As placas espalhadas pelo Parque Arthur Thomas, na zona sul de Londrina, são enfáticas: “Não alimentar os animais”. Mas todos os fins de semana, dezenas de famílias se aglomeram sob as árvores munidas de toda sorte de guloseimas na esperança de atrair os macaquinhos que vivem na maior área remanescente de Mata Atlântica dentro da área urbana. Ao ser advertido pela mãe sobre as placas, um adolescente ironiza: “tanta coisa que é proibida neste país e ninguém respeita”.

A investida dá resultado. No fim de uma tarde de domingo, parte do bando de macacos-prego, uns 10 animais, salta com agilidade de galho em galho até o portão de acesso ao parque. À medida que eles se aproximam, a excitação da plateia aumenta. Um dos bichos desce com agilidade e pega um punhado de salgadinhos oferecido por um rapaz. Come com voracidade. Enquanto o menino se diverte, a irmã mais nova registra tudo em seu smartphone. Outros macacos, um com um filhote nas costas, também dão às caras em meio à vegetação em busca dos viciantes ultraprocessados.

Alguns dos macacos mais atrevidos descem das árvores até o chão e precisam correr de algumas crianças. Para se livrar dos baixinhos, sobem em todos os lugares. Nem mesmo o busto do fundador da cidade, que dá nome ao parque, é poupado. O parque também abriga outros animais como quatis e capivaras, mas o grande frisson é mesmo pelos macacos.

Imagem ilustrativa da imagem Macacos-prego de Londrina ajudam a explicar nossa linha evolutiva
| Foto: Celso Felizardo

Quando as bananas e as pipocas acabam, outro rapaz tenta enganar um dos animais com uma casca de árvore. O bicho leva à boca e faz “cara feia”. O garoto insiste na artimanha, mas, sagaz, o macaco-prego vira as costas e vai embora. Assim, com o sol quase caindo, o bando segue para o interior da mata, longe do assédio dos visitantes. Com boa parte do parque fechada para manutenção, os animais reinam absolutos.

Todos os olhares se voltam para um último macaco desgarrado, que cruza a rua sobre as árvores na tentativa de conseguir alguma comida em uma pastelaria do outro lado da rua. Contenta-se com um ovo de passarinho que retira do ninho, em uma sibipiruna, e vai embora. Enquanto os vigias fecham os portões do parque, os visitantes se reúnem do lado de fora para ver as fotos e postá-las nas redes sociais.

A esperteza dos bichos impressiona os visitantes. Mas além de não se deixarem enganar com facilidade, os macacos do parque possuem um nível de inteligência muito maior. Foi o que detectou uma pesquisa da Universidade Estadual de Londrina (UEL). O Laboratório de Ecologia e Comportamento Animal, do Centro de Ciências Biológicas (CCB), registrou, com riqueza de detalhes, que os macacos-prego do parque municipal utilizam ferramentas para obter comida.

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| Foto: Celso Felizardo

Pesquisa

Estudos da última década, realizados pela USP (Universidade de São Paulo) na Serra da Capivara, no Piauí, já mostravam que ferramentas de pedra são usadas por macacos-prego há pelo menos 3 mil anos. No entanto, este comportamento é registrado em áreas com escassez de alimentos, como partes da caatinga e do cerrado. Se ficar confirmado que há abundância de alimentos dentro do Parque Arthur Thomas, como os pesquisadores acreditam, o estudo ganha ainda mais relevância.

A pesquisa com os Sapajus nigritus, os macacos-prego, é tema de dissertação de mestrado da bióloga Julia dos Santos Gutierrez, do Programa de Pós-graduação em Ciências Biológicas (PPGCB), sob orientação da professora Ana Paula Vidotto Magnoni, coordenadora do Laboratório de Ecologia e Comportamento Animal. “Ainda tratamos este ponto [abundância em alimentos] com certa cautela, pois ainda restam dois anos de pesquisas até a conclusão da dissertação, mas é um hipótese que não é descartada”, pondera, com visão de cientista, a professora Ana Paula Magnoni.

Apesar de se tratar de um fragmento de Mata Atlântica dentro de uma metrópole, de 85 hectares, os pesquisadores acreditam que não haja falta de alimentos para os primatas. “Alguns funcionários do parque acreditam que há uma escassez de alimentos, mas na nossa visão, o que desequilibra a alimentação deles é o fato da população oferecer comida para os animais”, acredita.

Alimentação

Oziel Galvão Magdalena, gerente de Parques e Biodiversidade da Sema (Secretaria Municipal do Ambiente), conta que a Pasta trabalha na conscientização para que a população não alimente os animais. O hábito, à primeira vista inofensivo, acarreta em uma série de prejuízos para a vida animal. “Além de os alimentos dos humanos não serem saudáveis para os macacos, isso os atrai para fora do parque, expondo-os à risco de atropelamentos e até mesmo de agressões”, adverte.

De acordo com o gerente, os animais têm toda a comida que precisam dentro do parque. “Durante um ano, nós, em parceria com os pesquisadores da UEL, fizemos suplementação com vegetais e frutas para os macacos dentro do parque. Agora, interrompemos para avaliar como será a resposta. Mas, a princípio, eles têm fartura de alimentos nos 85 hectares do parque”, conta. O experimento será capaz de afirmar, cientificamente, as suspeitas sobre a abundância de alimentos na área de preservação.

Os pesquisadores registraram mais de 200 pontos com vestígios de frutos e sementes golpeados por pedras de diferentes tamanhos. O estudo identificou três espécies vegetais distintas processadas pelos macacos: macaúba, jerivá e amendoeira.Os registros em vídeo mostram que os macacos-prego chegam a erguer pedras equivalentes ao peso do próprio corpo.

A reportagem foi originalmente publicada em 10 de julho de 2024 e pode ser lida na íntegra aqui.