''O Brasil, a qualquer momento, pode receber a fatura do Uruguai e da Argentina ...a água estará na raiz de futuros conflitos entre países.
Escassez e mau gerenciamento da água obrigam países a uma revisão de suas políticas ambientais.''
O jurista português Mário Baptista Coelho, falando na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), abordou o regime internacional das águas e falou do meio ambiente (água, florestas) e sua preservação. Sobre o regime das águas, Coelho falou de seu regime de uso no mundo todo.
Mário Baptista Coelho especializou-se na área ambiental e, como jurista, atua em várias frentes. Ele é assessor da presidência da República em Portugal, para assuntos ambientais, diretor do Centro de Estudos de Política Internacional do Ambiente da Universidade de Aveiro, onde é professor, e é adjunto do presidente da Comissão Independente dos Oceanos, o ex-presidente de Portugal, Mário Soares.
Por acumular conhecimento no que diz respeito aos dossiês ambientais que tratam de recursos hídricos, desertificação, florestas e zonas costeiras, Coelho tem declarado que o Brasil ''tem obrigação moral, cívica e ambiental de liderar a discussão em torno do assunto, junto aos países do Mercosul e, por extensão, de toda América do Sul''. O motivo, segundo ele, é evidente: o Brasil é o país mais populoso do Continente, tem mais recursos naturais, é o maior em extensão e também o mais rico em águas .
Apesar de não estar a par dos detalhes sobre a criação da Agência Nacional de Águas (Ana), ele considera ''extremamente saudável'' a intenção de regular o acesso ao uso da água, ou seja, o investimento da cobrança pelo uso e investir o dinheiro arrecadado nas bacias hidrográficas. O Governo entregou ao Congresso Nacional texto do projeto de lei de criação da agência. Coelho crê ainda que daqui a vinte anos haverá uma agência semelhante para planejamento e gerenciamento do uso da água, no âmbito do Mercosul.
A água é o recurso natural que mais tem levado a criação de agências de desenvolvimento que cuidam da questão. A Organização das Nações Unidas (ONU), por exemplo, tem várias com esse caráter, tais como a UNESCO, Pnuma e outras - a cobrarem dos países a adoção de uma legislação que ultrapasse fronteiras. Ou seja, a mesma regra valendo além das fronteiras, já que há bacias hidrográficas que extrapolam os limites entre os países. É o que hoje se chama de águas internacionais.
O mecanismo servirá para que haja uma política comum entre os países no uso dos rios e afluentes de uma bacia hidrográfica. A Bacía de Mar del Plata, no Uruguai, é um exemplo de como o uso de águas internacionais pode representar problemas diplomáticos, caso não haja uma lei comum.
''A capacidade de água de Mar del Plata foi seriamente reduzida devido à construção de barragens'' afirmou Coelho, referindo-se à bacia do Prata, formada pelos rios Paraná, Uruguai e Paraguai, que dão origem ao rio da Prata. O rio Paraná nasce na junção dos rios Paranaíba e Grande, na divisa entre Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e São Paulo. É o rio de maior aproveitamento hidrelétrico do Brasil e nele está a maior usina do País, Itaipu. Já o Paraguai nasce próximo à cidade de Cuiabá, atravessa o Pantanal e cruza o território paraguaio, desaguando no rio Paraná, no trecho argentino. Por fim, o rio Uruguai nasce na divisa do Rio Grande do Sul com Santa Catarina.
Exemplos de como o desenvolvimento - representado na construção de barragens, usinas hidrelétricas, emissão de dejetos nos rios - degrada o meio ambiente: Coelho tem uma lista. É o caso do rio Colorado, que nasce nos Estados Unidos e, hoje, quase não chega mais ao México, na Baía da Califórnia. ''O que chega, está poluído'', conta. Em contrapartida, os Estados Unidos receiam que o Canadá exerça sua soberania em relação ao rio Columbia, cuja nascente está naquele país, que pretende construir em breve em seu leito outras duas hidreléticas.