O Brasil realizou a maior safra de grãos de toda a sua história. Mais de 250 milhões de toneladas. Ótima notícia! O ano começou e o planeta foi surpreendido com a pandemia da COVID-19, trazendo ameaças como crise e escassez de alimentos. Os países buscaram, de diversas formas, se precaver. Existem sinalizações de que o PIB brasileiro terá forte retração de 3% a 5% e a dívida pública deve crescer. Na contramão de tudo e de todos vem o trem bala brasileiro: o agronegócio. Na retaguarda está o trigo, alimento de subsistência de muitas famílias que merece especial atenção neste momento.

O PIB vai diminuir, mas a previsão do agronegócio para 2020 é de crescimento de 2,4%. Do início do ano até o final de abril foram exportados pelo agro brasileiro US$ 21,4 bilhões, um valor 0,4% acima do mesmo período de 2019. A soja cresceu 9,4% e o frango 7%. Estamos prestes de iniciar a mais valiosa safra, estimada em US$ 120 bilhões, lembrando que em 2019 o agronegócio brasileiro respondeu por 43% das exportações brasileiras, valor de US$ 97 bilhões.

E o trigo? O trigo, ao lado dos fertilizantes, é uma das principais pautas de importação do agro brasileiro, onerando a balança comercial do País. O Brasil é um dos cinco maiores importadores de trigo do mundo. Nosso consumo atual é de, aproximadamente, 12 milhões de toneladas, mas, na última safra, produzimos 5,3 milhões de toneladas. Se formos importar o mesmo volume do ano passado, o desembolso poderá chegar aos 10 bilhões de reais.

Nossos principais fornecedores estão atentos às oportunidades geradas com a pandemia. Os argentinos anunciaram, no lançamento da safra 2020/2021, que irão fazer a maior safra de sua história, com área de trigo que pode chegar a 6,8 milhões de hectares e uma produção estimada entre 18,8 a 21 milhões de toneladas. No mesmo caminho, as exportações também deverão ser recordes, acima de 13 milhões de toneladas. Os argentinos pretendem responder por 8% do mercado de exportação de trigo, hoje liderado pela Rússia e Ucrânia que estão retendo suas exportações para garantir o abastecimento interno, assim como Cazaquistão, Sérvia e Romênia.

Mas não são só os argentinos que estão aumentando a área, o Uruguai também semeou no ano passado 169 mil hectares e esse ano está programando plantar 220 mil hectares. O Paraguai irá semear 580 mil hectares e mira grande parte de sua produção para o oeste do Paraná e o Mato Grosso do Sul.

A movimentação nos vizinhos do Mercosul se justifica pelo cenário favorável ao trigo. Nesse ano, tudo está sinalizando para uma safra promissora. O clima está, até o momento, neutro para La Niña e El Niño, os preços estão competitivos e o mercado aquecido. Da mesma forma, temos uma ótima oportunidade de aumento de área no Brasil. Na região do Brasil Central a área com trigo deverá ficar próxima aos 200 mil hectares. No Paraná segundo o DERAL, a área irá aumentar em 6%, ficando próximo a 1,1 milhão de hectares. No Rio Grande do Sul, o último levantamento da Emater/RS aponta um incremento na área de 20% passando de 900 mil hectares.

O trigo, cultura relativamente nova no Brasil Central, já está no DNA do produtor na Região Sul há várias gerações. Estão dominadas todas as tecnologias para alcançar altas produtividades. As barreiras que existem são muito mais comerciais do que técnicas, mas o setor produtivo está buscando soluções como a contratação por meio das indústrias alimentícias de farinhas específicas para diversos mercados (biscoitos, pães congelados, pães integrais, massas, farinhas branqueadoras). Outras iniciativas contam com trigo para a produção de carnes, como base tanto na indústria de rações em suínos e aves, quanto nas pastagens para produção de leite e engorda de animais. Existe ainda a opção de exportação, onde o trigo brasileiro encontra boa aceitação nos mercados do sudoeste asiático.

Mas, acima de tudo, a aproximação da pesquisa com o setor produtivo visa abastecer o mercado nacional. Ante a escalada do dólar (cerca de 32% desde janeiro, combinado ao aumento de 23% do custo das farinhas), a instabilidade dos mercados com os riscos associados a paralisação de exportação de diversos países e a necessidade de abastecer a população em cenário pós pandemia de Coronavírus, é oportuno incentivar a produção nacional de trigo reduzindo resultados que impactam o balanço de oferta e demanda do produto no País, ampliando a segurança alimentar e dinamizando a economia do Brasil. Que a colheita seja farta para todos os brasileiros.

Osvaldo Vasconcellos Vieira, chefe-geral da Embrapa Trigo, Passo Fundo (RS)