A Teoria do Eterno Retorno de Friedrich Nietzsche nunca pareceu tão real, uma possível interpretação da teoria é a de que a vida é cíclica e tudo se repete eternamente. Seria possível comparar isso aos dias de isolamento atuais?

Imagem ilustrativa da imagem O Ministério da Solidão
| Foto: Vilhelm Hammershøi

A monotonicidade do dia a dia em casa acabou resultando em algumas crises existenciais, questões de saúde mental. O problema tomou proporções tão grandes que o Japão, foi o segundo país do mundo a criar o “Ministério da Solidão” após o país ter a maior alta em casos de suicídio em 11 anos, mais de 21 mil pessoas em 2020, sendo as mulheres e jovens com menos de 18 anos as principais vítimas. Um número 70% maior que os mortos por Covid no país, 12.351 (até dia 25/05). Entende-se que a principal causa desse aumento seja a solidão proveniente do isolamento social. Os dados foram divulgados na revista Nikkei Asia.

 Interior from the Home of the Artist - Vilhelm Hammershøi -
Interior from the Home of the Artist - Vilhelm Hammershøi - | Foto: Vilhelm Hammershøi

Japão foi o segundo país, porque no ano de 2018, o Reino Unido apontou seu primeiro ministro da Solidão, cuja missão era criar políticas públicas de combate a epidemia oculta que, segundo dados da Cruz Vermelha, já atinge mais de 9 milhões de britânicos, em uma população total estimada de 65,6 milhões de pessoas. E esse quadro se agravou nos meses de isolamento social e foi notado em todo o mundo. E em alguns meios já se discute a solidão como um problema de saúde social.

No Brasil, o estudo 'Perceptions of the Impact of Covid-19", realizado pela Ipsos com pessoas de 28 países – sendo mil brasileiros –, 50% dos respondentes locais afirmam se sentir solitários. Dentre todas as nações, é o maior índice. Em segundo lugar, estão os turcos (46%) e, em terceiro, os indianos (43%). A média global é de 33%. Na contramão do Brasil, os respondentes da Holanda (15%), do Japão (16%) e da Polônia (23%) são os que menos se sentem sós. Outro, feito pelo Instituto de Psicologia da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) registrou que houve um aumento de quase 4% em casos de Transtorno Depressivo Maior, enquanto, os casos de ansiedade foram de 8,7% para 14,9% durante a pandemia.

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A psicóloga, Sonia Mansano, do Departamento de Psicologia Social da UEL (Universidade Estadual de Londrina) aponta que a pandemia foi uma ruptura da vida normal e muitas pessoas precisaram lidar com fatores inesperados, o que as deixou mais sensíveis. Isso abriu espaço para “A tristeza, a angústia, o medo, a insegurança, a violência e, em especial, a dificuldade de conversar sobre o sofrimento instalado". É preciso levar em consideração que cada pessoa tem sua própria forma de lidar com as situações ao seu redor, Regina Rezende, enfermeira especialista em saúde mental, aponta que, mesmo assim, houve um aumento significativo nos casos de ansiedade, depressão e estresse pós-traumático durante esse período.

Onde está a saída?

Para lidar com a situação e o tempo que estão sozinhos, alguns decidiram se distanciar das notícias e fugir um pouco da realidade, se distanciar de redes sociais e fugir da irrealidade. Marta Rebello, escritora portuguesa publicou em sua coluna no periódico 'Visão' que isso acontece por que a solidão é ausência de contatos e redes sociais de afetos e que "os artifícios da social media não nos dão online aquilo que nos falta offline. Não é carência de vitaminas, é déficit de relacionamento social. A solidão é uma dor psicológica com impacto biológico e que, tornada crónica, pode matar.", explica. E esse desgaste nem sempre tem a ver com problemas psicológicos, mas sim, com emoções. A psicóloga Sonia Mansano argumenta que as redes sociais já vinham exercendo uma pressão desgastante sobre a vida cotidiana e a saúde mental, valorizando as exposições pessoais, as comparações, a competição e as avaliações que desgastavam a vida ao reduzi-la a “likes” e “dislikes”, esse é um problema antigo que foi exacerbado e desnudado pelo isolamento social.

Outros escapes

Muitos procuraram seus escapes em aprimoramento e aprendizado, diante disso a procura por cursos online aumentou mais de 90%, de acordo com uma pesquisa feita pela plataforma Udemy, assim como, pesquisas sobre saúde alimentar e física, músicas, filmes, entre outros assuntos, se tornaram buscas cada vez mais relevantes na web. Regina Resende explica por que essa é uma potencial forma de lidar com a monotonicidade da rotina: “Quando buscamos atividades prazerosas, criativas, etc.. estamos oferecendo experiências que proporcionam uma mudança em nosso cérebro e nossos pensamentos e nossa neurobiologia será para um processo de adaptação saudável sem estresse e respostas ansiosas intensas que levam ao sofrimento psíquico”. E, afirma que a rotina não é ruim, ela precisa ser elaborada junto a atividades saudáveis para o corpo e para mente, como: alimentação saudável, descanso, práticas de relaxamento e controlar a exposição à notícias, não se excluindo completamente.

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| Foto: Vilhelm Hammershøi

Surgiram também, aqueles que resolveram questionar tudo o que conheciam, no meio da crise existencial, tanto que, em fevereiro, usuários da rede social TikTok viralizaram vídeos tentando provar que a ‘neve’ não é real. De acordo com a teoria da conspiração, a neve que cai do céu é falsa e o responsável por ela é ninguém menos que Bill Gates. Soa tão real e familiar quanto às teorias negacionistas sobre a vacina e as famosas conspirações terraplanistas, que também voltaram a se popularizar. Retornando para o problema com as notícias falsas, como é abordado por Sonia Mansano, “A melhor maneira de lidar com essa situação de sofrimento psíquico gestada em diferentes âmbitos da sociedade, que também engloba parte das redes sociais e da internet, já é de domínio público: certificar-se de que as notícias advêm de fontes seguras e não replicar fake news”.

Os casos de Covid-19 continuam em alta, por isso o isolamento social ainda precisa ser mantido. Portanto, não se pode esperar uma quebra na monotonicidade, o dia de hoje pode se repetir por mais algum tempo. Uma pandemia é “...um problema sociopolítico multifacetado no qual comparecem as relações sociais, a economia, as ações governamentais, a educação, o cuidado com a natureza”, afirma Mansano. Por isso, é um problema coletivo que demanda tempo, cuidado e paciência para ser resolvido. Isso, junto a criatividade de lidar com o dia a dia.