aceitação pelo consumidor demostra que a semente de lichia poderá ter maior valor agregado.”

Semente é rica em carboidratos, proteínas, lipídios e fibras

Para estudar as propriedades das sementes de lichia, os caroços foram triturados e secos, transformando-se em farinha. O processo foi feito com sementes de frutas colhidas nos anos de 2019 e 2020, compradas de um produtor rural de Fernão, município da região de Marília (SP).

Partiu-se então para o estudo das propriedades químicas, físicas e funcionais tecnológicas dessa farinha, a fim de descobrir o comportamento dela em alimentos.

As sementes de lichia apresentam compostos bioativos benéficos para a saúde humana
As sementes de lichia apresentam compostos bioativos benéficos para a saúde humana | Foto: Arquivo pessoal

A farinha foi caracterizada quanto a cor, composição química e nutricional, propriedades funcionais tecnológicas (solubilidade em água, viscosidade de dispersão em água, absorção de água, formação de gel, capacidade de retenção de água, textura e cor do gel e propriedades emulsificantes). Também foi estudada a morfologia de grânulos de amido dessa farinha.

“A semente apresenta interesse científico e comercial por apresentar potencial nutricional devido à presença de carboidratos, proteínas, lipídios e fibras. Além disso, também possui compostos bioativos benéficos para a saúde humana, como os compostos antioxidantes fenólicos”, destaca a docente Sandra Helena Prudencio, orientadora do estudo.

A professora explica que, para utilizar um subproduto como ingrediente em produtos alimentícios, suas propriedades tecnológicas funcionais devem ser conhecidas.

“Essas propriedades tornam os ingredientes possíveis de fabricar produtos de qualidade desejável. Alguns exemplos dessas propriedades são a capacidade do ingrediente formar gel e reter água, por exemplo.”

A partir dos resultados do estudo das propriedades funcionais tecnológicas, notou-se que farinha produzida a partir da semente da lichia poderia ser usada como um ingrediente geleificante para o preparo de uma sobremesa tipo manjar.

PROPRIEDADES

Ao serem estudadas as características físicas e químicas da farinha da semente da lichia, pôde-se observar que é uma farinha um pouco mais escura do que as farinhas brancas convencionais, devido à presença do tegumento da semente. Foi encontrado nela um alto teor de carboidratos (o amido representava 50% do total), além de lipídios (9%), proteínas (7%), fibras (2,5%) e minerais (1%).

Estudou-se também o tipo, o tamanho e a forma dos grânulos de amido encontrados nessa farinha.

“Descobriu-se também que, por ter a capacidade de formar um gel firme e que retém bastante água, a farinha de semente de lichia pode ser usada como substituto parcial de amido de milho em alimentos, como, por exemplo, em sobremesas do tipo manjar e flans”, explica Italo Marcos Tamazzo de Oliveira.

Na prova da sobremesa, aceitação foi de 70%

Como a farinha de lichia ficou um pouco escura, professora e aluno do mestrado da UEL optaram por preparar um manjar contendo chocolate. Os avaliadores experimentaram cada uma das sobremesas contendo chocolate, com substituição de 50% e 75% de amido de milho comum por farinha de semente de lichia.

Manjar de chocolate feito com farinha de lichia: teste aconteceu em laboratório da UEL
Manjar de chocolate feito com farinha de lichia: teste aconteceu em laboratório da UEL | Foto: Arquivo pessoal

Eles deram notas de 1 (desgostei muitíssimo) a 9 (gostei muitíssimo) a diversos aspectos avaliados, como cor, aroma, sabor, textura e ainda uma nota global. “Houve uma aceitação acima de 70%, número expressivo para um novo produto na área de alimentos”, explica Italo Oliveira

O índice de aceitação foi de 83% para a sobremesa com substituição de 50% de amido de milho e de 73% para a que substituiu 75% de amido.

Antes do teste, houve a aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos da UEL.

Os avaliadores realizaram o teste em um laboratório específico da UEL, no Laboratório de Análise Sensorial, onde cada um ficou em uma cabine individual para fazer as avaliações.

As amostras das sobremesas foram codificadas de maneira a não influenciar o avaliador. Elas também foram apresentadas em ordem aleatória a cada um deles.

Agora, docente e aluno estão na fase de publicação dos resultados na forma de artigo em um periódico científico.

A lichia foi produzida em 43 municípios paranaenses nesse ano, gerando uma riqueza de R$ 11,7 milhões
A lichia foi produzida em 43 municípios paranaenses nesse ano, gerando uma riqueza de R$ 11,7 milhões | Foto: istock

RIQUEZA

Segundo dados do VBP (Valor Bruto da Produção Agropecuária) de 2020 divulgados pelo Deral (Departamento de Economia Rural), órgão ligado à Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento, a lichia foi produzida em 43 municípios paranaenses nesse ano, gerando uma riqueza de R$ 11,7 milhões. Ao todo, foram produzidas 1.293 toneladas em 172 hectares de terras.

O maior município produtor da fruta em 2020 foi Carlópolis, com 500 toneladas cultivadas em 55 hectares, que geraram um VBP de R$ 4,54 milhões – o volume representou quase 40% da riqueza produzida pela lichia em todo o Estado nesse ano.