Muito cedo em sua obra, Freud observa que a criança, após experimentar uma situação traumática, tende a repeti-la, mas desta vez invertendo-a. Faz ativamente aquilo que sofreu passivamente. É o que observamos cotidianamente: a criança, após receber uma bronca do professor ou uma injeção do médico, brinca de ser, ela mesma, a professora que repreende seus alunos ou o médico que aplica a injeção em seu paciente.

Melanie Klein e Winnicott deram ao brincar o estatuto de pedra angular do trabalho psicanalítico. Melanie Klein viu no brincar o correspondente à associação livre do adulto e acreditava que através dele a criança simboliza suas fantasias e angústia enquanto Winnicott defende a necessidade de tomar o brincar como um tema em si mesmo.

Outra importante contribuição sobre o assunto vem de Walter Benjamin em seu artigo "Brinquedos e jogos", onde ele propõe que "a repetição é para a criança a essência da brincadeira, que nada lhe dá tanto prazer como 'brincar outra vez' (...) O adulto alivia seu coração do medo e goza duplamente sua felicidade quando narra sua experiência. A criança recria essa experiência, começa sempre tudo de novo, desde o início".

Brincar é coisa séria. Talvez seja o meio principal para a criança organizar suas experiências – traumáticas ou não – e construir um patrimônio pessoal para lidar com as vicissitudes da vida. O brincar se insere na esteira da criatividade e do trabalho adulto. Brincando a criança cria um mundo imaginário que a auxilia na descoberta e assimilação do mundo adulto. E as crianças que não brincam, provavelmente, necessitarão de ajuda.

* Leda Barone, psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae e do Instituto de Psicanálise da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo