Estávamos mal acostumados
Faz décadas que o Brasil vem registrando recordes sobre recordes na produção agrícola, particularmente na colheita de grãos, cujo montante saltou de 58 milhões de toneladas (Mt) em 1990, para quantidades sempre maiores em períodos subsequentes. Assim, na média dos anos 1991 a 2000 foram colhidas 73 Mt, 106 Mt no período 2001-2005, 132 Mt de 2006-10, 166 Mt de 2011-13, 194 Mt em 2014 e 207 Mt em 2015. Aumento, no período, de 257% na produção contra 68% na área cultivada, que evoluiu de 34 milhões de hectares (Mha) para 57 Mha. Foi o ganho de produtividade o que mais impactou no aumento da produção: 1.706 kg/ha em 1990 contra 3.635 kg/ha em 2015.
Infelizmente, nem tudo o que é bom dura para sempre. O El Niño interrompeu essa série histórica altamente positiva. A safra colhida em 2016 não repetiu os avanços dos períodos anteriores e a produção de grãos recuou quase 20 Mt, mesmo com crescimento da área cultivada superior a um milhão de hectares. A soja foi a cultura mais prejudicada pela intempérie, com queda de produção por deficiência hídrica na região de Cerrado e por excesso de chuvas na Região Sul. A safra da oleaginosa, que inicialmente estava estimada em 103 Mt, está sendo concluída e ficando em torno de 97 Mt.
Na Argentina, o prejuízo não foi menor. De uma expectativa de colheita superior a 60 Mt, os valores da safra fecharam em cerca de 56 Mt, o que ajudou a elevar os preços de mercado. Comportamento igual também aconteceu com o mercado do milho, cuja 2ª safra brasileira foi bastante afetada pelo clima adverso, que reduziu a expectativa de produção de 56 Mt para cerca de 49 Mt, resultado da baixa produtividade causada pelo atraso na época de plantio do cereal, que foi, por sua vez, consequência do atraso no plantio da soja (porque faltou chuva) e seu consequente atraso na colheita.
A 1ª safra do milho também teve queda de produção, resultado da redução na área cultivada, que passou de 6,6 Mha (2015) para 5,4 Mha (2016), uma tendência de queda que se acentua a cada novo ano, em favor da soja. A área do milho safrinha, contrariamente ao que aconteceu com o milho 1ª safra, aumentou sua área cultivada de 9,4 Mha para 10,7 Mha. A safra total do milho foi de aproximadamente 76 Mt, contra uma expectativa original de 84 Mt.
Se a safra 2015/16 nos decepcionou, o Brasil tem muitos motivos para acreditar que foi apenas um acidente climático. Nosso potencial sinaliza para avanços sempre maiores na direção da liderança global da produção de alimentos: temos muita terra apta e disponível, temos clima favorável para produzir o ano todo, temos tecnologia para cultivar com eficiência em climas tropicais, temos água para irrigar se compensar e temos os agricultores mais dinâmicos e empreendedores do planeta. Finalmente o país do futuro chegou, mas apenas no âmbito do agronegócio.

Amélio Dall’Agnol é pesquisador da Embrapa Soja