O soar das batidas do tambor e o canto dos versos de protesto, compassados com gestos fortes, já ecoaram por todo o mundo. Com tarjas pretas nos olhos, mulheres se reúnem em grandes manifestações bradando “Un Violador en Tu Camino” – um estuprador no seu caminho – como palavras de ordem. O movimento se originou no inflamado ambiente político chileno e teve sua primeira apresentação em 18 de novembro, na cidade de Val Paraíso. Foram precisos poucos dias para que se dissipasse como rastilho de pólvora. Apresentações já foram vistas por todos os cantos do globo, em países como Índia, Argentina, EUA, Alemanha e França. A forte mensagem nasceu do coletivo feminino chileno Las Tesis, baseado nos textos da antropóloga argentina Rita Segado, para lembrar o dia contra a violência de gênero, celebrado todo 25 de novembro.

A manifestação vista a distância tem características de um flashmob, mas de fato se trata de um grito feminista na intenção de se rebelar contra a opressão sobre mulheres. “O patriarcado é um juiz que nos julga por ter nascido e nosso castigo é a violência que você não vê”, alerta o novo hino feminista entoado pelos grupos. “Não pensamos nisso como uma canção de protesto, mas fazia parte do nosso trabalho de performance. Mas, a verdade é que escapou de nossas mãos e o mais bonito é que foi apropriado para os outros”, disse Paula Cometa, à BBC. Ela integra o grupo chileno ao lado de Daffne Valdés, Sibila Sotomayor e Lea Cáceres. O movimento seria apenas mais um entre outros no ambiente estudantil do país, se não fosse a série de protestos que eclodiram no Chile por conta das mudanças sociais propostas pelo governo.

IGUALDADE

No Brasil, a performance ainda não foi feita, mas deve ser uma questão de tempo. É o que acredita a advogada Sandra Barwinski, coordenadora do Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher. “O movimento já chegou ao País e encontrará ambiente favorável para se reproduzir com intensidade. Afinal, aqui também forças antidireitos e opressoras ensaiam se instalar”, afirmou em entrevista à FOLHA. Para ela, as manifestações que se multiplicam nos países são uma nítida demonstração do poder da solidariedade coletiva das mulheres. “É muito emblemático que não há uma liderança, mas uma atuação verticalizada e muito democrática, além de pacífica”, opinou e concluiu. “O feminismo é um movimento de contestação e resistência, pacífico, a um sistema que oprime, viola e desrespeita as mulheres. Enquanto não houver igualdade e justiça de gênero, haverá mulheres em luta. Haverá feminismo”.

A música que denuncia a violência contra as mulheres foi criada como parte de uma peça que nunca foi lançada, mas ironicamente o espetáculo que não chegou aos palcos viralizou na internet. “A letra narra e expõe a violência que as mulheres sofrem no mundo inteiro. Ele tem uma importância ainda maior porque sai dos ciclos feministas e ganha poder. Todos ficam sabendo e não só a militância”, avalia a advogada Valéria Fiori, militante feminista e integrante do Coletivo Alicerce de Curitiba. Para ela, o movimento se tornou um paradigma para os próprios movimentos sociais. “As mulheres demonstraram ser organizadas para mostrar o que as mulheres sofrem. Tudo foi feito por mulheres e não tenho dúvida que este movimento impulsionou o feminismo em toda a América Latina”, concluiu Fiori.

DANÇA

A coreografia construída pelo grupo é simples, mas cheia de significado. As criadoras buscaram se inspirar em como o corpo feminino está exposto nas ruas, mas ao apontar à frente e direcionar a crítica aos governos pela violência exercida sobre as mulheres. Segundo o coletivo La Tesis, o trecho dos movimentos em que as mulheres se agacham saiu de um relatório da Human Rights Watch que denunciou comportamentos de abuso sexual por funcionários dos Carabineros – polícia ostensiva chilena – que forçaram alguns detidos a fazer agachamentos enquanto estavam nus. “A ideia de dançar é ser capaz de se libertar daquilo que o contém moralmente e que o culpa por um homem. Parece que, no final, tudo isso acaba sendo muito libertador e curador”, afirmou Cometa à BBC. Um novo ritmo capaz de curar velhas feridas.