A Páscoa vai muito além dos coelhinhos e dos ovos de chocolate nos supermercados. Até mesmo esses simples elementos são repletos de significados históricos pouco comentados. Comemorada há milênios ao redor do mundo, a data possui conceitos importantes para as culturas cristãs e judaicas, sendo conhecida principalmente por relembrar a crucificação, a morte e a ressurreição de Jesus Cristo. Apesar disso, há indícios de que já era celebrada na Antiguidade, em tempos pré-cristãos e pagãos, carregando outro sentido.

De acordo com Wander de Lara Proença, professor de História da Universidade Estadual de Londrina e da Faculdade Teológica Sul Americana, povos como os egípcios, persas e chineses usavam ovos coloridos como símbolo nas celebrações de fertilidade. No Hemisfério Norte, a chegada da primavera era comemorada com entrega de ovos de presente a familiares e vizinhos, por simbolizar o renascimento da vida. A partir do século 6, houve um processo de cristianização sobre esses costumes, associando-os à ressurreição, por coincidir com o período da Páscoa no calendário cristão.

A comemoração, realizada anualmente em data móvel, tem o coelho como principal símbolo. "Com a chegada da primavera, os coelhos eram os primeiros animais vistos, e associados à reprodução e fertilidade, logo se tornaram símbolo desse renascimento", explica o professor. Ele conta também que, no século XVIII, alemães emigraram aos Estados Unidos, levando consigo a tradição de associar ovos e coelhos com a Páscoa, e dali a ideia se espalharia para o mundo contemporâneo.

Os ovos de chocolate vêm de uma tradição do século 18, na França, em que os confeiteiros esvaziavam os ovos e os recheavam com o doce para presentear. O costume se espalhou pelo mundo cristão um século depois e os ovos, agora inteiros de chocolate, tendo o coelho como personagem representando a fertilidade, integraram-se ao calendário pascal e às motivações comerciais.

PÁSCOA JUDAICA

No judaísmo, a Páscoa é conhecida como "Pessach", que significa "passagem" em hebraico, sendo tão importante quanto a Páscoa para os cristãos. O termo faz referência à libertação do povo hebreu da escravidão do Egito há mais de 3 mil anos e foca na figura de Moisés. O emissário José Emílio Marmol, da Sinagoga Bnei Noach de Bauru (SP), explica que esta é uma festividade presente em Êxodo, segundo Livro das escrituras do Torá, como é chamada a Bíblia no mundo judaico. Os não-judeus, ou filhos de Noé, também podem comemorar a data, desde que obedecendo os critérios do judaísmo.

Sendo assim, "Pessach traz para nós realmente a vitória da liberdade sobre a escravidão, traz a vitória contra a opressão, contra tudo aquilo que está conectado dentro de um sentido de ditadores, que privam as liberdades das pessoas", explica Marmol, sob supervisão do rabino Rav Yakov Gerenstadt, reforçando que o evento não há similaridades com a comemoração cristã.

No jantar do Pessach, Marmol conta que o ovo cozido é o prato principal, "simbolizando a questão do mundo em si, que gira e uma hora o que está em cima vai para baixo e o que está em baixo vai para cima, lembrando que nós não podemos perder a humildade, porque nunca sabemos o dia de amanhã", diz. Como acompanhamento, tem o Zeroá, que é um osso que simboliza o cordeiro que foi sacrificado para a destruição da idolatria no Egito; Maror, uma raiz forte que relembra os tempos amargos de escravidão; Carpás, um vegetal normalmente acompanhado de cebola ou batata cozida, mergulhados em água com sal, que remete ao trabalho massacrante dos judeus como escravos; Charósset, que é mistura de maçãs, nozes e vinhos, com aparência da argamassa usada para fazer as edificações da época; e Chazeret, que são outros tipos de ervas amargas. Os alimentos fermentados não são permitidos. Esses são exemplos de ingredientes utilizados na ceia do Pessach, cada um com uma simbologia distinta. A festa judaica se tornou um memorial sagrado de liberdade e vida, celebrada anualmente até aos dias atuais.

PÁSCOA CRISTÃ

O padre Manuel Joaquim Rodrigues dos Santos, da Arquidiocese de Londrina, considera a Páscoa o epicentro do cristianismo, em que se valoriza o perdão pelos pecados, a reconciliação com Deus e a vida eterna. "É a festa mais importante e de onde brotam todas as teses doutrinárias e principalmente a espiritualidade da religião cristã, porque celebram nada mais nada menos do que os mistérios principais de Cristo, a sua paixão, morte e ressurreição", afirma, lembrando que essa foi a festa que Jesus e seus discípulos celebraram antes de ser preso.

"Quando no final do inverno no hemisfério norte, os pastores levavam as ovelhas para as montanhas repletas de verde, na primavera. Então, com esse sentido, Páscoa é vida após a morte, liberdade após a escravidão. Para os cristãos, o antigo testamento é uma prefiguração do que aconteceu com a vida de Cristo e, portanto, quem morre com Cristo ressuscita também com ele, passando da morte para vida, da escravidão do pecado para a liberdade da graça. Sem os acontecimentos pascais, os cristãos não teriam nem como celebrar o Natal, que é pra civilização ocidental uma festa tão importante. Tanto o símbolo do coelho quanto de chocolate são apropriados para mencionar a Páscoa como vida e renascimento", explica o pároco.

SIGNIFICADOS DIFERENTES, MAS SEMPRE CELEBRANDO A VIDA

Desta forma, a Páscoa judaica e a Páscoa cristã possuem significados diferentes. Enquanto os judeus comemoram a passagem da escravidão para a liberdade, os cristãos celebram a ressurreição de Jesus Cristo.

Segundo o Torá, o Pessach deve ser comemorado sempre no início da primavera, em Israel. Para quem está no Hemisfério Sul, como o Brasil, a data é comemorada no início do Equinócio de Outono, sendo de 5 a 13 de abril neste ano.

Já a Páscoa cristã é comemorada anualmente no primeiro domingo após a primeira lua cheia que ocorre no início da primavera (no Hemisfério Norte) e do outono (no Hemisfério Sul), sempre entre os dias 22 de março e 25 de abril.

"Para os historiadores, o valor explicativo consiste em decifrar os significados atribuídos aos símbolos e costumes construídos ao longo do tempo. Neste sentido, a Páscoa se constituiu em uma mensagem capaz de compartilhar um significado comum em diferentes tradições e lugares: a celebração da vida", diz Proença.

Imagem ilustrativa da imagem O significado da Páscoa na tradição cristã e judaica
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