Entre os dias 13 e 17 de fevereiro foi comemorado o centenário da Semana da Arte Moderna. Um movimento revolucionário para as artes no Brasil que trouxe discussões importantes e quebra de paradigmas que impactam o segmento até os dias de hoje. Mas após 100 anos, seria possível um evento semelhante nos dias de hoje?

Na época, insatisfeitos com os padrões da época, vários artistas buscaram novas formas de expressão em 1922. Literatura, artes plásticas e música estavam na pauta da Semana da Arte Moderna, que agitou São Paulo e alçou nomes como Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Menotti Del Picchia e Anita Malfatti para uma fama que perdura até hoje. Realizada em três noites, de 13 a 17 de fevereiro, grande parte do conteúdo chocou o público que, revoltado, reagiu com vaias, gritos e assobios. Apesar da sociedade torcer o nariz, os trabalhos hoje são reconhecidos e premiados — ah, o tempo, que cura quase toda ferida…

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Non-fungible token. | Foto: iStock

Um século depois, será que um movimento semelhante seria possível? Com quais nomes? “É um contexto completamente diferente. A iniciativa, naquele momento, era mostrar um descontentamento dos jovens artistas da época, que buscavam espaço, e queriam uma nova estética”, explica a professora de História da Arte, Maria Helena Cardoso. Para ela, o alto volume de informações de hoje e a maior facilidade para se criar e, principalmente, mostrar produções derruba grande parte da motivação de um século atrás. “Vivemos em uma era diferente, com percepções, interesses e olhares distintos. É irreal aplicar a mesma lógica”, opina.

Na música, na última lista dos artistas mais ouvidos no Brasil no Spotify, divulgada pela empresa, estavam Os Barões Da Pisadinha, Gusttavo Lima, Jorge & Mateus e Henrique & Juliano. Se usarmos esse recorte como referência, nessa guerra por espaço ainda entrariam, possivelmente, ídolos de outros gêneros, como Ivete Sangalo, Ludmila, Anitta, Alok, Nego do Borel, Projota, Pablo Vittar e até clássicos da MPB, como Caetano Veloso e Nando Reis. “Quem iria fazer essa curadoria, dizer que um é mais representativo que outro? E por que não um cantor de rap, conhecido apenas em uma comunidade? É difícil selecionar. Ia depender muito de quem liderasse o movimento. Se fosse um grupo de sertanejos, eles poderiam virar a cara para outros nichos, ou não. Quem sabe?”, provoca a professora.

icon-aspas "Naquele tempo, eles queriam uma estética nova. Hoje há uma liberdade estética muito maior, faz-se de tudo"
Maria Helena Cardoso - professora de História da Arte

No país de Paulo Coelho, outras imortais como Ana Maria Machado e Lygia Fagundes Telles, além de Luís Fernando Veríssimo e Hilda Machado, rivalizariam ou se uniriam a jovens como Antonio Prata, Thalita Rebouças e Djamila Ribeiro? Nomes fortes das artes plásticas do momento, como Cildo Meireles, Beatriz Milhazes, Tunga, Cláudio Tozzi, Siron Franco e Adriana Varejão, “brigariam” com Romero Britto? “De novo, vale a percepção do que seria o movimento, qual a mensagem. Romero Britto é, digamos, mais popular que esses outros, mas enfrenta um preconceito enorme, tem seu trabalho contestado. A arte é muito subjetiva e, como nos mostra os 100 anos do movimento modernista, é preciso tempo para analisar com mais assertividade”, aponta Cardoso.

Para a professora, hoje, talvez, a disputa seria por visibilidade. “Naquele tempo, eles queriam uma estética nova. Hoje há uma liberdade estética muito maior, faz-se de tudo. Então imagino que a guerra seria para conseguir evidência em meio à tanta e diversa produção, em meio a esse mar de informações que vivemos”, analisa. “Em 1917, Anita

Malfatti fez uma exposição em que diversas obras repetiram-se na mostra de 1922, em uma galeria física. Hoje você não precisa, necessariamente, mostrar o trabalho em uma galeria física. Tivemos durante a pandemia uma série de exposições virtuais, que ajudam na difusão da arte. Temos o streaming de música, que possibilita o mundo inteiro ter acesso à sua produção. Mas muito se perde no meio de tanta coisa. Talvez a união dos artistas de 2022, num hipotético movimento, seria para encontrar e debater formas de se destacar nesse tsunami de nomes e trabalhos”, argumenta a professora. “E ainda seria capaz de acontecer no Zoom, por causa da pandemia”, complementa.

E se o virtual é a grande diferença deste século, o NFT pode garantir que nomes atuais sejam celebrados com propriedade em 2122. “É um outro aspecto interessante e demonstrativo da nossa geração. Transformar uma obra do momento em um elemento virtual que vai garantir que a produção não se perca e, talvez, seja até mais valorizada daqui a 100 anos. Isso é uma característica muito forte da arte, de reunir elementos e conceitos do contexto vivido na sua concepção. Talvez essa produção virtual seja a nossa marca para o futuro, mesmo que, em um século, as tecnologias sejam totalmente diferentes”, calcula Maria Helena Cardoso.

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