O conceito de agronegócio é muito claro quando define as etapas das cadeias produtivas como “antes da porteira”, “dentro da porteira” e “depois da porteira”. É bom lembrar, no entanto, que o “depois da porteira” vai até a mesa do consumidor final.

Essa constatação é importante para entender que os produtos agrícolas, especialmente os alimentos, só cumprem seu papel se chegam realmente ao consumidor. Mais ainda, se produzir adequadamente é difícil, o caminho até o consumo também é desafiador.

O produtor tem de se esforçar para conduzir sua lavoura da semeadura até a colheita e quando consegue levar a termo suas tarefas, sem grandes frustrações, fica na expectativa que as atividades do “depois da porteira” aconteçam sem contratempos.

Infelizmente, nem sempre o volume produzido chega em sua totalidade às mãos do consumidor. A ONU calcula que a perda de alimentos no mundo chegue a um terço do que é produzido. No Brasil as estimativas falam em 27 milhões de toneladas por ano, sendo que apenas 10% dessas perdas ocorreriam no âmbito das propriedades rurais, ou seja, 90% se devem à fase do “depois da porteira”.

Muita coisa acontece depois que o produtor entrega sua colheita ao sistema de transporte, processamento e distribuição. Nessa fase do caminho percorrido pelos alimentos até a mesa do consumidor podem ocorrer, e ocorrem, muitos problemas.

Como consumidor final que sou, e observador constante da parte final desse trajeto, me surpreendo com o tratamento que é dado a muitos produtos “in natura” nos supermercados.

Observando com atenção o setor de Frutas, Legumes e Verduras (FLV) é incrível ver como os produtos são “maltratados”. Os repositores simplesmente descarregam caixas dos produtos nos balcões de FLV, sem se importar com os que caem ao chão. E, pior que isso, mesmo nos produtos mais frágeis como, por exemplo, tomate e caqui, o empilhamento supera muito o razoável, fazendo com que os que estão no fundo dos balcões suportem o peso dos que estão acima, produzindo perdas na qualidade que os tornam impróprios para consumo.

Seria importante que os responsáveis pela área de FLV dos supermercados e de outros pontos de venda de varejo tivessem um conhecimento mais adequado sobre a fragilidade dos produtos agrícolas e da necessidade de uma manipulação mais correta, levando em conta as especificidades de cada um deles.

Como a maior parte dos supermercados possui sistemas de monitoramento por câmeras, seria perfeitamente possível acompanhar o processo de reposição de produtos no FLV, garantindo uma redução de perdas e custos, benéfica à própria empresa e à sociedade como um todo, pela redução das perdas de alimentos.

O impacto desse tipo de inovação de processo pode parecer pequeno, mas seria um passo relevante para reduzir a “cultura de desperdício” que se observa em algumas cadeias produtivas e que contribui para a enorme perda de alimentos no Brasil e no mundo.

Paulo Sendin, engenheiro agrônomo, membro da governança AgroValley