Mensagens para depois que partir

No filme P.S. Eu Te Amo, de 2007, os personagens de Hilary Swank e Gerard Butler são casados e completamente apaixonados um pelo outro. Até que um dia ele descobre que tem uma doença terminal e resolve deixar uma série de cartas para ajudar a esposa após sua morte. Com a tecnologia, quem desejar fazer algo semelhante hoje já pode recorrer ao site "Meu Último Desejo".

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Criado há cerca de três meses pelo empresário Mário Cassio Maurício, o projeto começou a ser pensado muito antes, quando seu fundador perdeu o pai, repentinamente, há cerca de 15 anos. "Ele tinha 63 anos, foi para o hospital fazer um exame, teve um problema, precisou ser operado, ficou em coma e acabou falecendo. Me vi tendo que resolver tudo, já que era o filho mais velho. Meu pai não era muito organizado e foi uma loucura organizar tudo", conta.

Se isso já não fosse suficiente para motivá-lo, Maurício conta que algum tempo depois teve acesso à secretária eletrônica do pai e pode ouvir sua voz novamente, algo que mexeu profundamente com ele. "Depois descobri que minha irmã ligava para a casa dele só para ouvi-lo na secretária também. Conversando com outras pessoas, viu que muitas passavam por isso. Pesquisei e descobri que segundo dados da ONU (Organização das Nações Unidas), 53 milhões de pessoas morrem por ano, impactando em média 10 pessoas próximas. Pensei em como mudar isso e surgiu a plataforma."

No site, o usuário paga uma mensalidade que lhe dá acesso a 500 Mb de espaço para deixar imagens, mensagens de voz e vídeo, músicas, cópias de documentos e o que mais desejar. Se necessário é possível comprar espaço extra. Obrigatoriamente devem ser gravadas duas mensagens, uma de cunho mais prático, como instruções sobre enterro ou cremação, testamentos, dados bancários e outros. Já a segunda mensagem deve ter um cunho mais emocional. Depois, o usuário pode gravar quantas outras mensagens desejar, tanto para datas específicas como o aniversário de um familiar, no aniversário de sua passagem ou ainda na formatura ou casamento de um filho, por exemplo.

Ele conta que a maioria dos clientes é formada por mulheres (60%), acima de 45 anos. Após a ativação da conta é preciso nomear dois tutores, que serão os responsáveis por informar o site do falecimento do usuário e ativar o envio das mensagens, conforme as instruções do seu titular. Esses tutores não têm acesso ao conteúdo do que está gravado no site. São eles também os responsáveis por informar datas que não podem ser previstas, como formaturas e casamentos, caso o usuário tenha deixado mensagens para essas ocasiões.

"Isso tem muito a ver com legado, com orientação e conforto. Quando a pessoa se prepara para escrever essa mensagem, ela pensa na relação que tem com essas pessoas e ai vê que tem coisas que ela pode fazer em vida. Percebi que isso podia mudar a vida das pessoas. O objetivo principal do site é transformar a vida das pessoas", diz Maurício, contando que ele mesmo já deixou mensagens para seu filho de 18 anos e para um futuro neto ou neta que ele possa vir a ter.

As mensagens são enviadas por e-mail e por SMS e o destinatário tem a opção de salvá-las, já que depois da entrega elas são apagadas da plataforma. Maurício conta que até o momento nenhum usuário fez uso do serviço e ele espera que isso demore para acontecer. Por sugestão dos clientes, já está sendo desenvolvida a possibilidade de entregar mensagens ainda em vida também. "Quantos casos temos de pessoas que não se falam mais? Queremos que as pessoas vivam felizes, que não posterguem seus sonhos e vivam próximos de quem amam. Vimos o quão transformador é isso", garante.

SOCIAL
No site há espaço para que entidades de acolhimento de idosos se cadastrem para que seus assistidos possam receber uma conta gratuita. Mauricio explica que quando foi conhecer os idosos para a pesquisa do site, resolveu doar um milhão de "desejos". A cada cinco novos clientes, uma conta será doada para uma dessas instituições, que deverá selecionar o idoso a ser beneficiado. No site há um campo específico onde podem ser feitas as sugestões de entidades de todo o país, segundo o empresário.

Deixando tudo organizado (para depois)
Aos 67 anos, a aposentada Márcia Maria Bérgamo é uma das clientes do "Meu último desejo". Para ela a motivação foi a de que, por mais que as pessoas tentem demonstrar carinho e dizer que ama o outro, talvez não seja suficiente.

"Achei que deixar uma mensagem seria interessante. Receber em datas específicas uma mensagem, um filme, dizendo o quanto aquela pessoa foi importante para você, achei que seria bom."

Mãe de filho único e avó de um neto de cinco anos, Bérgamo disse que deixou informações importante sobre contas, bens e também sobre a cremação, seu desejo. "Na hora "H" a pessoa está tão transtornada que achei que seria bom deixar essas instruções. Também deixei mensagens para quando meu neto for jovem. Espero estar aqui quando esse momento chegar, mas nunca se sabe", destaca.

Muito organizada, a aposentada diz que tem um caderno só com informações práticas para o filho após sua passagem, mas ficou com receio dele não se lembrar disso e por isso recorreu ao site. "Vi amigas que perderam o marido recentemente e isso me deixou mais organizada ainda. Não quero deixar um problemão para o meu filho, quero deixar tudo preparadinho. Meus pais também deixaram tudo arrumado, é algo de família", explica.

Bérgamo conta que o filho já ficou sabendo do site já que é um dos tutores. "Tive que contar que fiz a assinatura, mas não dei detalhes. No princípio ele achou desnecessário, depois achou interessante."

Vivendo o presente com mais proximidade
Trinta e cinco anos de idade pode parecer um pouco cedo para se preocupar com providências para o pós-morte, mas o coordenador de projetos Leandro Pimentel de Araújo já tomou suas providências e fez uma conta no site. "Conheço o fundador, achei a ideia interessante, mas não tinha visto como funcionava. Ai conheci a plataforma, fiz um teste e resolvi ser usuário."

Casado e pai de um garotinho de 1,4 ano, ele conta que acabou descobrindo um novo jeito de usar o site. Depois de gravar mensagens para o filho dizendo o quanto sua vida mudou após se tornar pai, acabou mudando de ideia. "Fiz gravações para ele, para minha mãe e minha esposa. Em seguida pensei que podia começar a praticar aquilo e dizer ao vivo. Ai falava, apagava aquela mensagem e gravava outra. Depois de um tempo falava o que tinha gravado, apagava e gravava uma nova mensagem. A plataforma acabou me induzindo a ter uma relação mais próxima com meus familiares", explica.

Ele diz que mesmo com essa dinâmica deixou mensagens de cunho mais prático, mas as mensagens emocionais passaram a ser trocadas todas as semanas. "Achei a plataforma segura para essas situações mais burocráticas, para ficarem bem guardadas e serem vistas na hora certa. Esse lado emotivo chamou mais minha atenção, depois que pensei na parte prática, pensando até no meu filho", diz.

Araújo diz que nomeou sua mãe e a esposa como tutoras, o que causou certa estranheza no princípio. "Minha mãe achou que eu estivesse com algum problema de saúde e ficou preocupada. Já minha esposa tinha me visto fazer os testes e entendeu melhor como funciona o processo."

Caixa de memórias recebe lembranças dos amigos do falecido
Após a morte de um ente querido, são muitas as lembranças e sentimentos. A dor vai cedendo espaço para a saudade e um jeito de amenizar os momentos difíceis é ter uma caixa de memórias. Atuando com serviços funerários, memoriais e planos de assistência funeral no interior de São Paulo, o Grupo São Judas Tadeu oferece uma caixa de memórias para as famílias clientes da instituição.

Segundo o Grupo, a ideia surgiu após verem uma reportagem sobre cerimonial e se inspiraram a fazer a caixa, que começou a ser oferecida aos familiares neste ano. A ideia é que as pessoas que vão ao velório coloquem fotos e escrevam suas lembranças. Fica a critério da família sepultar a caixa junto ou levar para casa. Segundo o Grupo, a maioria das pessoas leva para casa, pela própria curiosidade de ler o que os amigos deixaram. Também podem ser colocados objetos de uso pessoal como perfumes, livros, uma caneta usada, óculos, objetos de coleção e o que mais a família desejar, cartas e cartões escritos pela pessoa para entes queridos.

A sugestão é que depois do velório a família decida com quem a caixa deva ficar. Ela também pode passar um tempo com cada familiar, que pode juntar mais lembranças.