A crise de água e desertificação
PUBLICAÇÃO
sábado, 08 de janeiro de 2000
Problemas ambientais ainda estarão na pauta das principais discussões mundiais nos próximos anos
Novo milênioOs solos sofrem com o clima e também com os manejos incorretos, perdendo sua capacidade produtiva
Agência Brasil
Sete anos após a Rio-92, as discussões político-ambientais se intensificaram, porém grande parte dos problemas persistem, atingindo toda a população mundial, principalmente de países em desenvolvimento. A oferta de água potável, um dos insumos mundiais cada vez mais escassos, continua decrescente graças ao uso excessivo, a poluição por dejetos, o desmatamento de florestas e a urbanização desordenada.
Em 1998, em Paris, a Conferência Mundial de Água e Desenvolvimento Sustentável que reuniu mais de 85 países estabeleceu alguns princípios e responsabilidades que começam a ser implementados por alguns países como a França. Para o professor Ivanildo Hespanhol, da Universidade de São Paulo (USP), o fenômeno da escassez não é atributo exclusivo das regiões áridas e semi-áridas. Segundo ele, as regiões que embora disponham de recursos hídricos significativos, mas insuficientes para atender a demandas excessivamente elevadas, experimentam conflitos constantes de usos e sofrem restrições de consumo em todos os níveis. Sob a ótica da sustentabilidade a alternativa a curto prazo é a reutilização da água, um problema que afeta toda a cadeia produtiva, influenciando diretamente a qualidade de vida da população, comenta Hespanhol.
GerenciamentoO pesquisador da USP exemplifica o caso da Bacia do Alto Tietê, na região da Grande São Paulo, que abriga uma população superior a 15 milhões de habitantes com um dos maiores complexos industriais do mundo, e dispõe, pela sua condição característica de manancial de cabeceira, de vazões insuficientes para a demanda da Região Metropolitana de São Paulo e municípios vizinhos. São Paulo é um caso real de que as dificuldades serão cada vez mais graves, caso não se gerenciem adequadamente os recursos hídricos.
No entender do professor Uriel Duarte, titular da cadeira de Recursos Hídricos e Geologia Ambiental da USP, a água não é um elemento finito. Ele crê que faltam políticas definidas para uso de recursos hídricos e, principalmente, gerenciamento e pesquisa para projetos alternativos.
Duarte cita a cidade de Recife, por exempo, não precisava passar por racionamento pois é auto-sustentável em mananciais. Ele relata ainda a falta de política responsável como no caso de uma região do Sul do Piauí, especificamente no Vale do Gurguéia, onde existem poços artesianos perfurados por ingleses nos anos 50. Esses poços seriam destinados para projetos de irrigação, mas até hoje jorram milhões de metros cúbidos de água por segundo sem captação ordenada. Enquanto isso, em comunidades não muito distantes da região, há uma renda per capita/dia de 1 litro de água doce contra 270 litros/dia de São Paulo, lamenta o professor.
Problema culturalNo entender do professor Antônio Carlos Zuffo, da Universidade de Campinas (Unicamp), no caso do Brasil o problema com os recursos hídricos é cultural e deve demorar algumas gerações para mudar. Segundo ele, é preciso conscientizar-se desde já que existem alternativas para o uso da água como, por exemplo, captar em épocas de chuva água para uso menos nobre como descargas de banheiros, rega de jardins e lavagem de áreas públicas em condomínios e prédios. É um absurdo usar água tratada para lavar carro ou molhar um jardim, ressalta Zuffo. A Unicamp e a Sociedade de Abastecimento de Água do Estado de São Paulo (Sabesp) desenvolvem projetos para o reutilização de água em determinadas regiões do Estado.
Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) revelam que o Brasil dispõe de um dos maiores índices mundiais de disponibilidade de água por habitante. Porém, a particularidade brasileira é que a maior parte desses estoques, está relativamente distante dos grandes centros urbanos. A OMS destaca ainda que a agricultura concentra entre 70 e 80% da demanda global de água doce; a indústria consome cerca de 20% e o consumo doméstico não ultrapassa os 6%. Hoje, cerca de 250 milhões de pessoas, de 26 países, sofrem periodicamente com a falta de água, situação que a Organização das Nações Unidas (ONU) prevê como fonte de conflitos entre nações num futuro próximo.
Mesmo o Planeta sendo constituído por quatro quintos de água e apenas 1/5 de terra, ocorre que 98% desse total são inaproveitáveis para beber ou para a irrigação na agricultura, por se tratar de água salgada, explica Jean François Donzier, diretor geral do Conselho Mundial de Água, com sede em Paris. A dessalinização é possível, mas o processo ainda é extremamente caro e restrito. Donzier destaca que as dificuldades para administração de recursos hídricos nem sempre são técnicas. Existe na maioria dos países uma demora enorme na educação e formação profissional, um conhecimento insuficiente e uma organização ruim de instituições em todos os níveis local, nacional e internacional, diz ele.
Especialistas chamam a atenção para o preço das tarifas de água no Brasil que, mesmo sendo auto-suficiente em água, está entre as mais caras para os padrões internacionais, sobretudo pela qualidade insatisfatória dos serviços oferecidos pelas companhias estaduais. Mas, o preço da água cobrado pode ser considerado mais barato, dependendo dos referenciais, domésticos e internacionais, que forem escolhidos. O metro cúbico de água em Paris custa US$1,5, enquanto em São Paulo está por cerca de US$0,60. Em Londres é de US$0,95, em Roma US$0,27 e em Buenos Aires US$0,12.
