Nos primeiros dias de março de 2020, pouco antes da chegada da pandemia de Covid-19 no Brasil, a tatuadora Ivanna Pereira se mudou de Céu Azul, município do Oeste do Paraná, para Londrina. O avanço do vírus aumentou a dificuldade da profissional que não tinha uma clientela fixa na nova cidade. As máquinas e agulhas de tatuagem ficaram paradas quando a Prefeitura decretou situação de emergência na cidade, no dia 19 do mesmo mês. Em meio ao caos de uma nova realidade, a jovem de 20 anos utilizou o tempo do trabalho para impulsionar a marca nas redes sociais.

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Os aplicativos mais baixados de 2020
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“Usuários começaram a dar muito valor às redes e, principalmente, aos perfis comerciais. Era a melhor forma de contratar um serviço sem sair de casa. Quem criava conteúdos bacanas se deu bem. As redes sociais são importantes, mas tudo que você posta precisa ser verdadeiro, para fidelizar as pessoas. Uma mídia bem apresentada precisa estar em união com a qualidade do serviço.”, afirma a tatuadora. Hoje, o Instagram profissional de Ivanna conta com mais de 10 mil seguidores – o dobro que tinha quando se mudou para Londrina.

Porém, a maior surpresa foi a atuação em uma rede social não tão ligada a perfis comerciais: o Tik Tok. “No início, eu achava que o TikTok era somente para humor, até que um cliente me disse que contas profissionais com criatividade podem receber muita visibilidade. Peguei umas dicas e comecei a publicar. Fiquei muito feliz quando os vídeos começaram a ter views. Tomou uma proporção que não imaginava”, relata Ivanna. O perfil acumula 432 mil seguidores, 3.8 milhões de curtidas e vídeos com mais de 5 milhões de visualizações.

Apesar da pandemia ter intensificado o processo de transposição das nossas vidas para as redes sociais, a socióloga e advogada Carla Avanzi afirma que esse movimento não surgiu com a Covid-19: “Filósofos atuais como Byung-Chul Han projetaram nos últimos anos o crescimento do chamado “sujeito de desempenho”, o indivíduo que não depende mais das limitações físicas e hierárquicas, mas que possui em si mesmo o maior desafio para superação de suas habilidades. Atualmente, conseguimos ver a aplicação desse conceito nas nossas relações diárias. Para as instituições, a presença na internet é importante, mas para as atividades comerciais ela é essencial, principalmente em tempos de pandemia. A possibilidade que a internet tem de alavancar negócios e fomentar novas formas de consumo não pode ser ignorada e exige adaptabilidade. Algumas mudanças impulsionadas pela pandemia, como o aumento de compras online, tendem a ser permanentes”, analisa.

O crescimento das redes sociais de Ivanna Pereira permitiu que a artista começasse a trabalhar com “guests” – quando o tatuador se desloca para um estúdio de outra cidade para atender clientes de uma região diferente. O aumento da procura pelo serviço de Ivanna foi impulsionado pelo modelo de distribuição do algoritmo para outras cidades: “No TikTok você consome conteúdos de todo tipo de pessoa. Por isso, as chances de um vídeo criativo aparecer para pessoas que não te seguem são muito maiores. Eu consegui, por exemplo, abrir guests para Curitiba e São Paulo, algo que eu já planejava, mas a visibilidade do TikTok fez isso acontecer muito mais rápido, já que espontaneamente pessoas dessas cidades me procuraram”.

Criado em 2016, o aplicativo TikTok, da desenvolvedora chinesa ByteDance, cresceu nos primeiros anos de mercado e explodiu em 2020, durante a pandemia. A plataforma é utilizada para compartilhar dublagens de músicas, memes e esquetes de humor. O levantamento realizado pela empresa especializada App Annie, aponta o TikTok como aplicativo mais baixado do mundo, em aparelhos Android e IOS, entre novembro e dezembro de 2020. A rede social atingiu a marca de mais 2 bilhões de downloads desde o seu nascimento.

TELETRABALHO

Segundo a mesma pesquisa, outros aplicativos que registraram aumento expressivo de downloads foram Zoom e Google Meet, em 4º e 7º lugar da lista de mais baixados do mundo em 2020, respectivamente. Os programas realizam reuniões on-line, em formato de videoconferência. Além da utilização em aulas remotas, os aplicativos permitem a manutenção de inúmeros serviços, de forma não presencial, em meio à necessidade do distanciamento social para conter a transmissão do vírus.

Eduardo Filipe Gonçalves é assessor de magistrado no gabinete do 4º Juizado Especial Cível, Criminal e da Fazenda Pública da Comarca da Região Metropolitana de Maringá. O jovem de 25 anos se enquadra no grupo de risco para agravamento da Covid-19, por ser portador de asma. Mesmo controlada, em uma das crises da doença, chegou a ficar com apenas 59% da capacidade respiratória. Então, o retorno gradativo das atividades presenciais do órgão não atingiu a sua função, pela necessidade de se resguardar do convívio social.

Para trabalhar, o funcionário utiliza o WhatsApp e o Cisco WebEx, outro aplicativo de videoconferências. “O ponto positivo do teletrabalho é o conforto que tenho por conta das roupas e do ambiente de casa. Outro diferencial é o tempo que ganho por não precisar me deslocar até o serviço. O ponto negativo é a necessidade o meu quarto de ambiente de trabalho, cômodo que antes servia para lazer e descanso. Também sinto falta da interação entre as pessoas. Como é um emprego novo, não cheguei a conhecer os meus colegas de trabalho de forma presencial”, destaca.

Segundo a psicóloga Maria Ester Falaschi, o distanciamento das relações humanas em 2020, mesmo extremamente necessário para conter o vírus e evitar mais infecções e mortes, pode vir a ser causa de transtornos psicológicos: “No home office, o "ambiente de trabalho" acaba se instalando no quarto, cozinha, entre outros cômodos. Assim, interferindo na rotina da casa. Ainda são imensuráveis os danos causados pelo distanciamento social em crianças e adultos, mas já sabemos que o impacto na saúde mental é direto. O Brasil, segundo a OMS, é o país com maior índice de transtornos de ansiedade no mundo e, com a pandemia, os números vêm crescendo ainda mais”, expõe.

O distanciamento social também aumentou as buscas por meios de se exercitar sem sair de casa. Com o risco existente em academias – ou até o fechamento delas –, os aplicativos com orientações para treinos físicos estiveram em alta no de 2020. Nesse cenário, o instrutor físico Giovani Batista adaptou seu trabalho para alunos que escolheram se exercitar sem atravessar a porta: “Comecei a utilizar o Google Meet para dar aulas online. Também criei, na plataforma Hotmart, um curso on-line de emagrecimento. Ofereço suporte para os alunos nos dois modelos. O que dificulta para o aluno é que, mesmo com o vídeo explicativo e todas as adaptações, quem compra o curso pode realizar movimentos errados. Não estou lá para corrigir”, afirma.

AUXÍLIO EMERGENCIAL E PIX

Aplicativos de compras e operações bancárias também foram baixados para realizar atividades cotidianas ameaçadas pelo vírus. O Caixa Tem e o Auxílio Emergencial aparecem entre os aplicativos gratuitos mais baixados do país, no ano passado, na Apple Store. Porém, os programas apresentaram erros e, muitas vezes, não pouparam a ida do usuário até a agência bancária. A tatuadora Ivanna Pereira, por ser profissional autônoma, recebeu o auxílio emergencial e relatou limitações dos aplicativos. “No início não aceitava as contas cadastradas. Depois, na terceira parcela, ficou mais fácil por poder utilizar boletos. Acredito ter sido feito com uma boa intenção, mas precisa ser melhorado. Presenciei falhas do aplicativo, comigo e com conhecidos. Às vezes, nos obrigava ir até as agências para resolver”.

Segundo a socióloga Carla Avanzi, embora as relações mais cotidianas pareçam ter sido simplificadas para auxiliar a adaptação ao cenário pandêmico, o formato virtual também exclui parte da população dos processos. “A desigualdade estrutural e a carência de condições básicas de serviços públicos no Brasil impõem diferentes formas para lidar com todas as mudanças. Recentemente, a Justiça determinou que os DETRANs voltem a emitir o Certificado de Registro e Licenciamento de veículos (CLRV), em razão da dificuldade que muitos condutores tiveram em acessar o documento em formato digital. Outro exemplo são os inúmeros relatos de dificuldade de acesso ao Aplicativo CAIXA Tem, necessário para o recebimento do auxílio emergencial. Isso indica que embora o processo de digitalização esteja acelerado, as diferentes condições sociais e de acesso da população ainda merecem maior atenção do poder público”, conclui.

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