Liso, ondulado, cacheado, crespo… Somente estas palavras não bastam para dar todas as características de um cabelo, que além de formatos, muitas vezes também carregam histórias. Cada cabelo possui um jeito próprio, variando desde a cor até mesmo a textura; existem inclusive especificações sobre os diferentes tipos de curvatura. Confira abaixo:

Imagem ilustrativa da imagem Transição capilar: o meio do caminho entre o desafio e a liberdade
| Foto: Reprodução: Eu Total

O cabelo pode ser um artifício identidade, mas que pode se perder mediante a padrões estéticos; desta forma, é comum que várias pessoas realizem procedimentos químicos em seus fios. Os objetivos mais visados são o alisamento dos cabelos, por diversas razões.

A empresária Emanuella Sarah Luiz Koslyk, de 22 anos, começou a fazer progressiva quando tinha apenas 13 anos de idade, após sofrer bullying e por não ter acesso ao conhecimento de como finalizar seu cabelo corretamente. Ela, que tem cabelo ondulado do tipo 2b, conta que, após anos, decidiu por passar pela transição capilar, ou seja, deixar a progressiva de lado e voltar a ter seu cabelo na textura original.

“Eu sempre tive cabelão e com tanto tempo de progressiva, meu cabelo começou a quebrar e perder o movimento e volume. Eu sentia que quando o cabelo chegava no meio das costas, ele começava a afinar e eu tinha que cortar. Isso se tornou um ciclo”, conta ela.

A empresária de Apucarana não foi a única que viveu essa realidade. Mariana Carvalho tem 19 anos, nascida e criada no Rio de Janeiro, ela não se lembra somente de sua infância na paisagem linda da cidade turística, mas também como vítima da mesma repressão estética. “Quando eu tinha 10 anos, eu fazia prancha nele (no cabelo) toda semana e fazia botox sempre. Usei ele cacheado na adolescência e voltei a fazer botox aos 17 anos”. Atualmente, ela está no começo da transição capilar e relembra que o processo não é algo fácil: “está sendo desafiador, porque mexe muito com a autoestima”, afirma a carioca.

A estudante de nutrição, Mariana Carvalho diz que um de seus maiores desafios na transição capilar é aprender a lidar com diferentes curvaturas no cabelo
A estudante de nutrição, Mariana Carvalho diz que um de seus maiores desafios na transição capilar é aprender a lidar com diferentes curvaturas no cabelo | Foto: Arquivo Pessoal

As lembranças das dificuldades permanecem, mas também são substituídas por pensamentos melhores após o final da transição. É isso o que afirma Lara Maria Pinton Rocha, 27; “comecei a transição capilar há mais ou menos dois anos e terminei faz seis meses. Foi bem difícil, não tenho nem muitas fotos de cabelo solto na época, mas quando o cabelo ficou totalmente cacheado, e eu aprendi a cuidar dele do jeito certo, comecei a gostar mais do meu visual”.

Lara Rocha, 27, fez alisamento à base de amônia em seu cabelo durante oito anos
Lara Rocha, 27, fez alisamento à base de amônia em seu cabelo durante oito anos

Para ter uma experiência boa com os cachos, também é necessário ter acesso a conhecimentos sobre os cuidados específicos para seu tipo de cabelo. A falta de acesso a isso é uma das principais críticas de quem optou por fazer alisamento em algum momento.

Hoje em dia, existem profissionais que focam seu trabalho principalmente em cabelos com texturas não lisas. Uma delas é Lívia Reineke de Oliveira, a cabeleireira de 20 anos começou na profissão há três anos e escolheu se especializar em cachos, mas até mesmo ela já teve dificuldade em saber como cuidar de seu cabelo quando era mais nova.

“Antes de ter todo esse contato com salão de beleza, eu nunca conseguia lidar de fato com o meu cabelo. Os produtos (que usava) eram produtos de baixa qualidade do mercado, eu não conseguia definição, estava sempre com o cabelo preso”. Atualmente, trabalhando com cachos no seu dia a dia e já sabendo como cuidar de diferentes curvaturas, ela percebe a importância disso na sua profissão.

“Eu me sinto com uma responsabilidade gigantesca, a gente sabe que para as mulheres, principalmente, o cabelo faz muito parte da nossa autoestima (...) Quem é cacheada, quem tem o cabelo natural, com certeza já passou por situações difíceis, tipo ir no salão e acabar com o cabeleireiro cortando mais. Quem tem o cabelo cacheado com certeza já passou por algum trauma, principalmente pelo fator encolhimento que o nosso cabelo tem. Então eu tento fazer com que a cliente confie no meu trabalho, que eu vou conseguir entregar exatamente o que ela está me pedindo”, afirma ela.

A cabeleireira Lívia Reineke se interessou pela profissão na sua adolescência, quando trabalhava como recepcionista em um salão especializado em cachos
A cabeleireira Lívia Reineke se interessou pela profissão na sua adolescência, quando trabalhava como recepcionista em um salão especializado em cachos | Foto: Arquivo Pessoal: Lívia Reineke

ACESSO A CONHECIMENTO E CUIDADOS

Das razões para uma pessoa decidir fazer um procedimento químico para alisar o seu cabelo, a principal é a falta de conhecimento sobre como cuidar de seus cachos da maneira correta. Isso já se mostrou uma realidade com mulheres de diferentes gerações e de diferentes lugares; mas isto é algo que está se alterando conforme o passar do tempo.

Eu mesma já passei por algo semelhante. Como alguém com o cabelo ondulado que nasceu e cresceu em uma cidade pequena do interior de São Paulo, digo por experiência própria que o acesso a formas de cuidado não é algo fácil, mas que melhorou por causa das redes sociais. Em minha cidade sempre cortaram meus fios de forma reta e, antes de sair do salão, faziam escova, assim eu voltava para casa com o cabelo liso e, ao lavar, ele ficava totalmente armado e sem definição alguma. Não era algo que se limitava somente ao momento do corte, mas sim à finalização, algo que eu quando era criança não fazia a mínima ideia do que era, sobre sua necessidade e muito menos como finalizar corretamente minhas ondas.

Em 2019, fiz progressiva pela primeira e única vez, lembro do formol ardendo meus olhos, assim como lembro da chapinha quente quase queimando meu couro cabeludo. Aquilo incomodava, quase machucava. Desde criança eu fiz chapinha em meu cabelo para ocasiões especiais, fiz botox algumas vezes e cheguei ao ponto da progressiva, até que veio a pandemia do COVID-19 e as coisas começaram a mudar.

Em 2020, eu tinha 18 anos e um cabelo 90% liso, quando ninguém podia sair de casa, muito menos para ir ao cabeleireiro. Me lembro de estar vendo vídeos em uma rede social quando apareceu o conteúdo com uma garota de cabelo cacheado, muito definido; ela falava sobre como finalizava seu cabelo e foi aí que minha perspectiva começou a mudar.

O acesso a conteúdos sobre finalização e cuidado com cachos pela internet foi algo que não mudou somente a história de como eu cuido de meus cachos, mas que também ajudou várias outras pessoas neste quesito. “Me ajudou muito acompanhar influencers e criadoras de conteúdo que estavam passando por isso (transição capilar), tanto para pegar dicas quanto para me identificar e me sentir menos sozinha neste processo”, diz Lara Rocha, 27.

Com vídeos contando relatos e preferências é possível encontrar não somente dicas de finalização, como também produtos que possivelmente podem ser melhores para o seu tipo de cabelo. Os cosméticos utilizados nos cachos também são um fator que precisa de atenção.

Segundo a cabeleireira Lívia Reineke, “por causa da diferença de textura que cada cabelo tem, não é possível usar um produto só para todos os cabelos. Existem cabelos ondulados, mas que o fio é muito grosso, então a gente precisa usar um produto específico para isso. Existem cabelos mais finos, e não é só por um cabelo ser crespo ou cacheado que seja necessário utilizar um produto com muito óleo, muito pesado… Para cada tipo de fio, existe um produto específico e não necessariamente para cada curvatura, porque hoje com os produtos que temos, nós conseguimos usar produtos de cabelo ondulado em cabelo cacheado, o do crespo, em ondulado; depende muito da textura deste cabelo e da porosidade do fio, para daí selecionar o produto específico e não da curvatura em si”.

Ás vezes, pode ser necessária muita pesquisa para se chegar no produto e no tipo de finalização ideal para cada pessoa, mas quem já passou por um processo de aprendizado sobre os cuidados para seus cachos, pensa no final do processo de uma forma confiante e feliz.

“(Meu cabelo) representa muita coisa para mim, até superação. Se eu olhar as fotos de uns cinco ou seis anos atrás, era aquele cabelo mais baixinho, com pouco volume. Eu não conseguia ver o potencial que o meu cabelo tinha, ver o que ele poderia representar para mim, então ver a superação, tudo o que a gente já passou, hoje está em uma das melhores fazes. Eu amo muito o meu cabelo. E a liberdade também, d eu poder usar hoje o meu cabelo da forma que eu gosto, bem volumoso, bem solto, e poder usar isso ao meu favor, o volume do meu cabelo ao meu favor, é uma liberdade muito grande”, afirma a cabeleireira que já ajudou diversas outras garotas e mulheres em transição capilar.

Uma perspectiva positiva que não se limita somente a ela, mas até mesmo a quem está neste processo hoje em dia, como Mariana Carvalho, 19. “O maior ponto positivo para mim é aceitar o meu cabelo do jeito que Deus criou, do jeito que ele é. Isto me deixa muito feliz. Estou super empolgada e animada para ver como ele vai ficar no final do processo”, afirma ela.

* supervisão de Patrícia Maria Alves (editora).