Paredes cheias de telas de pintores famosos. Moedas e selos do século passado. Roupas e objetos de artistas que já nos deixaram. Acervos raros e caros, disputados por colecionadores de todo o mundo, podem estar com os dias contados – pelo menos no mundo físico. E tudo devido à uma tecnologia surgida seis anos atrás. Em 2015, começaram os primeiros projetos que criaram o conceito de NFT, sigla para “non-fungible token”, ou, em português, token não-fungível. O “token” é uma chave eletrônica, do mundo digital. Um item não-fungível é algo específico e individual, e não pode ser substituído. Diferente de uma cédula de dinheiro, por exemplo, que você pode trocar por outra de igual valor – algo fungível, portanto.

Imagem ilustrativa da imagem O colecionador do futuro - Criação e comercialização de NFTs abre uma nova era no mercado da arte
| Foto: Folha Arte/iStock

A grande maioria dos NFTs é emitida na Ethereum, uma rede de criptomoedas – outro mercado que explodiu nos últimos anos. Tudo isso acontece dentro da tecnologia blockchain, uma espécie de banco de dados no qual é possível inserir e transmitir informações de forma segura, rápida e transparente, sem a necessidade de um órgão central de controle. Toda informação inserida na rede blockchain não pode ser alterada, isso devido ao caráter imutável da rede, que garante total segurança dos dados. “No mundo real temos os cartórios para registrar um nascimento, ou a secretaria de Segurança Pública, que faz os registros de identidade, por exemplo. Na internet, o blockchain funciona como um cartório ou a secretaria, é nele que os registros de transações são feitos”, explica o especialista em segurança digital, Marcelo Ferreira.

Qualquer coisa que possua valor e que seja possível comprovar a propriedade pode ser transformada em token. Obras de arte, músicas, domínios de sites e outros ativos digitais colecionáveis, o que vem impulsionando a chamada cripto-arte, arte digital que é vendida para colecionadores, assim como quadros e outras obras físicas são comercializadas em galerias. O NFT, nesse caso, funciona como um selo de autenticidade digital único, para identificar e vender objetos virtuais. O ator de “Jornada nas Estrelas”, William Shatner, colocou à venda 10 mil pacotes com cerca de 125 mil cartões colecionáveis ​​de NFTs com imagens de sua vida pessoal e carreira. Tudo foi vendido em minutos e os colecionadores podem agora comprar, vender e trocar as cartas entre si.

Em 2019, a Nike lançou o projeto “CryptoKicks”. Nele, os tokens são usados ​​para vincular calçados físicos a versões digitais em diversos aplicativos, sendo possível negociá-los em mercados digitais ou usá-los em videogames e outros ambientes virtuais. Uma montagem fotográfica digital do artista Beeple foi arrematada por um investidor de Cingapura por US$ 69,3 milhões. E não para por aí. A cantora Grimes, casada com o bilionário Elon Musk, organizou um leilão NFT com dez obras de arte digitais. Em menos de 20 minutos, arrecadou cerca de US$ 6 milhões.

“O digital está integrado às nossas vidas e deve ganhar cada vez mais espaço. Assim como o mercado de criptomoedas vai atrair mais investidores, obras de arte e outros produtos do ambiente virtual vão passar a ser ativos comercializados com grande valor no mundo real”, avalia Marcelo Ferreira. Segundo ele, a mesma disputa por objetos exclusivos no mundo real vai ser replicada no virtual. “O exemplo da venda do primeiro tuíte da história aponta esse caminho”, avalia Ferreira. Ele se refere ao leilão do primeiro post do presidente do Twitter, Jack Dorsey. O tuíte, com a frase “apenas configurando meu twttr”, foi o primeiro da rede social, postado em 21 de março de 2006. Ele foi vendido como NFT por US$ 2,9 milhões.

O processo de criação de um NFT, conhecido como “cunhagem”, é realizado dentro de um mercado NFT. Ali, o criador carrega o arquivo digital e atribui características a ele, como se é único, se tem várias cópias ou se faz parte de uma coleção. Depois, eles podem ser negociados nos mesmos mercados de NFT, geralmente na forma de leilões. O vencedor passa a ter a propriedade do NFT e, depois, pode abrir seu próprio leilão para repassar o ativo com lucro. As negociações são feitas sempre em criptomoedas.

Mas, será que o investimento é seguro? Para Ferreira, sim. Porém, é preciso alguns cuidados, como em qualquer transação financeira e digital. “Quem compra esses NFTs hoje quer vendê-lo a um preço maior ou mantê-lo como uma coleção. É como o bitcoin, que no início pouco valia e atualmente é um dos ativos mais valorizados do mundo. O NFT é uma tendência, mas os preços de alguns itens são superfaturados, não valem tanto quanto os vendedores propõem. Então, o cuidado com a avaliação do item é importante, assim como de sua autenticidade e exclusividade”, sugere o especialista em segurança digital, que complementa: assim como em outras áreas, a onda dos NFTs pode ser uma bolha. “Claro que há esse risco, de se valorizar muito agora e ser um fiasco daqui a alguns meses. Mas a tendência é de uma nova modalidade de investimento bastante rentável”, opina.

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NFTs contra a desinformação

Leilão virtual de checagens históricas colecionáveis vai arrecadar recursos no combate às fake-news

Com o uso em ascensão, os NFTs podem ajudar na guerra contra um dos grandes problemas atuais do ambiente virtual: o elevado número de fake-news. As notícias falsas, que se proliferam, desinformam e até atacam reputações, causando estragos irreparáveis, entraram na mira das agências de checagem do mundo, que corrigem as informações, apontando o que há de enganoso ou distorcido em uma determinada notícia.

Agora, a recém-criada organização “FACTS-NFT”, que reúne as plataformas de verificação “Lead Stories”, dos Estados Unidos, “Newtral”, da Espanha, “Taiwan FactCheck Center”, de Taiwan, e a “Agência Lupa”, do Brasil, busca um novo modelo de financiamento e atuação conjunta para a luta contra a desinformação. A ideia é atrair recursos financeiros para as plataformas de fact-checking a partir da comercialização de checagens históricas como itens digitais colecionáveis.

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| Foto: Arquivo FOLHA

Estão à venda 20 verificações feitas pelas agências que integram a iniciativa, com conteúdos que representam momentos importantes e históricos, apresentados de forma a atrair investidores em criptomoedas, colecionadores internacionais ou qualquer pessoa que queira apoiar o trabalho dos verificadores de fatos. Transformadas em NFT, as checagens tornam-se itens colecionáveis únicos. Além da reportagem em si, o token oferece ao comprador o material exclusivo anexado à verificação, como bastidores da apuração e comentários dos jornalistas envolvidos no trabalho.

Entre os materiais selecionados pela agência brasileira estão checagens de fake news envolvendo o presidente Jair Bolsonaro, discursos do ex-presidente Lula, a cobertura das queimadas na Amazônia e a pandemia do coronavírus. Os NFTs estão disponíveis na plataforma “OpenSea” e cada token custa em torno de R$ 578, pagos através da criptomoeda ether (ETH). Os valores arrecadados vão ser integralmente investidos no aumento da estrutura de checagem de notícias falsas.

A iniciativa é inédita no Brasil, mas outros veículos já comercializam produções jornalísticas no formato NFT mundo afora. Um dos jornais mais importantes do mundo, o “The New York Times” transformou uma coluna em NFT. O material explica justamente esse mercado e foi vendido por pouco mais de R$ 3 milhões. A revista “TIME” também leiloou NFTs de quatro capas famosas. A mais cara foi a da edição intitulada “Is Fiat Dead?”, que abordava o avanço das criptomoedas e sua tecnologia, leiloada por R$ 750 mil.

Cinco NFTs mais caros da história

Everydays, The First 5000 Days, de Beeple — US$ 69 milhões

O artista digital norte-americano Mike Winkelmann, mais conhecido por seu pseudônimo Beeple, vendeu uma obra registrada como NFT por mais de US$ 69 milhões, em março deste ano. É a primeira peça completamente digital vendida pela famosa casa de leilões Christie’s, em mais de 250 anos de história. A colagem de Beeple é grande, com 21.069 x 21.069 pixels. As primeiras ilustrações foram feitas em maio de 2007 e desde então o designer alimentou a obra aos poucos, se estendendo por 14 anos de produção. Como o próprio nome diz, trata-se de uma compilação de 5 mil dias de trabalho.

CryptoPunk #7804 e CryptoPunk #3100, do estúdio Larva Labs — US$ 7,6 milhões (cada um)

O projeto foi desenvolvido pelo estúdio americano Larva Labs, de Matt Hall e John Watkinson. São as obras de arte digital mais populares do mercado de NFTs. Tratam-se de pequenas imagens de 24x24 pixels com estilo 8-bit, geradas automaticamente por um algoritmo, que mistura diferentes características e acessórios, como cor da pele, óculos, chapéu e outros detalhes, formando personagens variados.

CROSSROAD, de Beeple — US$ 6,6 milhões

A obra contém uma mensagem contra o presidente Donald Trump, como uma forma de superação das políticas do ex-presidente americano.

Primeiro tuíte da história, de Jack Dorsey — US$ 2,9 milhões

O CEO do Twitter vendeu o post ao CEO da Bridge Oracle, Sina Estavi. Ele afirmou que, com o passar dos anos, as pessoas perceberão o verdadeiro valor do tuíte, como a pintura da Mona Lisa.

O Vencedor Escolhe o Nome, de SSX3LAU — US$ 1,33 milhão

Os DJs também estão na onda dos NFTs. O artista 3LAU, em parceria com Slimesunday, fez um leilão para quem quisesse comprar o direito de dar nome a uma de suas músicas. Além, é claro, de ser o dono dela.

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