“Precisa comer mais feijão”. Era assim que falava o motorista moreno, de boné, da jardineira que parecia gemer nas estradas da Água do Lobo, zona rural entre Nossa Senhora das Graças e Bentópolis, local em que ficava a Escolinha onde minha mãe era professora e eu ia a tiracolo , de companhia. Não tinha tamanho nem força suficientes para subir no ônibus e aquele motorista ainda achava graça? Assim começava a minha saga no caminho que iria percorrer, cheia de alegria e interesse pelo conhecimento, que me abria as portas para a vida.

De filha e companheira, passei a ser aluna, a fazer as tarefas, a prestar provas e exames, a ser aprovada e, no próximo ano, frequentar o grupo escolar na cidade.

Vencendo etapas, ia me destacando na escola, sempre como ótima aluna. Interrompida por uma doença renal, voltei a estudar no próximo ano com meses de atraso e logo no primeiro dia fiquei de castigo, em pé, na frente da sala, por não saber a tabuada. Minha mãe, professora, viu e imediatamente, muito brava, me tirou da escola. Depois voltei, já na sala dela e tudo corria muito bem.

No ano em que iniciei a terceira série, tinha uma professora, Francisca Sabino Ruiz, a dona França! Que maravilha de professora! Falo isso porque sempre fui encrenqueira na escola, na rua, na Igreja...Brigava até com as professoras! Teimava, não aceitava notas baixas, enfim. Mas a dona França era o máximo, além de muito amiga de minha mãe. Hoje uma escola da cidade leva seu nome, como merecida homenagem.

Aconteceu que na primeira prova bimestral fui tão bem,mas tão bem, que o Diretor do Grupo Escolar resolveu me promover para a quarta série... E lá fui eu, como ele dizia, a Estelinha, brilhar como a primeira aluna da turma. Na quarta série, recebi o diploma de conclusão, com as melhores notas da sala e ganhei uma “ bolsa de estudos”,uma ajuda que nem lembro de ter recebido,passei no exame de Admissão ao Ginásio e lá fui toda feliz! Continuei sempre estudiosa, perfeccionista, não admitia errar, fechava as notas sempre no terceiro bimestre. O Diretor, Amancio de Souza, também professor de português, era meu fã . Era sempre sua referência. Por quê? Sabatinava os verbos, dominava análises sintáticas e morfológicas, era o máximo em redação. Ele me citava como exemplo e até me levava nas séries posteriores para resolver análises sintáticas e ser elogiada. Vários professores teciam elogios, me incentivavam a continuar meus estudos dizendo que “ eu tinha futuro”.

Foram anos muito alegres, minha adolescência marcada por grandes amizades, como minha amiga Ivone Tanaka com a qual estudei durante 8 anos seguidos. Éramos as melhores amigas dentro e fora da escola, nunca brigamos, numa cumplicidade muito grande, além de compartilharmos as mesmas notas altas.

Terminando o Ginásio fui estudar Contabilidade porque já trabalhava como professora mas queria mudar, conhecer outras coisas. Não tinha colégio em nossa cidade então fomos para a vizinha Santa Fé, onde minha irmã já fazia o curso. Para mim uma grande aventura, em todos os sentidos: estudar fora, conhecer pessoas ( e garotos, claro) novas, ir de Perua Rural do meu vizinho, enfim, uma grande mudança que animava a vida da gente. Boas lembranças, novos amigos ( e namorado) , novos professores muito queridos, meu irmão a tiracolo sempre a me “ vigiar” e contar pra mãe, e, claro, minha grande amiga Ivone Tanaka. As notas continuavam perfeitas, fazia um Balanço com a maior tranquilidade, mesmo porque não podia apagar, passando à frente de todos os homens, que eram a maioria, da sala.

Conclui o curso e de repente, me vi sem chão. Como iria fazer uma Faculdade, sem dinheiro e sem nenhuma por perto? Resolvi cursar o Magistério e continuei na querida Santa Fé, fiz uma adaptação diminuindo para dois anos e assim, redescobri a Escola como um lugar agradável, cheio de possibilidades, criatividade e alegria.

Talvez tenha sido contagiada por aquela animada turma da Escola Normal, cheia de entusiasmo, as quais se tornaram grandes amigas, destas que a gente considera a vida toda.

Mas como o curso da vida nos traz inesperadas mudanças, eis que venho morar em Londrina e, novamente, mudo de profissão: vou trabalhar numa Empresa comercial, gostando muito de tudo, principalmente das novidades da cidade grande.

Como pretendia me casar, uma grande amiga de Magistério, Terezinha Rocha, me aconselhou: vamos fazer o concurso de professora? Afinal, mulher casada precisa cuidar da casa e trabalharemos meio período. E foi assim que voltei para a escola,definitivamente, onde me realizei na Educação de crianças, principalmente como alfabetizadora e Orientadora Pedagógica. Aí também me tornei pedagoga, apesar do sonho de criança ter sido a Comunicação.

Às vezes penso na vida em outros campos, em outras experiências, mas o meu caminho sempre foi a Escola. Ela foi minha maior descoberta, minha maior realização, meu ofício, meu ganha-pão, minha liberdade. Por isso acredito tanto na Educação para todos porque dela depende uma vida completa, digna...e feliz.

Emoldurando o início desse trajeto, eis que surge na lembrança, num pasto verde cheio de vacas, três pés de manga e uma Escolinha Rural de madeira, o convívio com crianças simples e bondosas, o guarda-pó branco, a espera da jardineira, a dificuldade para subir a escada, os acenos a um passado de boas lembranças que guardo como algo muito sagrado: a minha primeira Escola.